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Bogna Janke

Solidariedade, marca polonesa

Em dois anos, 18 milhões de pessoas escaparam dessa guerra cruel pela nossa fronteira

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Bogna Janke

Embaixadora da Polônia no Brasil

Uma mulher com dois filhos pequenos, que eu e meu marido acolhemos em nossa casa em março de 2022, empreendeu uma longa viagem de trem através da Ucrânia. Era muito complicado e tenso, já que as luzes foram apagadas e as cortinas fechadas para que não chamassem a atenção dos invasores. Fugindo da guerra sob o fogo interminável dos mísseis russos, todos os três chegaram à Polônia sem pertences pessoais, pois a vida era o mais importante.

Desde 24 de fevereiro de 2022 já são 18 milhões de pessoas que atravessaram a fronteira da Polônia vindo da Ucrânia. Muitos deles permaneceram na Polônia, boa parte foi para outros países e alguns regressaram à Ucrânia.

Família ucraniana refugiada em abrigo temporário na cidade de Przemysl, perto da fronteira entre a Ucrânia e a Polônia - Louisa Gouliamaki - 15.mar.22/AFP - AFP

A Polônia tem 38 milhões de habitantes. De um dia para o outro, milhões de mulheres, crianças e idosos ucranianos ingressaram em nosso país em busca de amparo. Em poucas semanas, o número de pessoas no meu país aumentou 10%. Imaginem que, em um curto espaço de tempo, 20 milhões de pessoas venham de um país vizinho para o Brasil. Em qualquer lugar do mundo, isso significaria uma profunda crise humanitária.

Vale a pena ressaltar que, na Polônia, nenhum campo de refugiados foi criado. Por quê? Porque milhões de poloneses, pobres e ricos, acolheram os vizinhos da Ucrânia em suas casas e apartamentos.

Desde os primeiros dias da guerra as cidades polonesas organizaram centros de acolhimento temporários, onde os refugiados poderiam esperar até encontrar uma casa. Milhares de poloneses foram até a fronteira com a Ucrânia em seus carros para buscar hóspedes ucranianos e levá-los por todo o país.

Organizações não governamentais e voluntários coletaram e distribuíram comida, roupas e outros itens essenciais. Nos pontos de fronteira, os grupos de meus compatriotas organizavam espontaneamente a ajuda para os que entravam. O Exército e a polícia estavam ativamente envolvidos na proteção e transporte dos fugitivos.

De repente, em todo o território do país, várias cantinas e pontos de distribuição de roupas e de artigos de primeira necessidade começaram a operar do dia para a noite. Os municípios poloneses prepararam em tempo recorde escolas e creches para receber milhares de crianças ucranianas, fornecendo-lhes materiais educativos e a adequada ajuda psicológica. A evacuação da Ucrânia de mil crianças com câncer, para mim, foi especialmente comovente. Quase todas tiveram que percorrer uma longa jornada em condições especiais, sob cuidados médicos constantes. Uma frota de ambulâncias circulava entre os hospitais nos dois lados da fronteira, levando-as para hospitais poloneses. Depois, algumas foram transportadas de avião para os centros especializados no tratamento de câncer na Itália, na Alemanha e no Japão.

Diante dessa barbárie, o governo polonês tomou uma decisão sem precedentes: todos os refugiados receberiam um número de identidade que lhes permitiria residir legalmente no país, trabalhar e receber assistência social, da mesma forma que os cidadãos poloneses. Quase todos os recém-chegados receberam pagamentos regulares por um longo período.

Na Polônia, desde os primeiros dias da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, existe um hub pelo qual a ajuda do mundo inteiro é levada para a nação atacada. Muitas ajudas são trazidas para a Polônia de avião e depois enviadas para a Ucrânia por trem ou transporte terrestre. O espaço aéreo sobre a Ucrânia, assolada pela guerra, está fechado para aeronaves.

Durante esses dois anos de guerra, os voluntários poloneses têm percorrido toda a Ucrânia, distribuindo ajuda para os habitantes, escolas, hospitais e soldados. Essas pessoas arriscaram e continuam arriscando suas vidas para ajudar os ucranianos a lutar por sua liberdade. Eles fazem isso até hoje. Porque, da história, sabemos o que é a guerra. Porque somos solidários com as pessoas necessitadas.

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