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Henrique Ávila

Faça acordo, não faça guerra

Resultados da conciliação e mediação mostram bom caminho no Judiciário

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Henrique Ávila

Advogado, é professor de direito processual civil e presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça da OAB; ex-conselheiro do CNJ por dois mandatos (2017-2021)

Conta o hoje ministro Marco Buzzi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, num dos seus périplos ainda como desembargador pelos tribunais do Brasil difundindo a mediação e conciliação, teria recebido uma provocação de um presidente de tribunal: "Não me venha com esse papo de mediação; nosso trabalho aqui no tribunal é da sentença".

Houve um tempo —e não faz muito— em que o principal trabalho da Justiça brasileira era mesmo proferir sentença, assim como os advogados eram contratados pelos clientes para uma batalha na Justiça, não para resolver um problema.

Sabemos o quão afogado está o Judiciário e o desânimo que muitas vezes toma conta de um cidadão, de uma empresa, de qualquer parte, ao ter de enfrentar um processo que, não raro, se alongará por anos, gerando impactos emocional e financeiro. Por quantas vezes lemos na imprensa diversos questionamentos sobre a eficiência processual, a morosidade da Justiça, o excesso de processos que abarrotam as gavetas e os gabinetes dos tribunais?

A solução não é simples, mas há caminhos sendo abertos para que o cenário seja menos inchado e mais eficiente. Felizmente, conciliar e mediar são dois verbos que entraram de vez no dicionário do Judiciário.

Os resultados, embora ainda distantes do ideal, indicam que estamos na rota correta em busca de resoluções mais rápidas, menos custosas e conflituosas e, certamente, mais satisfatória para as partes.

Ganha a sociedade, ganha o Judiciário, ganha o Estado. É essencialmente uma mudança cultural e também da estrutura ainda complexa da Justiça.

Não há dúvidas de que a aplicação da conciliação e da mediação, além de rapidez à solução dos conflitos, foi fundamental para expandir a cultura da consensualidade.
Importante destacar que a conciliação não nasceu agora. É um mecanismo adotado pelo CNJ (Conselho

Nacional de Justiça) desde 2006 e que ganhou vida e força em 2010 com a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). Até então havia pouco estímulo ao consenso e pouco investimento dos tribunais na chamada autocomposição, quando as partes se ajustam em busca de uma solução.

As perspectivas são animadoras. Ao final de 2022, havia um total de 1.437 Cejuscs instalados, o triplo de oito anos atrás. Cerca de 7.000 profissionais estão habilitados a atuar em acordos. Temos um ambiente propício, com estrutura física, políticas de capacitação de mediadores, estudos e estatísticas para que esses mecanismos evoluam com qualidade.

Muitas vezes as pessoas nem sabem dessa possibilidade. Veem um processo como uma "batalha judicial", onde um perde e o outro, ganha. Não precisa ser assim.

Há sutis diferenças entre a conciliação e a mediação. Na conciliação, um terceiro atua de forma mais direta para sugerir opções em casos mais objetivos e simples.

Na mediação, esse personagem facilita o diálogo entre as partes para que proponham um acordo em situações mais subjetivas, em que já existe uma relação duradoura.

Em 2022, foram 12,3% sentenças decorrentes de acordo (chamadas homologatórias de acordo), um aumento considerável de 17,4% em relação a 2015. Quando se analisa apenas a fase de execução da ação, as decisões corresponderam a 9,1% —um crescimento 5,5 pontos percentuais no mesmo período.

Interessante notar que a Justiça trabalhista é a que mais concilia, com 22,1% dos casos por meio de acordo —percentual que sobe para 37,3% quando apenas a fase de conhecimento da ação em primeiro grau é considerada.

Portanto, os atores do sistema judiciário devem estimular a sociedade a entender a importância da conciliação. Até porque acordos têm índices maiores de cumprimento do que uma sentença imposta pelo juiz.

As próprias faculdades de direito têm avançado e incluído nas suas grades o papel da conciliação e da mediação, alterando uma cultura de ensino focada historicamente em trabalhar de forma litigiosa.
Em momentos de tristes guerras pelo mundo, que ao menos a sensação de paz prevaleça nos tribunais.

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