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Isabel Gnaccarini

Esperança: a semente plantada por Francisco

Papa reforça urgência para as questões climáticas e a busca por um novo estilo de vida

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Isabel Gnaccarini

Jornalista, trabalha desde 1999 com comunicação ambiental; doutora pela Unicamp com a tese “Articulações entre Ciência, Religião e Política: Afinidades Eletivas nas Narrativas Ecológicas da Encíclica Laudato Si’ e da Agenda Ambiental da ONU”

Meteorologistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia (UE) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciaram no dia 27 de julho que as recentes ondas de calor em todo o Hemisfério Norte poderão ser as maiores da história da humanidade.

Não por acaso, o Relógio do Clima chegou ao Brasil dias antes para alertar sobre o ritmo cada vez mais acelerado das mudanças provocadas pela sociedade sobre o meio natural. O cronômetro luminoso projetado sobre o Cristo Redentor, símbolo incontestável do cristianismo mundial, informou que temos menos de seis anos para limitar o aquecimento global a menos de 1,5ºC. E, se bem que os geólogos da Comissão Internacional sobre Estratigrafia (International Commission on Stratigraphy, ICS), responsáveis por definir dia e local para que passe a vigorar o Antropoceno como nova era geológica, ainda não tenham batido o martelo sobre essa virada, é chegada a hora de admitir que nosso modelo de civilização não nos serve mais.

A urgência também tem sido apontada de maneira categórica pelo papa Francisco, que é uma das vozes mais potentes quando se trata de dizer que o equilíbrio dos ciclos naturais têm sofrido alterações que podem afetar o sistema terrestre de maneira irreversível. Desde que esse jesuíta foi eleito em 2013 sob o nome de Francisco, ele tem se inspirado no Santo de Assis, padroeiro da ecologia. E vem incorporando ao movimento inter-religioso a missão de impulsionar uma pequena revolução à altura das crises socioambientais que vivenciamos.

O ponto é que o Vaticano tem mantido uma programação que reforça a Agenda 2030 das Nações Unidas (ONU) e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), seguindo par e passo o que rezam os especialistas e ativistas, e emprestando a estes, leigos e crentes, seu enorme carisma de milhões.

Desde que lançou a primeira encíclica católica voltada aos problemas ecológicos, às vésperas da COP21, a Conferência do Clima das Nações Unidas de 2015, em Paris, o movimento globalizado vem sendo impulsionado por suas mensagens e por ações coordenadas da imensa rede burocrática da instituição.

Laudato Si’ é o reflexo dessa sinergia com um universo não necessariamente cristão, católico ou religioso. O texto do papa Francisco trouxe para o mundo teológico os mais recentes achados da ciência ao clamar por mudanças no estilo de vida ocidental de um modo diferente. Ele tem lembrado que a humanidade é uma grande fraternidade que depende da mãe natureza para se perpetuar como espécie e como civilização. E que não devemos deixar em segundo plano o valor das relações entre as pessoas. Ele movimenta a juventude. E traz esperanças.

Em junho, o bispo de Roma falou com veemência sobre a poluição plástica, reforçando a mensagem da Assembleia Geral das Nações Unidas para o 51o Dia Mundial do Meio Ambiente, potencializando o engajamento de pessoas e governos sobre o Decênio das Nações Unidas pela Restauração dos Ecossistemas. Dias antes, Francisco havia pregado contra o catastrofismo habitual sobre o fim do planeta. Realizada entre 21 e 28 de maio, a Semana Laudato Si' recebeu o lema "Esperança para a Terra - Esperança para a humanidade". Com quatro eventos globais e um site com recursos digitais para apoiar reuniões temáticas e projetos em todo o mundo, o movimento inter-religioso internacional celebrou o oitavo ano da carta socioecológica. Cabe destacar duas importantes iniciativas.

A primeira foi a parceria científico-eclesial entre o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral e o Stockholm Environment Institute, da Suécia, realizada através da Embaixada da Suécia junto à Santa Sé. Dessa parceria com os renomados climatologistas do instituto saiu a publicação de "Nossa Casa Comum - Um guia para cuidar do nosso planeta". A brochura resume os diálogos entre teologia e ciência sobre as novas relações entre o homem e a natureza, e os paralelos entre as feridas espirituais humanas e aquelas causadas ao meio ambiente.

O guia envolveu o cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral; Ulf Hansson, diretor do Instituto Sueco de Estudos Clássicos em Roma; Andrés Jato, embaixador da Suécia junto à Santa Sé; Mans Nilsson, diretor-executivo do Instituto Ambiental de Estocolmo; e Tomás Insua, presidente do Movimento Laudato Si'. A publicação ilustrada relaciona as mudanças climáticas, a biodiversidade e o uso sustentável dos recursos com as mensagens da encíclica de Francisco, em uma grande concertação para pavimentar a ponte entre sociedade civil, religião e ciência.

A segunda foi a exibição mundial do filme "A Carta - Uma mensagem para a nossa Terra", longa-metragem sobre quatro lideranças climáticas em viagem a Roma para discutir com o papa o poder da humanidade em deter a crise ecológica. Os protagonistas do documentário são um indígena da Amazônia, um refugiado do Senegal, uma jovem ativista indiana e dois cientistas estadunidenses. Lançado no Vaticano em 4 de outubro do ano passado, dia de são Francisco, o filme foi disponibilizado no site do Movimento Laudato Si’, que reúne milhares de pessoas e mais de 400 organizações cristãs. O objetivo final desse grande movimento é rumo a 2025, com um encontro global em Assis, na Itália, para celebrar os 800 anos do Cântico das Criaturas de São Francisco e os dez anos da encíclica.

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