“01 em deslocamento”, anuncia um policial federal pelo rádio. O número é uma referência a Jair Bolsonaro (PSL), capitão reformado que costuma usar a linguagem militar de números.
Com o comando feito, rapidamente um grupo formado por outros agentes da PF e seguranças particulares monta uma espécie de corredor em torno de duas Pajero pretas e blindadas usadas para a movimentação de Bolsonaro.
A cena se repetiu nas 11 vezes em que ele deixou seu condomínio, na Barra da Tijuca, para atividades nos 21 dias que separaram o primeiro do segundo turno da eleição.
Ele passou a maior parte do tempo em casa, onde recebeu apoio de grupos de congressistas como ruralistas e as bancadas evangélica e da bala. Também o visitaram artistas como Regina Duarte e Zezé di Camargo & Luciano.
Em recuperação de uma facada sofrida em setembro, e com confortável vantagem nas pesquisas, Bolsonaro passou o segundo turno jogando parado e apenas administrando a campanha pelas redes sociais —fez oito transmissões ao vivo neste intervalo.
Na maior parte delas, seu discurso não se baseou em propostas, mas foi centrado em críticas ao PT e à imprensa, a quem acusa de fabricar notícias falsas sobre sua imagem.
O capitão saiu de casa majoritariamente para gravar programas de TV: seis vezes. As filmagens foram feitas em uma luxuosa casa no Jardim Botânico, onde o morador, o empresário Paulo Marinho, montou um estúdio para o aliado.
Eles se conheceram por intermédio de Gustavo Bebianno, presidente do PSL, e hoje Marinho é um dos nomes mais próximos a Bolsonaro.
A maior distância percorrida pelo candidato no período foi de 36 km, quando visitou a Superintendência da PF na zona portuária do Rio.
Este foi o dia em que Bolsonaro se mostrou mais animado. Deixou o prédio brincando com jornalistas e chegou a dizer que estava com a “mão na faixa”. No dia seguinte, seria liberado pelos médicos para debates, mas preferiu não ir aos encontros, afirmando que não “debateria com poste”, um dos apelidos usados para Fernando Haddad (PT).
Na reta final, uma piora nas pesquisas de intenções de voto acendeu um alerta. O primeiro deles veio com o Ibope da última terça-feira (23), em que o presidenciável oscilou para baixo em dois pontos.
Embora aliados de Bolsonaro afirmem que os institutos não são confiáveis, os números fizeram com que eles mudassem a estratégia.
Na noite seguinte, o capitão reformado fez uma transmissão ao vivo e cobrou mobilização dos aliados. A piora foi confirmada também pelo Datafolha, na quinta (25): foi de 59% para 56% dos votos válidos.
No cálculo da cúpula do PSL, pesou a reportagem da Folha que mostrava que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT. Prejudicou a campanha também a circulação de um vídeo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair, no qual ele fala em fechar o STF.
Desde que decidiu concorrer à Presidência, o capitão reformado foi na contramão do que era apontado como receita de sucesso: filiou-se a um partido nanico, o PSL, o que lhe rendeu oito segundos de TV e não firmou alianças com partidos de expressividade.
No segundo turno, Bolsonaro seguiu sozinho: nenhum dos 11 presidenciáveis derrotados no primeiro turno declarou apoio oficial a sua candidatura. Ele rejeitou a tentativa de aproximação do tucano João Doria, que disputa o governo de São Paulo com Márcio França (PSB).
A um aliado, Bolsonaro confessou que prefere assim. Em seu raciocínio, um apoio oficial de partidos cujos quadros estão envolvidos em escândalos de corrupção poderia manchar sua imagem.
Nos bastidores, políticos tradicionais de legendas como o DEM, PSDB e PP já cercam o capitão reformado. Na semana que antecedeu o segundo turno, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), foi duas vezes a um hotel de luxo na Barra, a 350 metros da casa de Bolsonaro, que se tornou espécie de QG de sua campanha.
O PSL já articula apoiar a reeleição de Maia ao cargo. Em contrapartida, o deputado prometeu pautar ainda neste ano temas de interesse de Bolsonaro, como a revisão do Estatuto do Desarmamento.
Se jogou na defensiva no segundo turno, Bolsonaro deu o pontapé inicial em sua candidatura há mais de três anos. Começou a fazer viagens pelo Brasil em 2015 e, ao percorrer 24 dos 27 estados, captou um sentimento que une as classes mais abastadas às mais pobres: o antipetismo.
Adotou uma forma simples de fazer campanha: anunciava sua chegada nas redes sociais e, com isso, começou a encher saguões de aeroportos. Uma vez em terra, fazia carreatas. Das andanças pelo país, ganhou o apelido de mito.
O candidato docilizou sua imagem de autoritário após ter sido alvo da facada em Juiz de Fora (MG). Desde então, se deixou filmar emocionado, desfazendo a imagem de duro. Ganhou a confiança do mercado, o que se deve à indicação do economista Paulo Guedes como seu ministro da Fazenda.
Em quase 30 anos de Congresso, Bolsonaro tornou-se conhecido não por sua agenda legislativa, já que de mais de 170 projetos de lei apresentados, só dois foram aprovados.
Sua popularidade veio pela coleção de episódios controversos que vão desde a defesa do fechamento do Congresso, na década de 1990, até a revisão da política de direitos humanos.
Ele fez diversas declarações consideradas misóginas, homofóbicas e racistas.
Para desfazer as acusações, juntou ao seu lado negros, mulheres e gays. Na reta final, fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook ao lado de Karol Eller, que é lésbica, e do maquiador Augustin Fernandez.
Durante o vídeo, cometeu gafe ao tocar nos seios de Karol, que advertiu o candidato a presidente: “meu peito”. Constrangido, Bolsonaro respondeu: “Pensei que você não tivesse mais isso aí”, disse. Ela rebateu acrescentando ser apenas lésbica e não transgênero.
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