Descrição de chapéu
Cláudio Couto

A reeleição para cargos no Executivo deve acabar? NÃO

Impossibilidade de recondução, na prática, significa menos democracia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cláudio Couto

Professor de ciência política da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), bolsista de produtividade do CNPq e produtor do canal do YouTube e podcast “Fora da Política Não há Salvação”

Desde sua aprovação, em 1997, ocasionalmente volta à baila a proposta de pôr fim à reeleição para as chefias dos Executivos federal, estadual e municipal. Os argumentos apresentados são, no mais das vezes, vagos e apontam problemas que pouco têm a ver com a reeleição propriamente dita.

Costuma-se dizer, por exemplo, que o incumbente, aquele que ocupa o cargo durante a disputa eleitoral, usa a máquina em seu favor, o que desequilibra o jogo. Isso é certamente verdade em boa parte dos casos, mas é igualmente fato que se usa a máquina também para eleger um sucessor do respectivo partido ou grupo político. Portanto, o fim da reeleição não eliminaria o problema, mas apenas faria com que a instrumentalização do aparato governamental buscasse beneficiar outro que não o próprio incumbente.

Renato Casagrande (ES-PSB), Romeu Zema (Novo-MG), Eduardo Leite (PSDB-RS) e Ratinho Júnior (PSD-PR): à exceção do primeiro, governadores disseram defender o fim da reeleição - Gustavo Mansur/Divulgação - Secom

Pesquisa de Fernanda Marciniuk e Maurício Bugarin, publicada como artigo na Revista Brasileira de Economia, demonstra que prefeitos que concorrem à reeleição têm comportamento fiscal mais responsável do que aqueles que não tentam a recondução ao cargo. O achado converge com estudos anteriores, que apontam efeitos positivos não só no fiscal, mas também no concernente à corrupção. Ora, se há evidência empírica de que até as contas públicas e a probidade administrativa melhoram com o instituto da reeleição, por que acabar com ela?

Provavelmente porque as preocupações principais dos que pretendem extinguir o instituto não sejam melhorar a democracia brasileira, as contas públicas ou a qualidade dos governos, mas tão somente abrir espaços na disputa eleitoral, tornando a competição política menos árdua para desafiantes.

Não à toa, frequentemente candidatos de oposição se declaram contra a reeleição para, tão logo eleitos, decidirem que pretendem tentar sua recondução ao cargo. Foi assim com Lula e, depois, com Bolsonaro. Foi assim com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Assim como é com outros políticos que, embora reeleitos para seus cargos no Executivo, hoje se declaram contrários à reeleição, pois ambicionam voos mais altos.

Mas, claro, como é de democracia que se trata, precisamos nos perguntar se a possibilidade de reeleição para o Executivo é boa para os eleitores (e não só para os políticos).

Hoje o eleitorado tem duas opções ao final do primeiro mandato de um prefeito, governador ou presidente da República: reconduzir ao cargo o incumbente ou optar por um desafiante. Aprovando o governante e avaliando que é melhor mantê-lo do que arriscar substituí-lo, o eleitor tem o direito de fazer tal opção. Caso prefira não reeleger, sempre há oposicionistas nos quais se pode votar.

Eliminando-se a reeleição, tira-se do eleitorado essa alternativa, e lhe sobra a opção de apostar num sucessor alinhado ao incumbente, acreditando que dará seguimento ao governo aprovado. Isto é, em vez de as aumentar, o fim da reeleição reduz as alternativas eleitorais disponíveis. Isso, na prática, significa menos democracia.

É óbvio que nem por isso se deve instituir a reeleição ilimitada, pois aí a vantagem de mais alternativas eleitorais tende a ter como contrapartida negativa o risco de um acúmulo de poder demasiado nas mãos de um incumbente que se perpetue no cargo. Como na culinária, a arte da institucionalidade democrática está na combinação equilibrada dos ingredientes. Aprimorar essa institucionalidade é possível e desejável. Acabar com a reeleição, contudo, não é aprimoramento, mas retrocesso.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.