'Senti incômodo por ver a bizarrice da nossa realidade', diz leitora sobre 'Não Olhe para Cima'

Folha colheu opiniões em enquete; para alguns, contexto enviesado é falha de filme da Netflix

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Americana (SP)

O contexto de negacionismo, manipulação midiática e polarização política que embasa o filme "Não Olhe para Cima" é retrato da realidade atual no Brasil e no mundo, opinou a maioria dos leitores da Folha que assistiram ao longa e participaram da enquete promovida pelo jornal.

Entre as avaliações negativas feitas ao longa da Netflix por alguns dos leitores estão a simplificação de um assunto complexo em forma de crítica enviesada a determinado perfil político-partidário-ideológico –no caso brasileiro, eleitores do presidente Jair Bolsonaro.

Personagens andam em supermercado, um lado do outro, com DiCaprio empurrando um carrinho de mercado, e olhando em volta
Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio e Timothée Chalamet em cena do filme "Não Olhe para Cima", de Adam McKay - Niko Tavernise/Divulgação

Desde que chegou ao streaming em 24 de dezembro, o filme teve grande repercussão nas redes sociais ao abordar com crítica social a aproximação de um cometa com poder de destruir toda a Terra.

Estrelam o filme Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence como Randall Mindy e Kate Dibiasky, os cientistas que descobrem o cometa; Meryl Streep como Orlean, presidente negacionista e mais preocupada com a própria reeleição do que com os rumos do planeta; Mark Rylance como o bilionário da tecnologia Peter Isherwell, e outros. ​

Diante da repercussão, a Folha perguntou aos leitores se tinham assistido ou não ao filme de Adam McKay, se gostaram dele ou não e as justificativas para suas respostas.

Dentre as 64 respostas colhidas, 58 viram e gostaram (90,6%), 5 viram e não gostaram (7,8%) e 1 não viu e não gostou (1,6%). A opção "não vi e gostei" não obteve registros. Três leitores que não autorizaram a utilização de suas respostas foram desconsiderados.

"Eu senti um incômodo durante todo o filme por assistir a bizarrice da nossa realidade. É chocante o caminho que estamos traçando", afirmou a advogada Thaís Pavret Ferreira, 28, de Caçapava (SP).

Eu senti um incômodo durante todo o filme por assistir a bizarrice da nossa realidade. É chocante o caminho que estamos traçando

Thaís Pavret Ferreira

advogada de Caçapava (SP)

"O filme é uma sátira muito pertinente dos efeitos do negacionismo, da polarização política, da alienação, da manipulação midiática e jornalística, e da falta de caráter de políticos e empresários que só pensam em poder e dinheiro. A película é excelente para alertar sobre os tempos que estamos vivendo", afirmou a professora Wilma Lucia Rodrigues Pessôa, 60, de Maricá (RJ).

"Incrível como representa situações surreais que vivemos no Brasil. Infelizmente, nossa realidade é ainda mais bizarra e trágica do que a retratada no filme", acrescentou.

Incrível como representa situações surreais que vivemos no Brasil. Infelizmente, nossa realidade é ainda mais bizarra e trágica do que a retratada no filme

Wilma Lucia Rodrigues Pessôa

professora de Maricá (RJ)

"Sátira bem oportuna para o momento das fake news. Por aqui, o cometa é a vacina. O resto é tudo igual", opinou Fernando Luiz Alexandre, 59, coordenador pedagógico de São Paulo (SP).

Para Pedro Changuir Sarapeck Silva Pinto, 18, do Rio de Janeiro (RJ), o mais importante é o alerta feito pelo filme sobre os perigos da polarização.

"Gostei pelo fato de o filme representar de modo realista o contexto de polarização atual. A ênfase que se deu ao esquema de manipulação midiática e à influência neoliberal sobre os governos contribuíram significativamente para minha opinião sobre o longa. Também gostei das referências a líderes negacionistas reais. Mas a parte mais importante foi o final, pois mostrou as possíveis consequências do comportamento ignorante da sociedade polarizada. Foi um final trágico, porém necessário."

Por aqui, o cometa é a vacina. O resto é tudo igual

Fernando Luiz Alexandre

coordenador pedagógico de São Paulo (SP)

"O filme é uma excelente metáfora de nossa época, marcada pelo negacionismo científico, pela disseminação de fake news e teorias conspiratórias, pelo aprofundamento da chamada 'sociedade do espetáculo' nos meios de comunicação e na política, tudo isso acompanhado do desesperado esforço da comunidade científica em tentar comunicar e afirmar um conteúdo básico de verdade e razoabilidade", afirmou o historiador Vinícius Oliveira Godoy, 45, de Porto Alegre (RS).

