Tiro após ato pró-Bolsonaro na Paulista envolveu PM aposentado e guerra de versões

Bala perdida atingiu a perna de estudante de 19 anos que está internada com quadro estável desde domingo (15)

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São Paulo

A bala perdida que acertou uma jovem de 19 anos na avenida Paulista, em São Paulo, depois do ato em apoio ao presidente Jair Bolsonaro no domingo (15) foi disparada em meio a uma briga que envolveu um PM aposentado e artesãos que estavam no local, segundo os registros policiais do caso.

A investigação sobre o episódio tem uma guerra de versões entre o ex-PM, autor do disparo, e os outros envolvidos.

A briga ocorreu após o ato pró-Bolsonaro, realizado em meio à crise do coronavírus. No domingo, o presidente ignorou orientações do Ministério da Saúde, para que fossem evitadas aglomerações, e participou do protesto em Brasília —que também foi marcado por ataques ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Jovem baleada na avenida Paulista, em São Paulo, após a manifestação em defesa do presidente Jair Bolsonaro
Jovem baleada na avenida Paulista, em São Paulo, após a manifestação em defesa do presidente Jair Bolsonaro - Reprodução

Segundo o boletim de ocorrência registrado no 78º DP, da região dos Jardins, o PM aposentado e motorista Fábio Beltrão Barcelos, 56, relatou às autoridades que, após participar da manifestação pró-Bolsonaro, estava a caminho do metrô acompanhado do filho e de um casal de amigos quando foi abordado por uma mulher que gritou: “aê Bolsonaro, seu fascista, a gente fuma maconha”.

Segundo o depoimento de Barcelos, a mulher pegou a bandeira do Brasil que ele portava e passou a usá-la para agredi-lo. Em seguida, outra mulher passou a gritar “fascista” e também passou a golpeá-lo, de acordo com o relato dele.

Pela versão do PM aposentado, as mulheres passaram a incitar outras pessoas a participar das agressões dizendo que ele “gostava de bater em mulheres”, e um grupo se formou para atacá-lo. No meio da confusão, um homem que afirmou ser marido da mulher que iniciou a briga teria dado socos em seu rosto.

Segundo o texto do registro policial, Barcelos disse que “não reagiu às agressões, porém no momento em que passou a receber pauladas e teve seu relógio e óculos furtados sacou sua arma de fogo e deu um tiro direcionado ao chão para repelir os agressores”.

Já a artesã Rayanne Caroline Tejas Chagas relatou outra versão à polícia. Disse que estava perto do Shopping Center 3 fumando tabaco quando um homem se aproximou e pediu um pouco do fumo.

Segundo ela, os dois “passaram a enrolar um cigarro de forma artesanal” quando um homem que vestia a camisa do Flamengo usou o mastro de uma bandeira para acertar as mãos deles e derrubar o fumo.

Rayanne afirmou que questionou o homem sobre o ato violento e que ele passou a chamá-la de “noia”. Ela então mostrou a ele que estava fum ando tabaco e não estava consumindo drogas, mas mesmo assim ele passou a agredi-la usando a bandeira e dando socos.

Em seguida, pessoas que passavam pelo local tentaram apartar a briga e alguns reagiram para defendê-la. O namorado dela, Denis, viu o que estava ocorrendo e deu um soco no rosto de Barcelos.

A artesã disse que então o PM aposentado deu um tiro no chão, “em direção ao seu namorado”, e a bala acabou acertando uma mulher que estava em frente ao shopping.

Uma testemunha ouvida pela polícia disse que estava na parada de ônibus quando viu um homem acertando o braço de duas mulheres com um cabo de uma bandeira e que elas reagiram imediatamente com socos e empurrões. Neste tumulto, ainda segundo essa testemunha, o ex-PM retirou a arma e atirou para o chão, sem mirar para ninguém.

Outra testemunha afirma que estava em frente ao shopping quando viu um grupo de cinco mulheres agredindo um homem, sendo que elas seguravam um pedaço de pau (que parecia mastro de bandeira).

As mulheres estariam “iradas” e foram para cima do homem, que recuou até ficar encurralado. Foi neste momento que o homem retirou a arma, mirou nas pernas das pessoas e puxou o gatilho.

Procurado, o PM aposentado não quis comentar o assunto. A Folha falou com a família dele, que prometeu responder ao pedido de entrevista, o que não aconteceu.

A reportagem também tentou contato com a artesã e o companheiro dela, mas não teve sucesso.

De acordo com o registro policial, o disparo atingiu a coxa direita da estudante e funcionária de rede de fast food Luana Alves da Costa, 19, que foi encaminhada ao Hospital das Clínicas.

A assessoria de imprensa do hospital informou na quinta-feira (19) que a estudante está internada em um quarto da instituição e tem quadro estável.

A arma utilizada pelo policial estava registrada em nome dele e foi apreendida para ser periciada, segundo os registros da polícia.

De acordo com policiais ouvidos pela Folha, somente no desenrolar da investigação será possível afirmar qual das duas versões é a correta. Se a confusão começou porque o PM aposentado deu uma bandeirada no braço da artesã, para derrubar o fumo, ou se tudo começou após um grupo de mulheres passar a atacar o homem.

Não há dúvidas, porém, ainda segundo os policiais, de que o homem atirou após ser cercado por um grupo de mulheres que passou a agredi-lo. Nesse tumulto, também participou da agressão o companheiro da artesã, que confessou ter dado dois socos no rosto do PM.

Os policiais não tinham conseguido obter, até o começo da semana, nenhuma imagem de circuito de TV que pudesse ajudar a esclarecer o estopim da briga. O material obtido mostra apenas a confusão já em andamento.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que o caso está sendo investigado pelo 78º DP. As partes foram ouvidas, a arma encaminhada para a perícia e equipes estão trabalhando para esclarecer os fatos.

O caso levou entidades de defesa dos direitos humanos a pedirem apuração aprofundada do caso.

Em nota divulgada na segunda-feira (16), o Instituto Sou da Paz, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Conectas Direitos Humanos e a Frente Favela Brasil manifestaram preocupação e repúdio quanto ao disparo na avenida Paulista.

“A hipótese de que um manifestante tenha ido armado a esta demonstração política e feito uso de sua arma em local público a partir de uma discordância ideológica deve ser repudiada por toda a sociedade, com a identificação e a devida punição do agressor pelo sistema de justiça”, segundo a nota.

De acordo com as instituições, “a Constituição Federal proíbe cabalmente, no art. 5º, o porte de armas em manifestações públicas".

"Não podemos dissociar do fato a obstinação com que o presidente da República e setores do Congresso Nacional têm demonstrado para facilitar o acesso a armas de fogo pela população em geral em um momento de grande polarização e acirramento no debate público”​, afirmam.

Bolsonaro incentivou os atos pró-governo no domingo, desde cedo, em suas redes sociais —foram 38 postagens sobre o tema até as 18h30.

Sem máscara, ele esteve com manifestantes em Brasília, tocando simpatizantes e manuseando o celular de alguns para fazer selfies. “Isso não tem preço”, disse, durante transmissão ao vivo em suas redes sociais. Congressistas de variadas posições partidárias viram o recente comportamento de Bolsonaro em relação ao coronavírus como o gatilho para os panelaços ocorridos nos últimos dias no país.

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