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Fábio Kerche

Governabilidade, sim; Aras, não

Lula pode contornar decepção e introduzir o elemento da representatividade

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Fábio Kerche

Doutor em ciência política (USP), é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio); coautor de “A Política no Banco dos Réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil” (ed. Autêntica)

Reportagens recentes apontam que Augusto Aras estaria sendo considerado pelo presidente Lula (PT) para uma recondução à Procuradoria-Geral da República. Tais notícias, a exemplo das especulações sobre indicações para o Supremo Tribunal Federal, parecem mais sugestões de interessados do que informações precisas. A máxima que diz que "quem não se desmarca não recebe a bola" é levada a sério na política. Devido à crise (ou morte) do presidencialismo de coalizão, a especulação, que poderia soar absurda, ganha verossimilhança.

Com relação incerta entre Executivo e Legislativo neste "presidencialismo de extorsão", o Judiciário e o Ministério Público assumem maior protagonismo em um sistema em que o Congresso, em especial a Câmara, é um fator de instabilidade. Indicações para postos na Justiça que não joguem contra o governo passam a ser ainda mais decisivas. Lula, que em seus mandatos conduziu ministros ao STF não afinados com o governo, sinalizando para grupos sociais, e delegou a escolha do PGR para os procuradores, por meio da lista tríplice, não titubeou neste mandato. Indicou Cristiano Zanin, seu advogado na Lava Jato, a despeito da pressão para a escolha de uma mulher preta. Entre governabilidade e representatividade, o presidente escolheu a primeira.

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, em seu gabinete, em Brasília - Evaristo Sá - 11.jul.2022/AFP - AFP

A preocupação com a estabilidade do governo e da política não deve ser secundarizada também na indicação da chefia do Ministério Público. Ter alguém sem limites é correr o risco de colocar lenha na fogueira da instabilidade em que ainda vivemos após Jair Bolsonaro e seu desleixo com a relação entre Poderes. É o PGR que detém o monopólio da acusação criminal contra políticos e é ator relevante no STF, emitindo pareceres sobre casos julgados pelos ministros. O cargo é de enorme responsabilidade para que fique na mão de 1.200 servidores que não prestam contas a quase ninguém.

É fato que Aras não jogou para inflamar a política, ao contrário de Rodrigo Janot. Ele colocou um freio no núcleo de Curitiba, sempre foi, digamos, cuidadoso com o governo e nunca meteu a mão na cumbuca da política partidária. Neste início de Lula 3, para surpresa dos que apostaram em uma explicação ideológica para sua postura, o PGR se destacou pela acusação de participantes da intentona golpista de 8 de janeiro, afinado com o governo e com o STF.

Se Lula procura alguém que seja cauteloso, ele não precisa, contudo, reconduzir Aras. O comportamento do PGR não se dá por um traço de personalidade. Na verdade, Aras joga com as regras, assim como os seus antecessores. O modelo em que o presidente indica e, mais importante, reconduz, incentiva um alinhamento com o governo. A mudança de comportamento de Aras desde a posse de Lula ilustra este ponto. A caneta trocou de mãos, e o PGR mudou suas prioridades. De modo inverso, a lista tríplice, adotada nos outros mandatos petistas, estimulou um comportamento agressivo.

Isso explica as posições de Aras e Janot, assim como a de Geraldo Brindeiro, o "engavetador-geral", e de Rachel Dodge, que só teria ido para cima de Bolsonaro quando perdeu as esperanças de sua recondução. Na verdade, isso ajuda a entender as estratégias de todos os indicados a partir de 1988. Aras, independentemente de ideologia, se preocupa com a carreira antes de tudo, assim como os demais que ocuparam aquela cadeira.

Faz sentido Lula levar em conta a governabilidade. Não querer um incendiário na PGR é defensável. Mas há outros nomes que, frente aos incentivos gerados pelo modelo de indicação tendo o presidente como ator chave, poderiam desempenhar com equilíbrio a chefia do MP. E esses outros não carregariam o desgaste da associação com Bolsonaro. Pode ser uma oportunidade para também introduzir o elemento da representatividade, compensando a decepção causada neste quesito com a indicação ao STF.

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