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Ricardo Viveiros

Quantidade ou qualidade?

São incertos os efeitos de possível mudança nas bancadas dos Parlamentos

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Ricardo Viveiros

Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto)

Houve um tempo na história política brasileira em que a disputa pelo poder acontecia entre "adversários", não "inimigos". Havia emoção nos embates pelo voto, mas ódio era pontual. Os candidatos e os seus correligionários determinavam cores, animais, caricaturas, logotipos para identificar quem estava do seu lado.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, quando da disputa entre maragatos e chimangos na Revolução de 1923, os primeiros usavam lenços vermelhos; os outros, brancos. E quem era neutro exibia um lenço "carijó", um quadriculado miúdo preto e branco. E a rivalidade no domínio político, como até hoje, envolvia questões sociais e econômicas.

Deputados federais no plenário, em Brasília; novos dados do Censo 2022 podem alterar a representação dos estados na Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

A polarização entre direita e esquerda é antiga. Tem origem na Revolução Francesa, em 1789, com o conflito entre média e alta burguesia e os trabalhadores urbanos e rurais. Havia três forças políticas: nobreza, igreja e povo. Contra o absolutismo do Estado, foi imposta uma Assembleia Constituinte pretendendo nova Constituição, mais justa, para o país.

Girondinos, os moderados representantes da nobreza e do clero, posicionaram-se no lado direito do local de votação. No esquerdo, ficaram os arrebatados jacobinos, que defendiam interesses do povo. Surgiram aí, no confronto ideológico entre o conservadorismo e o progressismo, as denominações "direita" e "esquerda". A rigor, iniciativas em prol dos mais carentes já existiam desde Jesus Cristo. O que não significa que tenha sido socialista, muito menos comunista. Dom Hélder Câmara disse: "Dou pão aos pobres, e todos me chamam de santo. Mas, quando mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo".

Ser conservador de coisas boas é qualidade, mas não evoluir em busca de conquistas progressistas é defeito. As transformações, quando baseadas no iluminismo, disseminador do conhecimento científico, são necessárias para que a sociedade avance em respeito, paz e justiça social. O radicalismo, seja de que lado for, não constrói. A cultura do ódio gera violência; a mentira fragiliza a democracia; a troca de ofensas impede a reflexão —tudo isso atrasa o legítimo desenvolvimento.

O último Censo Demográfico (2022), divulgado pelo IBGE, trouxe resultados que surpreenderam. Muito além de um suposto encolhimento da população, constatou-se que o crescimento aconteceu no interior, não nas capitais. Isso tem influência direta na questão política, porque haverá mudança na representatividade parlamentar. A proporcionalidade nas Casas legislativas será respeitada em relação ao número real de habitantes dos municípios e estados? Caso aconteçam mudanças, porque nos Censos anteriores foram ignoradas, terão influência na divisão ideológica? Crescerá a direita ou a esquerda? Como ficará o centro?

O bolsonarismo tirou do armário direitistas que não tinham coragem de assumir tal condição. Trouxe para os três níveis dos poderes públicos —municipal, estadual e federal— parlamentares e executivos moderados e radicais. Apareceram defensores de ideias não apenas conservadoras, mas que flertam, quando não se casam, com princípios reacionários. Na disputa entre "verde-amarelo" e vermelho, agressiva e causando até mortes, fica de fora o principal: a escolha responsável de vereadores, deputados estaduais e federais e senadores. É privilegiada a escolha para cargos majoritários do Executivo, em detrimento da indispensável análise dos candidatos aos Parlamentos. São eles que, ao fim e ao cabo, decidem o que os governantes podem ou não fazer.

A imagem desacreditada dos políticos avança, em especial na juventude. Desesperança é o pior que pode acontecer a um país. Quando Jânio Quadros disputou a Presidência da República contra o marechal Henrique Lott, os símbolos eram a vassoura, de Jânio, e a espada, de Lott. Ambos prometiam lutar contra a corrupção. Fernando Collor "caçava marajás". Jair Bolsonaro prometeu "nova política". Mais do que símbolos e slogans, precisamos de respeito à sociedade, governantes e parlamentares que sejam éticos, capazes e realizadores pelo bem comum. Com projetos de Estado e de longo prazo, não de marketing pessoal para cada quatro anos.

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