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Fábio Tofic Simantob

Gritos roucos para ouvidos moucos

Muito se fala, mas pouco se escuta entre os atores do Judiciário brasileiro

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Fábio Tofic Simantob

Advogado criminalista, é mestre em direito penal (USP) e conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Em praticamente todas as sessões de julgamento do Superior Tribunal da Justiça tornou-se praxe ouvir os ministros se queixarem do excesso de habeas corpus que são ajuizados pelos advogados. Segundo dados do próprio tribunal, o número não para de crescer e pode acabar inviabilizando o próprio funcionamento do STJ.

A queixa é legítima e, em boa parte, procedente. Há, no entanto, um problema crônico de comunicação na Justiça brasileira. Os atores da Justiça dialogam mal, muito mal. As faculdades não formam pessoas capazes de articular bem seus argumentos num processo. Nem mestrado e doutorado são capazes de suprir essa carência —senão até a pioram, pelo excesso de juridiquês.

Transmissão da sessão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça - Reprodução/STJ no YouTube

Advogados, promotores e juízes escondem-se atrás de precedentes, decisões e artigos de lei porque isto todos aprendem na faculdade. Mas é comum ver acusações que não descrevem com precisão os fatos, decisões que não enfrentam os argumentos da parte e, claro também, habeas corpus que não conseguem deduzir de forma cristalina a pretensão.

Na área criminal, os advogados se deparam diariamente com decisões padrão, que repetem jargões como "a liminar é medida excepcional, e não se mostra cabível, na espécie" —ou seja, uma frase que encaixa em qualquer caso e não precisa do exame da ilegalidade apontada no caso concreto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, tem encabeçado uma campanha importantíssima voltada à simplificação da comunicação forense. É preciso eliminar os data vênias, os egrégios e preclaros, o latinório; mas, mais do que isso, é preciso melhorar a comunicação. As petições precisam ser mais sintéticas, as denúncias não podem ser um calhamaço interminável, e as decisões e acórdãos não devem também passar de algumas páginas.

Basta também assistir a algumas sessões de julgamento para se perguntar se é necessário um voto levar às vezes horas para ser lido.

No criminal, é comum ver sentenças de 100, 200 páginas, transcrevendo depoimentos, manifestações do Ministério Público, e precedentes. Argumentos próprios mesmo, pensados para o caso concreto, pouco se veem. O mesmo ocorre com as petições. Muitos advogados ainda escrevem muito, lotam a petição de doutrina e jurisprudência, mas dedicam poucos argumentos à análise do caso efetivamente.

Os bons juízes são aqueles que decidem em poucas páginas, mal citam doutrina ou jurisprudência, mas exaurem o debate da causa.

Alguns dizem que o computador piorou muito a situação, em virtude do famoso "recorta e cola", mas não é só isso. O computador também tornou o direito mais acessível. Em um clique, qualquer advogado, juiz ou promotor encontra na internet um precedente bom para usar no seu caso, até porque o Brasil ainda tem jurisprudência para todos os gostos.

O resultado disso é que muito se fala, mas pouco se escuta. A impressão às vezes é de que o diálogo processual é um monólogo.

Para piorar, os criminalistas cuidam de casos antipáticos perante a opinião pública; logo, antipáticos também perante o Judiciário. Muitas vezes o juiz ou o tribunal nega-lhe o direito, ou lhe dá tratamento diferente "porque o caso é ruim".

Não é algo que se admite com facilidade, mas a natureza humana está aí para comprová-lo. Ou seja, o Judiciário brasileiro universalizou o acesso à Justiça nos últimos 20 anos, mas não universalizou a efetiva entrega do direito igual a todos. Resultado: os advogados estão a todo tempo buscando garantir essa isonomia aos seus clientes.

Existem muitas questões para serem repensadas, que vão desde o ensino jurídico, a comunicação e a linguagem forense até o efetivo funcionamento da máquina judiciária.

O que não se pode é eleger um culpado: no caso, o habeas corpus, protetor maior da liberdade humana, pelas mazelas que acometem os tribunais e a efetiva realização da justiça no país.

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