Em meio a mortes, prejuízos e milhões de pessoas sem energia elétrica após os recentes temporais em São Paulo, é possível enxergar uma conscientização sobre a importância de enterrar a fiação aérea.
Antes tratada como questão menor, estética, a fiação subterrânea é fundamental no ambiente urbano.
Não apenas deixa o espaço público muito mais agradável como libera calçadas e aumenta a segurança de todos —desde crianças que têm a vida em risco ao empinar pipa perto da fiação aérea até possíveis afetados pela queda de um poste, além da proteção que oferece à rede elétrica, que assim se torna mais estável.
Até meados do século passado, nossas cidades buscavam seguir o padrão de metrópoles de países desenvolvidos: não há cabos nas imagens antigas da avenida central, no Rio, ou da avenida São João, em São Paulo, o que segue valendo em boa parte das áreas centrais urbanizadas anteriormente. Porém, a partir de um crescimento populacional alucinante —na década de 1950 a capital paulista era conhecida como a que mais crescia no mundo—, os custos e a velocidade necessários para dar conta de tanta urbanização naturalizaram a fiação aérea no Brasil.
Hoje, com a população urbana estabilizada, não somente é hora de exigirmos que qualquer nova urbanização apresente fiação subterrânea como também urge corrigirmos o que foi malfeito.
Até aqui não há maiores discordâncias. Só que essa adequação exige investimentos bilionários. Neste ponto, foi positiva a sugestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), de instituir uma contribuição de melhoria para acelerar o enterramento dos cabos. Esse tributo tem finalidade específica de financiar obra pública que resulte em valorização imobiliária, ou seja, sua cobrança é exclusiva aos contribuintes que vivem nas ruas diretamente impactadas. Como é vinculado, não iria para "o saco sem fundo dos cofres públicos", sendo destinado à região em que a comunidade demandasse pela obra, que viria a ser realizada como consequência. Mesmo desafiadora juridicamente, há ainda a possibilidade de ser voluntária.
Seu entendimento é complexo, e com o populismo cada vez mais dominante na política nacional, sua deturpação e instrumentalização no debate público como "nova taxa" pode tornar seu custo eleitoral inviável.
Precisarmos escapar dessa armadilha e esclarecer que os recursos são escassos e que, se não for assim, em meio a tantas outras urgências e verbas "carimbadas", seguiremos enterrando a fiação em escala irrisória: nem sequer 52 km de fios enterrados previstos em 2017 foram concluídos, diante dos cerca de 20 mil km da rede suspensa na capital paulista. Não importa o quanto prefeitura e concessionária invistam: o aporte será muito maior se houver possibilidade de tributação privada extra.
Se há preocupação com eventual desigualdade territorial que a medida traria, ela já existe: a fiação hoje é subterrânea no centro, em Higienópolis, na avenida Paulista, na rua Oscar Freire, na Vila Olímpia etc. Majoritariamente com dinheiro público. A mudança com a contribuição será a de multiplicar o ritmo da transformação, disciplinando seu financiamento pelos privados interessados, poupando assim verba pública para o aterramento em locais mais carentes.
Caso contrário, seguiremos naturalizando postes e tratando árvores como inimigas, tendo a fiação suspensa roubada com mais facilidade, fios clandestinos, ruas emporcalhadas pelo excesso de cabos e sofrendo com apagões em um clima cada vez mais instável e imprevisível. Podemos fingir que é possível enterrar o sistema sem cobrança específica, mas todas as escolhas têm custos —e acabamos de ter uma amostra das consequências de deixar tudo como está.
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