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Luiza Erundina

Falta energia para cuidar dos paulistanos

Ganância, imediatismo, negligência e zelo mínimo com a cidade saltam aos olhos

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Luiza Erundina

Cidadã de 88 anos impactada pelo caos elétrico, é deputada federal (PSOL) e ex-prefeita de São Paulo (1989-92)

No último dia 3, em meio ao feriado de Finados, a cidade de São Paulo foi atingida por fortes chuvas, com rajadas de vento de até 100 km/h, que deixaram 2,1 milhões de residências e estabelecimentos sem energia elétrica. Como consequência, cerca de 6 milhões de pessoas foram prejudicadas de diversas formas. Os eventos climáticos extremos, contudo, não são a razão principal para que milhares de residências estivessem sem luz até quarta-feira (8). O apagão é resultado de uma gestão sem energia, marcada pela falta de cuidado com a cidade.

São Paulo, nossa casa comum, sofre com a negligência das gestões municipal e estadual, além da desconsideração das concessionárias, em especial a Enel. Ganância, imediatismo e desprezo por cuidados mínimos com a cidade e seu povo saltam aos olhos: escolas, equipamentos de saúde e de assistência social descuidados; pessoas abandonadas (em suas residências e nas ruas); insegurança; sujeira; descuido com a poda de árvores e o cipoal de fios formando uma maçaroca entre os postes de iluminação pública. Faltam cuidado e respeito com as pessoas. Por isso, em todos os sentidos, São Paulo virou uma cidade prejudicada por uma gestão sem energia para cuidar do povo, sem qualquer sinal de competência.

Temporal que atingiu São Paulo no dia 3 de novembro causou quedas de árvores e estragos na rede de distribuição de energia elétrica - Ato Press/Agência O Globo - Ato Press/Agência O Globo

A desfaçatez é tamanha que, dias após grande parte da cidade seguir às escuras, a única solução apresentada pelo triunvirato do caos elétrico —o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a empresa Enel— foi a criação de uma taxa para que os contribuintes financiassem o enterramento da fiação elétrica.

Nunes usou a expressão "contribuição de melhoria" —um eufemismo para taxa. Sobre o fato de a Enel ter cortado 35% de seus funcionários diretos desde 2019, nenhuma palavra proferida. Sobre a ausência de fiscalização à concessão, absoluto silêncio.

Há uma lei municipal (17.501/2020) que estabelece normas para a organização da rede de fios entre os 750 mil postes da cidade. No entanto, até o momento, a atual gestão protela a sua implementação. Essa tem que ser uma medida imediata, muito mais ágil, barata e eficaz que o enterramento da fiação —imprescindível, mas custoso e lento.

A verdade é que o caos entre os postes é uma metáfora da gestão da cidade: desmazelo da fiação, pendurada ao alcance das mãos; transformadores sem manutenção, reformados em gambiarras e explodindo sob a chuva e o vento; chaves de luz e cruzetas malcuidadas.

E tudo isso é agravado com a cumplicidade submissa da administração municipal à Enel: ao longo de 2022, a prefeitura emitiu apenas 92 multas por conta da péssima manutenção da rede elétrica, num total de R$ 94 mil. Certamente houve estabelecimentos comerciais que tiveram prejuízo maior que isso só por conta deste último apagão.

Agora, a prefeitura anuncia investimentos bilionários em poda e cuidado com a arborização urbana. Correto. Contudo, por que não fez antes? O desleixo também é marca da Enel, que descumpre compromissos básicos preventivos e opta pela terceirização da manutenção, resultando em trabalhadores mal pagos e com atrasos em benefícios, segundo denúncias do sindicato dos eletricitários. Como consequência, há alta rotatividade de mão de obra —e disso resulta perda de memória técnica, problema evidente durante o apagão. E não foi por falta de aviso: a tempestade foi prevista pelos serviços de meteorologia, e os riscos decorrentes dessas previsões foram alertados pelos próprios trabalhadores.

O Brasil tem uma das mais elevadas tarifas de energia elétrica do mundo. Desde a privatização há abuso no preço, e a única solução que o triunvirato do caos elétrico apresentou em meio ao apagão foi a cínica criação de nova taxa —que, como assumiu Ricardo Nunes, foi ideia da Enel.

São Paulo e seu povo merecem respeito, cuidado e uma gestão com competência e energia.

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