No último dia 3, em meio ao feriado de Finados, a cidade de São Paulo foi atingida por fortes chuvas, com rajadas de vento de até 100 km/h, que deixaram 2,1 milhões de residências e estabelecimentos sem energia elétrica. Como consequência, cerca de 6 milhões de pessoas foram prejudicadas de diversas formas. Os eventos climáticos extremos, contudo, não são a razão principal para que milhares de residências estivessem sem luz até quarta-feira (8). O apagão é resultado de uma gestão sem energia, marcada pela falta de cuidado com a cidade.
São Paulo, nossa casa comum, sofre com a negligência das gestões municipal e estadual, além da desconsideração das concessionárias, em especial a Enel. Ganância, imediatismo e desprezo por cuidados mínimos com a cidade e seu povo saltam aos olhos: escolas, equipamentos de saúde e de assistência social descuidados; pessoas abandonadas (em suas residências e nas ruas); insegurança; sujeira; descuido com a poda de árvores e o cipoal de fios formando uma maçaroca entre os postes de iluminação pública. Faltam cuidado e respeito com as pessoas. Por isso, em todos os sentidos, São Paulo virou uma cidade prejudicada por uma gestão sem energia para cuidar do povo, sem qualquer sinal de competência.
A desfaçatez é tamanha que, dias após grande parte da cidade seguir às escuras, a única solução apresentada pelo triunvirato do caos elétrico —o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a empresa Enel— foi a criação de uma taxa para que os contribuintes financiassem o enterramento da fiação elétrica.
Nunes usou a expressão "contribuição de melhoria" —um eufemismo para taxa. Sobre o fato de a Enel ter cortado 35% de seus funcionários diretos desde 2019, nenhuma palavra proferida. Sobre a ausência de fiscalização à concessão, absoluto silêncio.
Há uma lei municipal (17.501/2020) que estabelece normas para a organização da rede de fios entre os 750 mil postes da cidade. No entanto, até o momento, a atual gestão protela a sua implementação. Essa tem que ser uma medida imediata, muito mais ágil, barata e eficaz que o enterramento da fiação —imprescindível, mas custoso e lento.
A verdade é que o caos entre os postes é uma metáfora da gestão da cidade: desmazelo da fiação, pendurada ao alcance das mãos; transformadores sem manutenção, reformados em gambiarras e explodindo sob a chuva e o vento; chaves de luz e cruzetas malcuidadas.
E tudo isso é agravado com a cumplicidade submissa da administração municipal à Enel: ao longo de 2022, a prefeitura emitiu apenas 92 multas por conta da péssima manutenção da rede elétrica, num total de R$ 94 mil. Certamente houve estabelecimentos comerciais que tiveram prejuízo maior que isso só por conta deste último apagão.
Agora, a prefeitura anuncia investimentos bilionários em poda e cuidado com a arborização urbana. Correto. Contudo, por que não fez antes? O desleixo também é marca da Enel, que descumpre compromissos básicos preventivos e opta pela terceirização da manutenção, resultando em trabalhadores mal pagos e com atrasos em benefícios, segundo denúncias do sindicato dos eletricitários. Como consequência, há alta rotatividade de mão de obra —e disso resulta perda de memória técnica, problema evidente durante o apagão. E não foi por falta de aviso: a tempestade foi prevista pelos serviços de meteorologia, e os riscos decorrentes dessas previsões foram alertados pelos próprios trabalhadores.
O Brasil tem uma das mais elevadas tarifas de energia elétrica do mundo. Desde a privatização há abuso no preço, e a única solução que o triunvirato do caos elétrico apresentou em meio ao apagão foi a cínica criação de nova taxa —que, como assumiu Ricardo Nunes, foi ideia da Enel.
São Paulo e seu povo merecem respeito, cuidado e uma gestão com competência e energia.
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