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Betty Milan

Rosa Weber na trilha de Simone Veil

Posição de magistrada sobre aborto evoca célebre ministra francesa da Saúde

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Betty Milan

Escritora e psicanalista, é autora de “O Papagaio e o Doutor” e “Baal”; membro da Academia Paulista de Letras

O primeiro lugar é o da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi nessa posição que ela entrou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1967) e concluiu o curso (1971). Também é a primeira magistrada de carreira empossada na Suprema Corte. Foi a relatora da ação apresentada em 2017 pela liberação do aborto até 12 semanas de gestação. Aposenta-se em outubro, mas pretende garantir a descriminalização do mesmo antes disso. A pauta é prioritária para as mulheres do Brasil, onde o aborto só é autorizado em caso de estupro, risco de morte para a mãe ou anencefalia.

A legislação precisa ser mudada porque é a saúde das mulheres que está em jogo. Sobretudo das mais pobres. Quando a contracepção falha, e ela não pode ou não deseja ter o filho, se vale de uma sonda e faz o aborto em casa, correndo o risco de ficar estéril ou até mesmo morrer. Para as mulheres da classe média existem as holdings que, visando o lucro fácil, administram centros cirúrgicos, onde o preço do aborto varia em função da idade da paciente e do tempo de gestação. São verdadeiros açougues, onde a interrupção da gravidez é praticada sem higiene e sem assepsia por cirurgião sem diploma.

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A ministra Rosa Weber preside sessão do STF, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress) - Folhapress

Até quando as brasileiras vão correr riscos para não pôr no mundo um filho impossível? Noutras palavras, por serem responsáveis em relação a si mesmas e à sociedade? As mulheres têm o poder de engendrar, mas nada as obriga a tanto.

A interrupção voluntária da gestação, aprovada há quase meio século na França, é imperativa no Brasil. Como não legalizar o aborto num país onde tantas mulheres não têm como educar os filhos e precisam abandoná-los, expondo-os à delinquência?

Simone Veil, ministra da Saúde, discursa sobre a lei do aborto no Parlamento francês, em Paris, em novembro de 1974 - AFP - AFP

Vale lembrar como Simone Veil (1927-2017), ministra da Saúde francesa do governo Valéry Giscard d’Estaing, procedeu em 1974. Começou o seu discurso histórico dizendo aos membros da assembleia que não falaria enquanto parlamentar, mas como mulher. Acrescentou que faria isso com um profundo sentimento de humildade diante da complexidade do problema, porém com a certeza da importância de uma mudança na legislação. O poder público, disse ela, não pode negligenciar a sua responsabilidade, mantendo o status quo. Ninguém ignora que não há como impedir o aborto clandestino nem como punir todas as mulheres que o praticam.

Quem alega que o embrião é portador de todas as virtualidades do ser humano e, por isso, não pode ser eliminado, não leva em conta que ele é apenas uma promessa de ser humano —boa parte das concepções se interrompe espontaneamente nas primeiras semanas de gestação. Por que privilegiar o embrião, em detrimento da mulher que o concebeu, quando a gravidez indesejada pode ser tão nefasta para ela quanto para a sociedade? A apologia da vida, nesse caso, é contrária aos vivos.

Sobrevivente do Holocausto, Simone Veil hoje repousa no Panteão pela luta na qual se engajou depois de ter escapado dos campos da morte. A luta dessa francesa ilustre é a de Rosa Weber, que foi laureada na juventude e precisa ser apoiada por todos nós.

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