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Frederico Mendes Júnior

Nada muda no impedimento dos juízes para julgar causas de parentes

Decisão do Supremo reafirma a independência judicial

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Frederico Mendes Júnior

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

A formação da maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade do inciso VIII do artigo 144 do Código de Processo Civil (CPC), diferentemente do que reverberou em parte do debate público, não equivale à autorização para que os magistrados julguem causas em que atuam escritórios de seus parentes. Tal vedação, inscrita no inciso III e no parágrafo 3º do mesmo artigo, continuará válida e nem sequer foi questionada na ADI 5953, apresentada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

O que os ministros assentaram foi a inconstitucionalidade do dispositivo que expande a proibição aos casos em que a parte é cliente de um parente do juiz em outros processos na Justiça —e não naquele que está sob o exame do magistrado. Trata-se de uma obrigação impossível, pois o julgador não pode exigir do cidadão que, ao peticionar, forneça a lista completa de todos os seus advogados. Tampouco qualquer advogado pode ser impelido a compartilhar com o juiz os nomes de todos os seus contratantes, a despeito de eventuais laços sanguíneos ou de consideração.

Fachada do STF, em Brasília, sob nuvens - Gabriela Biló - 3.mai.2022/Folhapress - Folhapress

A diferenciação é absolutamente clara na legislação. O artigo 144 do CPC elenca as hipóteses de impedimento do magistrado para exercer suas funções no processo judicial. O inciso III —que não foi objeto de impugnação— impõe a interdição "quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive".

Já o parágrafo 3º avança nessa compreensão ao pontificar que "o impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo".

Tanto o inciso III quanto o parágrafo 3º da lei —que, em suma, impedem juízes de julgar causas de escritórios de parentes, inclusive nas situações em que estes não estejam envolvidos na demanda— são compatíveis com a Constituição e seguirão em vigor. A inconstitucionalidade reconhecida pela corte é tão somente a do inciso VIII, que estende o impedimento do magistrado ao processo em que o cliente de um parente é "patrocinado por advogado de outro escritório".


E o motivo é muito simples: o juiz não tem como saber que a parte, em outros processos, contratou os serviços do escritório de um primo, de um tio ou de um cunhado. A norma constitui um exemplo de obrigação impossível, dada a sua inexequibilidade na prática, que deixa os magistrados em uma posição de dependência de informações de terceiros —as quais, por razões de confidencialidade, não podem ser fornecidas.

Ao estabelecer a separação entre os Poderes, a Constituição consagrou a autonomia necessária para a promoção de julgamentos isentos e imparciais, com respeito ao devido processo legal e à ampla defesa.

Mais do que uma prerrogativa da magistratura, a independência judicial é uma garantia da cidadania, reafirmada na decisão do STF. Com a eliminação do arcabouço jurídico nacional de uma regra inócua —porque não passível de execução—, a corte apenas fortaleceu o Estado de Direito e a efetividade da prestação jurisdicional.

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