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Irene Torres

A legalização das drogas evitaria cenários como o que vemos no Equador? NÃO

Não há resposta simples; redes criminosas podem diversificar atividades ilegais

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Irene Torres

Equatoriana, é assessora de ciência e políticas no IAI (Instituto Interamericano para la Investigación del Cambio Global) e membro do Conselho Internacional da Sociedade Global de Migração, Etnicidade, Raça e Saúde

Hoje em dia, em países como a Holanda, discute-se a descriminalização das drogas como um caminho para eliminar as organizações criminosas que, com sua violência, desestabilizam países inteiros. Admite-se que essa política, por si só, não pode resolver os efeitos do negócio do narcotráfico internacional nem mesmo nas nações mais ricas do mundo. Em países como o Equador, que têm altos índices de desigualdade econômica, injustiça social e corrupção, surgiriam ainda mais problemas.

Primeiro, descriminalizar drogas de forma seletiva, como fez o Uruguai com a cannabis, não livrou esse país da violência provocada pelo narcotráfico. Teoricamente, seria preciso descriminalizar todas as drogas, o que traria sérios problemas de saúde pública, como mostram os índices de dependência e morte por fentanil nos Estados Unidos. E mesmo que o Equador quisesse enfrentar esse desafio, seu sistema de saúde pública tem preocupações mais prementes e uma carência crônica de verbas.

O narcotraficante Adolfo Macías, o Fito, líder da gangue Los Choneros, está foragido; criminoso está no centro da crise que assola o Equador - 12.ago.2023/via AFP - AFP

Segundo, mesmo que fossem descriminalizadas todas as drogas, as redes criminosas não estão interessadas só nelas —podem diversificar suas atividades ilegais para continuar operando. Sob a lógica de controlar os fluxos de dinheiro, seria preciso liberar toda a atividade passível de controle no país, a começar pelos cigarros e a gasolina, que são objeto de lucrativas redes de contrabando, além da mineração descontrolada. E isso não é possível.

Terceiro, mesmo que seja um lugar-comum nos debates, não há uma resposta simples para os níveis de violência que atingiram os países consumidores, produtores e distribuidores. O Equador precisa primeiro abordar as causas profundas da desigualdade, a discriminação social e laboral sistêmicas, a delinquência generalizada nos diferentes poderes do Estado e a escassa institucionalidade jurídica. No país, até as drogas legais, os medicamentos, são uma mercadoria apreciada pelas máfias enquistadas no Estado.

A prefeita de Amsterdã, Femke Halsema, manifestou recentemente sua preocupação de que os Países Baixos se transformem em um narcoestado e que, com isso, a violência desestabilize o país. Para evitar que jovens de apenas 14 anos, como está acontecendo, comecem a se envolver em seu comércio ilegal, propõe alternativas que incluem a legalização de certas drogas, seguindo o exemplo do Uruguai. Mas essa opção é factível em países com um sólido sistema regulatório, fiscal e jurídico, com maior capacidade de controlar os fluxos de dinheiro e as influências indevidas.

No Equador, a descriminalização das drogas exige mudanças para as quais o país não está preparado. Lá, os assassinatos de autoridades eleitas e pessoas públicas podem ser cometidos com um alto grau de impunidade. O homicídio mais recente, do promotor César Suárez Pilay, em 17 de janeiro, mostrou mais uma vez que qualquer criminoso, desde o chefe de um cartel até uma máfia menor, sente liberdade para liquidar um representante do Judiciário em plena via pública.

A descriminalização das drogas exige mudanças fundamentais: tanto as garantias para aplicar a lei de maneira eficaz como mecanismos sistemáticos de inclusão econômica e social. À sua falta, qualquer outro negócio ilícito pode prosperar, e não se terá resolvido uma mínima fração do problema.

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