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Lucas Pereira Rezende, Conrado Hübner Mendes e João Carlos Amoroso Botelho

Lula 3 repete erros nas relações com as Forças Armadas

Temor excessivo em contrariar militares desperdiça oportunidade histórica

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Lucas Pereira Rezende

Professor de ciência política na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional na Faculdade de Direito da USP e colunista da Folha

João Carlos Amoroso Botelho

Professor de ciência política na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

O ano de 2023 inaugurou um governo do qual se esperava mudanças significativas em várias áreas de políticas públicas, entre elas as de defesa e segurança. Logo nos primeiros dias de janeiro, uma insurreição da turba bolsonarista, com o estímulo e a cumplicidade das Forças Armadas (FA), criou oportunidade histórica para que, enfim, seus privilégios como corporação e sua sanha de se arvorar como poder moderador e árbitro da política nacional fossem questionados e revertidos. Afinal, a condenação da sociedade à tentativa de golpe, da qual militares da ativa e da reserva haviam sido copartícipes, foi generalizada.

Porém, o que se viu no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva para as áreas de defesa e segurança foi bem diferente das expectativas. Os erros começaram na escolha de José Múcio para embaixador dos militares no governo, em vez de um ministro civil da Defesa. A cada iniciativa com potencial de contrariar as FA, a proposta é submetida ao seu embaixador, que a torna aceitável para os militares. Na prática, isso significa transformar a iniciativa em algo inócuo ou adiado indefinidamente.

O presidente Lula (PT) conversa com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante o desfile da Independência do Brasil, na Esplanada dos Ministérios - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

São vários os exemplos, como a tentativa de alterar o artigo 142 da Constituição, privando as FA do argumento falso de que são poder moderador, que se converteria em uma proposta inócua sobre a presença de militares na política; a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desparecidos Políticos, que tem sido adiada de forma recorrente; e as investigações sobre a tentativa de golpe em 8 janeiro de 2023, que, a cada nova revelação, são blindadas pela retórica de que ajudam a individualizar condutas e isentar a instituição.

Na segurança pública, diante de nova crise no setor em razão de ataques milicianos no Rio de Janeiro depois da morte de um líder em operação policial, recorreu-se mais uma vez a um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para que as FA possam reforçar a fiscalização de portos e aeroportos no próprio estado e em São Paulo. Foi uma solução intermediária para evitar outro decreto de GLO que interviesse na segurança do Rio de Janeiro, como o do governo Michel Temer, que deixou um saldo de denúncias contra militares por violações de direitos humanos e corrupção. Por outro lado, a repetição da decretação de GLO continua cedendo poder e tarefas às FA que não lhe são devidas.

A prática da conciliação, tão cara aos ministros da Defesa indicados pelos governos petistas, é outro erro repetido no terceiro mandato de Lula. A busca constante por apaziguar as FA, como na preservação da anistia às violações praticadas por agentes da ditadura militar e na introdução do artigo 142 na Constituição de 1988, nos trouxe até o cenário atual, em que crimes cometidos por militares durante o governo Bolsonaro e no 8 de janeiro de 2023 seguem até agora sem as punições juridicamente merecidas.

O temor no governo Lula 3 em contrariar as FA é exagerado e desnecessário. O que mais se teme é, claro, um golpe militar. O cenário para isso foi sendo construído entre o fim de 2022 e o início de 2023. Porém, a cúpula das FA se dividiu em aderir à movimentação e acabou optando por se omitir diante do que se passava, o que tem sido desvendado pela Polícia Federal. Afinal, os militares sabem que não há clima interno e externo no mundo de hoje para um golpe ao estilo do passado em um país como o Brasil.

Na verdade, o mais danoso para a democracia brasileira é a sombra permanente desse risco e a oportunidade que dá para as FA continuarem extraindo concessões e pairando por sobre a sociedade brasileira. A punição dos militares envolvidos nas tentativas de ruptura da ordem democrática é uma tarefa fundamental e nada tem de revanchismo, como sugere o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Tratar a participação desses militares como caso isolado é uma forma de esconder o fato de que as FA ainda são um terreno fértil para o autoritarismo, desde o ensino que oferecem às práticas difundidas no seu seio, como ilustram as investigações da PF.

Mais uma vez, vai passando a hora de enfrentarmos, como sociedade, o desafio de transformar as Forças Armadas do Brasil em uma instituição subordinada ao poder civil, não o contrário.

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