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Descriminalização do aborto deve ser decidida em plebiscito

Mais importante que o resultado, será o choque entre pontos de vista tão distintos

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Geovane Ferreira Gomes

Professor do curso de ciências sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Qualquer que seja a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da descriminalização do aborto realizado por mulheres que estejam com até 12 semanas de gestação, alterando a lei que prevê esse procedimento apenas em casos de estupro, anencefalia do feto ou risco de morte da gestante, será problemática, pois estará alicerçada na vontade de um grupo de indivíduos que não representam a vontade da sociedade brasileira, pelo fato de não constituírem uma amostra adequada dessa população.

Conceitos como vida, liberdade e igualdade, valores de foro íntimo, e até a confiança na ciência estarão em disputa. Discussões estimuladas por ampla disputa midiática e política que escondem interesses diversos podem influenciar o voto dos ministros.

Uma questão tão importante, decidida por uma instância distanciada do envolvimento da população que sofrerá as consequências dessa decisão, traz ao menos dois problemas.

Ato pela descriminalização do aborto na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos - 28.set.2023/Folhapress

O primeiro é que a discussão pautada pelo STF oculta que muito do drama que passa a mulher que precisa abortar legalmente decorre da dificuldade de acesso a algo previsto em lei, incluindo situações barradas pelo próprio Judiciário, como o caso amplamente noticiado de uma jovem de 11 anos que teve seu aborto negado por ordem judicial.

O segundo é que, facilitar o aborto, que é o que na prática a mudança na lei estimulará, sem promover a formação de uma consciência crítica entre moças e rapazes a respeito de educação sexual e métodos de contracepção, pode transformar meninas em eternas grávidas, num ciclo prolongado de gestação e aborto, e cada vez mais sujeitas a se tornarem vetores de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a Aids.

Uma decisão vinda do STF é insuficiente para resolver o problema e esse tema não pode ser pautado pelo Judiciário. Dado o descaso do Legislativo com questões tão caras aos brasileiros, esse assunto deveria ser decidido por plebiscito, com amplo espaço de debate e divulgação de informações para a sociedade.

A questão não é a mera definição se 12 semanas são suficientes para determinar se há vida ou não no corpo em gestação, mas também a forma de acesso à estrutura social de saúde para impedir que decisões monocráticas passem por cima da lei e impeçam o aborto legal, a maneira como o tema deva ser tratado na educação básica para proteger meninas e meninos —afinal, já passou o tempo de acordarmos a respeito de como a educação sexual deve ser tratada no ensino fundamental— e a forma como o sistema de saúde se preparará para isso, entre tantos outros pontos decorrentes dessa decisão.

Isso só será adequadamente decidido e planejado se for muito discutido pela sociedade, e é a isso que se presta um plebiscito. Como instrumento de participação democrática, deve ser usado sempre diante de temas altamente controversos, como é a questão do aborto. Mais importante que o resultado, será o choque entre pontos de vista tão distintos, vindos de instituições tão diversas. Talvez, da discussão, saia um necessário consenso sobre o tema.


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