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Pierpaolo Cruz Bottini

A proteção racional do meio ambiente

Urge seguir o caminho dos bens da floresta até a inserção na economia formal

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Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado e professor de direito penal da USP

A proteção ao meio ambiente é um dos temas mais debatidos no Brasil nos últimos tempos. De 2019 a 2022 foram desmatados 6,6 milhões de hectares no país, algo próximo a uma vez e meia o estado do Rio de Janeiro. Pecuária e garimpo ilegais, somados ao comércio ilícito de madeira, são obstáculos à preservação de florestas, da cultura indígena e do patrimônio natural do Brasil.

O enfrentamento dessas práticas deve ir além de políticas para aumentar o efetivo policial na região e vigiar as áreas afetadas. Por mais agentes, postos e satélites que se usem, é inviável fiscalizar cada pedaço do imenso território nacional em busca de queimadas e uso ilegal da terra.

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Toras de madeira nativa apreendidas durante a Operação Handroanthus GLO, da Polícia Federal, no oeste do Pará - Polícia Federal/Divulgação - Polícia Federal/Divulgação

É preciso pensar em alternativas, e uma delas é seguir o caminho dos bens extraídos ou produzidos na floresta até sua incorporação na economia formal. Segundo o Instituto Igarapé, os crimes ambientais são a terceira economia ilícita mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o contrabando, gerando entre US$ 110 e 281 bilhões de lucro anualmente. A mineração ilegal de ouro e diamantes está estimada entre US$ 12 e 48 bilhões por ano.

Esse dinheiro não é pago nas matas. Madeira, gado e ouro são transportados para centros comerciais, onde são comprados e vendidos com dinheiro sacado e depositado em contas bancárias, e incorporados à economia, ocultando sua origem ilegal por diferentes disfarces. Esse processo de lavagem do produto do crime ambiental deve ser o foco de atenção para o combate ao delito em questão. Para além de motosserras e queimadas, as licenças fraudadas, as declarações falsas sobre origem de produtos, a corrupção nos postos de fiscalização e o uso de contas bancárias de laranjas para o recebimento do dinheiro ilegal são os ingredientes para o crescimento do bolo do ilícito ambiental.

O trabalho de contenção do crime ambiental deve se dar na porta de entrada de seus produtos na economia, nas casas de certificação de ouro, frigoríficos e madeireiras, nas instituições onde os pagamentos são feitos, como bancos e agências de câmbio ou de criptomoedas, e nas portas de saída das mercadorias para o destino último, no exterior, em especial nos portos e agências de exportação.

Devem ser aprimoradas as obrigações impostas às empresas que atuam nesses setores, estabelecidas regras mais claras para identificação de clientes e transações, para a comunicação às autoridades de atividades suspeitas, e desenvolvidas redes de troca de informações entre órgãos de fiscalização, controle e inteligência, como Coaf, Ibama e agências penais responsáveis pela apuração dos delitos, sempre dentro das normas legais de proteção de dados.

Por outro lado, uma vez que os crimes ambientais em larga escala são transnacionais, seja pela origem dos bens —oriundos dos diversos países que compõem a Amazônia—, seja pelo destino, em geral Europa e Ásia, é importante o desenvolvimento de mecanismos de cooperação internacional mais eficazes, que permitam o compartilhamento de provas, investigações e diligências, a fim de fazer frente às organizações que exploram o delito ambiental, internacionalmente relacionadas.

O Grupo de Ação Financeira (Gafi) produziu em 2021 um relatório com os métodos mais usados pelo crime organizado para ocultar o produto de crimes ambientais, com informações importantes sobre as experiências bem-sucedidas de prevenção de lavagem de dinheiro nesse setor, que merecem ser conhecidas e replicadas.

O combate à lavagem de dinheiro relacionada aos crimes ambientais não resolverá totalmente os problemas ambientais no país, mas dificultará o escoamento dos bens ilícitos, tornará difícil a inserção na economia formal de madeira, boi e ouro, cujo comércio incentiva o desmate.

É preciso pensar em soluções razoáveis e racionais. Do contrário, serão desperdiçados recursos, material humano e tempo em políticas sem resultados efetivos —e o Brasil ficará ainda mais distante de cumprir as metas de preservação com as quais se comprometeu em âmbito internacional.

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