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VÁRIAS AUTORAS

Minirreforma eleitoral: o que está em jogo?

Manobra interdita debate público e fragiliza condições de participação social

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VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)

Desde a Constituinte, o país vivenciou sucessivas minirreformas eleitorais com o intuito de promover melhorias nos dispositivos legais e responder às questões em voga em cada período. As movimentações mais recentes endereçaram questões importantes, como a proibição do financiamento de campanhas por empresas privadas, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), a definição de regras para divulgação de pesquisas eleitorais e penalidades para fake news e caixa dois, que passaram a ser enquadrados como crimes.

No último dia 13 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base de uma nova minirreforma que passará a valer para as eleições municipais de 2024. O grupo de trabalho responsável pela proposta tinha assumido o compromisso de atuar pela simplificação das legislações eleitorais sem propor grandes mudanças estruturais.

Plenário está em parte vazio, com alguns deputados conversando em pé
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão que aprovou a minirreforma eleitoral - Zeca Ribeiro/Divulgação Câmara dos Deputados


Entretanto, assuntos importantes estão em jogo, tais como redução do tempo de inelegibilidade, flexibilização da punição sobre irregularidades partidárias, antecipação dos prazos de registro de candidatura e simplificação da prestação de contas, além da definição de que cotas de gênero deverão ser cumpridas pela Federação como um todo e não por partidos individuais.

Em termos de representatividade, o grupo de trabalho da minirreforma eleitoral foi formado por sete deputados federais, dentre os quais figura apenas uma mulher —designada para a função de coordenadora—, além de dois homens negros e quatro homens brancos. Essa composição é mais um reflexo perverso das desigualdades históricas de gênero e raça que marcam o Legislativo brasileiro.

O tempo total para a realização de reuniões internas, audiências públicas e a apreciação do relatório final foi de apenas uma semana. Sob o argumento de que o projeto precisava se tornar lei até o dia 6 de outubro para atender ao princípio da anualidade eleitoral, nota-se uma lamentável manobra para interditar o debate público e deixar de lado as condições mínimas de participação social em temas tão caros para a democracia brasileira.


Em decisões recentes, a Justiça determinou que os recursos do FEFC e o tempo de propaganda eleitoral gratuita em rádio e televisão fossem distribuídos de forma proporcional à parcela de mulheres candidatas registradas nas listas de cada partido, considerando o patamar mínimo de 30%. Mais tarde, essa proporcionalidade passou a valer também para as candidaturas negras e indígenas. Tais conquistas são fruto da luta permanente de maiorias sociais brasileiras pelo direito a ter voz pública e a participar das decisões políticas que afetam suas vidas.

Diante dessa correlação de forças, barrar retrocessos está na ordem do dia. O mesmo Congresso que está definindo as novas regras do código eleitoral legisla em causa própria, explicitamente e sem nenhum constrangimento, por meio da PEC 9/2023, perdoando as irregularidades cometidas por partidos políticos, aprovando anistias consecutivas pelo descumprimento das cotas raciais e de gênero e propondo redução de verba para candidatos negros nas campanhas eleitorais. Na prática, a reversão dessa conquista estimula as agremiações a seguirem priorizando as candidaturas majoritárias, que já concentram mais privilégios na corrida eleitoral.


Na ausência de tempo para o debate público, sobram motivos para reforçar princípios que deveriam prezar pela transparência, ampla representatividade, enfrentamento das desigualdades de gênero e raça e enfoque nos pilares estruturantes do Estado democrático de Direito.

Se for para sugerir alterações nas atuais regras de financiamento de campanhas, que as propostas sejam colocadas no sentido de contribuir para que corrupção e desigualdades de acesso ao poder deixem de ser um traço marcante e vergonhoso da política brasileira. A sociedade civil está atenta para cobrar coerência, responsabilidade e respeito à população.

Michelle Ferreti
Marina Barros
Cíntia Melchiori
Tauá Pires

Integrantes do Instituto Alziras, organização da sociedade civil que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres, em sua diversidade, na política e na gestão pública

TENDÊNCIAS / DEBATES
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