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Orlando Silva

Alguém mordeu a isca das big techs?

PL das Fake News jamais teve qualquer 'pretensão censória', como diz a Folha

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Orlando Silva

Deputado federal (PC do B-SP) e relator do PL das Fake News

Li com certo espanto, nesta Folha, o editorial "PL das Fake News morre por pretensão censória" (11/4). O texto parte de premissas erradas, é precário na argumentação e mistura o debate legislativo sobre o tema com as decisões tomadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal. E, espero que involuntariamente, endossa uma narrativa falaciosa. O espanto vem de quem aprecia a lavra dos competentes jornalistas a quem tive o privilégio de apresentar a proposta.

O "ímpeto censório" estaria na pretensão de "coibir a proliferação de informações falsas" e "manifestações que supostamente ameaçam a democracia", propósitos que, segundo o jornal, seriam "embalados em discursos hiperbólicos" para se sustentar diante da opinião pública.

Tela mostra aplicativos de grandes plataformas digitais - Joe Raedle/Getty Images - Getty Images via AFP

Como desinformação e democracia são assuntos sérios para este deputado, cabe desmistificar a falsa narrativa difundida no referido editorial. O projeto de lei 2.630/2020 não trata de conteúdos e jamais teve a estúpida pretensão de definir o que seria "verdade" ou "mentira", apenas cria regras a serem seguidas pelas plataformas digitais, a fim de evitar que suas funcionalidades sejam utilizadas para o cometimento de crimes tipificados em lei.

Aliás, ao contrário de "ímpeto censório", o PL traz um inovador instrumento de defesa da liberdade de expressão ao introduzir a garantia do devido processo na moderação de conteúdos, situação em que o próprio usuário teria o direito de recorrer contra a decisão da plataforma de retirar ou restringir o veiculado.

Inspirado nas melhores abordagens internacionais, hoje vindas da União Europeia, o projeto tem como espinha dorsal a mudança no regime de responsabilidade civil das plataformas, porque, embora sejam empresas privadas, operam um serviço de caráter público e de grandes repercussões sociais.

As big techs passariam a ser responsabilizadas pelos danos causados por publicações de cunho criminoso, caso impulsionadas ou se fossem omissas após alertadas, falhando em seu dever de cuidado.

Parece-me algo bastante razoável, parte do que no direito se chamaria de teoria do risco do negócio. Não há censura alguma nisso.

O editorial avança dizendo que "seria absurdo (...) incumbir algum órgão ligado ao Executivo de determinar quais são os discursos válidos e quais não são". De fato, seria. Ocorre que isso simplesmente não está no projeto! Foi uma narrativa inventada pelas big techs e propagada pela extrema direita, aliança de forças beneficiadas pela completa ausência de regras.

A autoridade reguladora atuaria junto às plataformas, e não aos usuários, teria a função de fiscalizá-las quanto ao cumprimento da lei, analisar relatórios de transparência enviados pelas empresas, garantir a existência do devido processo na moderação. Jamais se debateu ou cogitou um órgão com papel de validar discurso ou postagem. Convido a Folha a mostrar em qual artigo do PL 2.630 existe essa incumbência.

Não é o tema dessas linhas, mas o editorial faz uma análise rasa, sem fundamentação jurídica, para apontar o dedo ao Supremo e supostas decisões "marcadas pela heterodoxia". Quais e por quê? Não diz. Mas o que me interessa é saber por que vias transversas as queixas do jornal contra o STF serviriam de argumentos para desqualificar o PL 2.630?

Vivemos tempos de alguma turbulência institucional, mas a tramitação do projeto, até aqui, foi de colaboração entre os Poderes e de protagonismo do Legislativo, tanto que o Supremo valoriza o esforço parlamentar enquanto considera o julgamento da Adin (ação direta de inconstitucionalidade) sobre o art. 19 do Marco Civil da Internet. Gesto de respeito e contenção.

Afirmar que o "ilegal no mundo físico também o é no virtual", como finaliza o editorial, não soluciona os problemas reais e imediatos, que ocorrem todos os dias, causados pelo uso criminoso das redes sociais sem que haja legislação para assegurar essa obviedade.

A regulação é uma imposição inescapável do mundo contemporâneo. Que esta Folha contribua no bom debate e não se deixe fisgar por narrativas falsas.

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