A servidora pública Fátima Rosane Souza, 61, de Porto Alegre (RS), gostou da maneira como a mídia foi retratada no filme. "A abordagem sobre a imprensa é algo provocador. A falta de compromisso com os fatos, os dados e a ciência", disse.

O consultor técnico Emerson Aguiar, 49, de Belo Horizonte ( MG), está entre os que avaliaram o filme negativamente. "Um assunto sério foi tratado como filme de besteirol e enquete de rede social, com artistas renomados bilionários falando em acúmulo de riquezas", afirmou.

Um assunto sério foi tratado como filme de besteirol e enquete de rede social, com artistas renomados bilionários falando em acúmulo de riquezas

Emerson Aguiar

consultor técnico de Belo Horizonte (MG)

As comparações com o bolsonarismo incomodaram David Castaldelli, 28, técnico de informática de Avaré (SP). "Fraco. Todo elogio vem com um adendo: 'Só não gosta quem é bolsominion'. Ou seja, não é do filme que as pessoas gostam, é da mensagem (bater no bosta do Bolsonaro e outros como ele). Não é um filme que passa uma mensagem, é uma mensagem em forma de filme", opinou.

A crítica do advogado Daniel Gallo, 25, de São Paulo (SP), foi na mesma linha. "Pareceu-me que o filme se destinou ao público ficar pensando 'nossa, igualzinho o que acontece na realidade do meu país'. Mesmo eu sendo opositor de Bolsonaro e Trump, o filme serviu unicamente ao propósito de criticar nas entrelinhas esses governantes boçais e seus seguidores fanáticos, sem se preocupar em se aprofundar", disse.

Leia a seguir a opinião de outros leitores. A Folha agradece a todos pela participação.

José Márcio Bittes, 56, servidor público (Palmas - TO)

"Embora seja uma sátira que beira o besteirol, ilustra bem a situação que vivemos, que é tão absurda quanto."

Jacqueline Macedo, 57, psicóloga (Brumadinho - MG)

"Reflete o negacionismo do governo brasileiro e as tentativas dos cientistas de salvar a população."

Grazyana do Nascimento Sousa Machado, 35, veterinária (Imperatriz - MA)

"O filme retrata o negacionismo que vivemos hoje, principalmente aqui no Brasil com o atual governo."

Elias Rovielo, 56, professor (São Caetano do Sul - SP)

Roteiro fraco, atuações péssimas e dá-lhe clichês!

Lucas Ferreira Seidle da Silva, 26, arquiteto (São Paulo - SP)

"É um paralelo interessante com a loucura que tomou conta da realidade, onde as convicções e os interesses pessoais falam mais alto do que os fatos, onde crenças descabidas bastam para que se molde uma realidade fantasiosa, onde o interesse particular é mais importante que o coletivo, onde todo o absurdo pode ser justificado de maneira banal, onde a sociedade vive numa anestesia de futilidades para não encarar o que é impossível esconder. Nesse escárnio distópico, o filme tem seu triunfo de nos fazer perceber que estamos todos muito ferrados."

Haroldo Castro, 69, fotógrafo (Cunha - SP)

"Não vejo muita coisa em comum com o caso brasileiro. Aqui tudo é muito pior, com negacionismos ainda maiores, uma classe política egocêntrica e um presidente que não tem a menor consciência do que acontece no país. A versão brasileira do filme seria insuportável!"

Rafael Lins, 35, advogado (Curitiba - PR)

"É a comprovação que vivemos dentro de uma sátira."

José Marcos Thalenberg, 61, médico (São Paulo - SP)

"O meteoro já caiu, e se chama aquecimento global. Lamentavelmente, todos nós já começamos a pagar o preço desse descaso com o clima, e estamos apenas no começo."

Alexandre da Silva Alves, 45, designer gráfico (Rio de Janeiro - RJ)

"Parece um episódio mais sombrio da 'Família Dinossauro' ou 'Os Simpsons', ou um documentário, ou um ataque de ansiedade. Com essa endemia de dissonância cognitiva ou analfabetismo funcional, talvez a mensagem tenha que ser escrita com caixa alta em vermelho, negrito e glitter. O filme é idiota o suficiente para abrir espaço para conversas. Se fosse uns milímetros mais sutil ia ser outro grito no abismo. Precisa simplificar, para os distraídos ganharem ferramentas para discutir com os dementes."

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