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Gonzalo Vecina Neto

Por que mudei a minha opinião sobre legalizar o cigarro eletrônico

Indústria do tabaco não pode produzir, mais uma vez, doença e morte por lucro

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Gonzalo Vecina Neto

Médico sanitarista, é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Eaesp/FGV; ex-presidente da Anvisa

A discussão sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), os chamados vapes, está em um momento decisivo. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deverá se posicionar através de consulta pública em curso, e as vozes mais importantes da saúde já se manifestaram —e sempre contra a legalização da produção e do comércio desses dispositivos. Acredito que, à parte os representantes da indústria do tabaco, eu seja uma das raras exceções a defender a legalização dessa produção e comércio.

E tive várias oportunidades para expor as razões da minha posição. Eu realmente creio que a proibição do consumo e sua consequente criminalização não resolve o problema com nenhuma droga. Porém, tenho muito claro e acompanho a posição de diversos médicos de que o vape não reduz danos, não auxilia a deixar o vício de fumar e, sobretudo, não apresenta menos efeitos nocivos à saúde. Pelo contrário: como é um convite aos jovens, deverá causar mais estragos do que o próprio cigarro convencional.

Homem fuma cigarro eletrônico em sua casa, em Curitiba (PR) - Leticia Moreira/Folhapress

Mas então por que, por princípio, sou contra a proibição? Porque não acredito que ela resolva este ou qualquer outro problema ligado às drogas. Proibir leva à criminalização, e esta leva a aumentar a população carcerária e as suas nefastas consequências sociais. As prisões estão cheias de agora criminosos que não têm a ver com o tráfico de entorpecentes e suas consequências, que devem ser controladas. Daí a minha posição: proibir vai levar à criminalização.

Contudo, discutindo o tema com os que se posicionam contra o cigarro eletrônico, fui convencido de que o que deve ser realizado é a proibição da produção em território nacional deste terrível veneno. Devemos impedir que a indústria do tabaco, mais uma vez, venha produzir doença, sofrimento e morte em sua busca por lucro.

Fui convencido de que a proposta não trata da proibição do consumo, mas sim da produção e comercialização em território nacional. E estou de acordo. O posicionamento da autoridade regulatória deve ser pela proibição e comercialização dos vapes em todo o Brasil.

Porém, tal proibição à sua legalização não deve levar à criminalização. A repressão ao contrabando deve continuar, e os comerciantes que ainda assim venderem ilegalmente os dispositivos deverão receber multas e sofrer as consequências legais por suas ilicitudes.

Mas seu consumo não deve ser criminalizado. Repressão ao contrabando e à venda ilegal são assuntos policiais desde já. Mas não o consumo.

Os resultados da brilhante atuação da Anvisa desde o início dos anos 2000 na industrialização, no comércio, na propaganda e no consumo de tabaco foram fundamentais. O país que tinha cerca de 30% de consumidores de cigarros hoje tem menos de 10%. Mas existe uma sombra sobre esse imenso sucesso: a ocorrência de casos de câncer, de doenças cardíacas e outras associadas ao consumo da nicotina, que é o produto mais nocivo.

Essa sombra é a nicotina, que está presente nos dispositivos eletrônicos de fumar. É ela que leva ao vício e produz uma imensa carga de doenças, particularmente no sistema circulatório. Entretanto, outros subprodutos inseridos pela indústria para induzir o vício, como elementos saborizados e o próprio "charme" do uso dos dispositivos, não podem ter diminuída sua participação nesse desastre anunciado.

Por essas razões, assumo que errei e espero poder fazer parte dessa frente que busca evitar mais um desastre sanitário. O Brasil não pode permitir a produção de um elemento que irá gerar uma crise de saúde em nossa juventude.

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