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José Eduardo Cardozo

Entre o gramado e os tribunais

Afastamento do presidente da CBF desagrada o Ministério Público e dita reflexões

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José Eduardo Cardozo

Advogado da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), é professor de direito, ex-ministro da Justiça (2011-2016, governo Dilma) e ex-advogado-geral da União (2016)

A recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que resultou no afastamento do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, e a insatisfação do Ministério Público com a sentença, que levou o órgão a pedir a suspensão dos seus efeitos no Superior Tribunal de Justiça na última quarta-feira (20), faz com que se perceba que essa discussão ultrapassa, em muito, os limites de uma mera disputa política privada travada entre dirigentes do mundo do futebol.

Além de arranhar profundamente e de forma irremediável a figuração institucional do Ministério Público brasileiro, o que foi decidido pelo Judiciário carioca poderá produzir efeitos nefastos em uma atividade esportiva que é do interesse de toda a sociedade brasileira. É o que reconhece a Lei Geral do Esporte (lei 14.597 de 2023).

O presidente afastado da CBF, Ednaldo Rodrigues - Fernando Diniz - 5.jul.2023/Folhapress

Ignorando a autonomia organizativa da CBF, igualmente reconhecida em todo o mundo para entidades equivalentes, essa decisão jurisdicional declarou —e, espantosamente trilhou caminho oposto ao de toda a doutrina e jurisprudência brasileira— que o MP não teria legitimidade para celebrar um Termo de Ajuste de Conduta para salvaguardar interesses difusos de consumidores na área esportiva. Reconhecendo que o Estado não poderia intervir no âmbito interno de uma entidade privada, paradoxalmente, determinou, sem pedido de quem quer que seja e ao arrepio do estatuto, o afastamento do presidente da entidade que dirige o futebol brasileiro, designando como interventor o presidente do Superior Tribunal de Justiça Esportiva que, por lei, está impedido de exercer essa função.

Diante disso, ninguém pode ter quaisquer dúvidas de que a Constituição e a legislação brasileiras foram, no caso, indiscutivelmente, desrespeitadas. Mas, além disso, tanto a Fifa como a Conmebol, diante dessa clamorosa ofensa ao direito de auto-organização da CBF, afirmaram que poderão tomar sanções graves contra o futebol brasileiro, caso esse estado de coisas não seja revertido.

A situação é gravíssima. Apercebendo-se disso, diferentes partidos políticos que têm assento no Congresso Nacional começaram a se movimentar para propor ações judiciais destinadas a suspender os efeitos e as consequências maléficas que certamente advirão dessa decisão do TJ-RJ. Tudo indica, ainda, que, além do MP-RJ, outras entidades que representam os membros do Ministério Público de todo o país erguerão as suas vozes e tomarão as medidas judiciais e processuais cabíveis para a defesa das suas competências constitucionalmente estabelecidas.

Nenhuma disputa política entre dirigentes pode fazer com que o futebol e o Estado de Direito em nosso país sejam atingidos. Por isso, confiando, como sempre confiamos na Justiça brasileira, acreditamos que essa decisão do TJ-RJ, de uma teratologia sem par, acabará sendo revertida. A Constituição, a nossa legislação e o bom direito estão indicando claramente que esse é o único caminho que pode ser seguido.

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