Após atravessar canaviais e um sem-fim de usinas de álcool e açúcar, cheguei a Rio Tinto, um território potiguara na Paraíba. Encontrei estudantes acampados, vendedores de artesanato e uma mansão que pertencia à família Lundgren. No chão de terra batida, banheiros químicos e um palco para abrigar a décima edição do Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (Enei).
Participei do evento em busca de respostas para uma pergunta que me inquieta: por que temos tão poucos professores indígenas nas universidades brasileiras?
A resposta é a mais óbvia: vivemos num país com um projeto claro de exclusão histórica de negros e indígenas dos espaços formais de produção de conhecimento. "Não sei por que isso te surpreende. Vivemos num país racista", me disse a filósofa Sueli Carneiro há pouco tempo.
E como esse racismo se expressa quando tratamos das "barreiras formais científicas e ideológicas para pesquisadores indígenas no âmbito acadêmico"? Era esse o título de um dos painéis do evento.
"Luta" foi a palavra mais citada. Luta para entrar na universidade. Luta para permanecer na universidade. Luta para ter suas ideias acolhidas.
Entraves não faltam: ausência de bolsas e recursos para projetos, ouvidos moucos para suas ideias, obstáculos para desenvolver as pesquisas propostas por eles, que são vistos como objeto de pesquisa e não como pesquisadores. Pasmem: os indígenas conquistaram o direito a bolsas de permanência nas universidades há apenas dez anos!
Ouvi frases que, repetidas em sequência, escancaram as feridas: "Os professores não querem nos orientar pois não reconhecem que trazemos novos saberes"; "Parte do corpo docente nos enxerga como coitadinhos"; "A universidade é uma máquina de colonizar: entra índio e sai branco"; "Não queremos mais branco escrevendo sobre a gente, nem ser meros coletores de sementes e ter o nome apenas nos agradecimentos dos artigos científicos".
Infiltrar as universidades, "ainda que isso represente um sacrifício pessoal", é o que deve ser feito. "Quem chega abre espaço para outros." As universidades, por sua vez, devem se tornar receptivas para o conhecimento indígena oral, coletivo, produzido em conexão direta com a natureza.
No evento, levantou-se a possibilidade de indígenas coordenarem projetos de pesquisa em parcerias com universidades. Para evitar a fragmentação do conhecimento indígena, a saída seria eles próprios co-orientarem dissertações e teses.
Para além de criar espaços de valorização do conhecimento indígena, vai ser preciso "reflorestar a mente da sociedade brasileira". Quem sabe assim os indígenas passarão a ser vistos como protagonistas na produção de conhecimento.
Nos próximos dias, os organizadores do Enei lançarão um documento com reflexões e recomendações: é uma oportunidade de ouro para que o poder público, academia e sociedade entendam melhor como indigenizar as universidades. Vamos ficar de olho.
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