De filhos a aliados do centrão, veja interesses de Bolsonaro na Polícia Federal

Novo ministro da Justiça anunciou nesta terça ex-chefe de segurança do Supremo como novo diretor-geral da PF

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São Paulo

Com aval de Jair Bolsonaro e no mesmo dia em que assumiu o cargo, o novo ministro da Justiça, Anderson Torres, anunciou nesta terça-feira (6) a mudança no comando da Polícia Federal, centro das atenções do presidente e alvo de embates ao longo do mandato.

Torres escolheu Paulo Maiurino para o cargo de diretor-geral da PF. Ele foi secretário de segurança do STF (Supremo Tribunal Federal) até setembro de 2020, tem no currículo cargos de confiança em governos do PSDB e do PT e é considerado hoje um dos quadros da corporação mais próximos da política.

O delegado assumirá o cargo no lugar de Rolando de Souza, que havia sido escolhido por Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e amigo dos filhos de Bolsonaro.

Com a concretização da troca, o governo Bolsonaro tem o seu quarto nome já indicado para a diretoria-geral da PF ao longo do atual mandato. Antes de Rolando, foram escolhidos para o cargo Maurício Valeixo e o próprio Alexandre Ramagem —que, porém, teve a nomeação suspensa por decisão judicial logo após ser nomeado.

O comando da PF é considerado estratégico por Bolsonaro e esteve no centro da disputa do presidente com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em 2020. Ao pedir demissão do governo, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na PF, órgão que mantém investigações no entorno de aliados e da família presidencial.

Veja, a seguir, temas de interesse de Bolsonaro na Polícia Federal.

Moro

Paulo Maiurino ocupará o lugar de Rolando de Souza, que chegou ao posto em um momento turbulento, após Sergio Moro e o então chefe da PF, Maurício Valeixo, pedirem demissão acusando o presidente de querer interferir nos trabalhos do órgão.

O ex-juiz da Lava Jato disse que, além do diretor-geral, Bolsonaro queria trocar os superintendentes da PF no Rio e em Pernambuco. Ele não expôs quais seriam os motivos do interesse de Bolsonaro, mas afirmou que não lhe foram apresentadas razões ou causas aceitáveis para esse tipo de substituição.

Na época, Bolsonaro decidiu nomear Ramagem, mas o ministro Alexandre de Moraes, do STF, vetou a posse sob a alegação de que violava o princípio da moralidade e da impessoalidade —devido à amizade do delegado com a família do presidente. Após a saída de Moro do governo, o Supremo instaurou um inquérito para apurar as acusações.

Em depoimento prestado à polícia sobre o tema, Moro apresentou uma mensagem que recebeu de Bolsonaro relativa ao assunto: "Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse o presidente a Moro, por mensagem de WhatsApp, segundo transcrição do depoimento do ex-ministro à PF.

Na época, a corporação trocou a chefia no Rio. O delegado Carlos Henrique Oliveira deixou o cargo para ser o diretor-executivo da polícia, número dois na hierarquia do órgão, e Tássio Muzzi entrou no seu lugar.

Renan Bolsonaro, o 04

Um inquérito da PF para apurar suposto tráfico de influência de Jair Renan, filho 04 do presidente, foi aberto após pedido da Procuradoria com base em representações movidas pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) e pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE), que citaram reportagens da revista Veja e da Folha.

A Veja revelou em novembro que Renan visitou as instalações de um grupo empresarial do Espírito Santo que comercializa material de construção. Logo depois, informou a revista, eles doaram um carro elétrico a Renan, avaliado em R$ 80 mil, e conseguiram apresentar um projeto ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Já a Folha revelou em dezembro que a cobertura com fotos e vídeos da festa de inauguração da empresa de Renan, em outubro, foi realizada gratuitamente por uma produtora de conteúdo digital e comunicação corporativa, a Astronautas Filmes, que presta serviços ao governo federal.

Somente no ano passado, a empresa recebeu ao menos R$ 1,4 milhão do governo Bolsonaro. A empresa prestou serviços para os ministérios da Educação, Saúde e Casa Civil.

Fake news

Em março de 2019, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news que atingem membros da corte.

Paralelamente, em setembro de 2019, a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News foi instalada no Congresso. A família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis que fazem parte do arco de apoio do presidente da República.

A comissão identificou, com a ajuda de policial federal cedido ao Congresso, a participação de assessor do parlamentar na disseminação de ataques nas redes contra políticos e Judiciário.

A Folha revelou que a Polícia Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, como um dos articuladores do esquema criminoso de fake news, segundo investigação sigilosa conduzida pelo STF. ​Bolsonaro vinha demonstrando receio a Moro em relação à investigação.

Partidos do centrão

O isolamento de Bolsonaro o levou a negociar com partidos do centrão. Vários integrantes das siglas são alvos da operação Lava Jato, que teve em Moro seu principal personagem até o final de 2018.

Alguns parlamentares suspeitam que o afastamento de Valeixo e o consequente enfraquecimento de Moro tenha entrado no acerto que o presidente tem costurado com o bloco.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é alvo de duas denúncias por crimes de corrupção passiva e organização criminosa, resultantes de investigações da Lava Jato. As duas acusações foram julgadas e aceitas pelo Supremo.

No andamento processual, após a denúncia ser aceita, a fase seguinte é a abertura da ação penal. Nela, os acusados passam a ser réus. Mas cabem recursos.

E foi justamente o que ocorreu nos dois casos que envolvem Lira. Foram apresentados recursos contra as decisões dos ministros de aceitar as denúncias, adiando a abertura das ações penais.

Atos antidemocráticos

Em 19 de março de 2020, apoiadores do presidente fizeram manifestações, com a presença de Bolsonaro, pedindo o fechamento do Congresso e do STF. No dia seguinte, a PGR pediu instauração de inquérito e um dia depois Moraes autorizou o início das investigações sobre os organizadores dos atos antidemocráticos.

A investigação da Polícia Federal e da PGR (Procuradoria-Geral da República) chega perto do núcleo político do presidente e atingem nomes importantes do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro pretende fundar.

O segundo vice-presidente da sigla, que ainda não foi criada oficialmente, o empresário Luís Felipe Belmonte, foi alvo de busca e apreensão e é um dos investigados. Sérgio Lima, um dos idealizadores da legenda e que se autointitula marqueteiro do partido, também foi alvo de mandado de busca e apreensão. Em março de 2020, ele esteve na comitiva de Jair Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos.

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o youtuber Allan dos Santos também são investigados e tiveram busca em suas casas por determinação de Moraes. Além deles, são investigados blogueiros que mantêm sites de apoio a Bolsonaro, como Roberto Boni e Ernane Neto.

Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente, não figuram como investigados no caso e prestaram depoimento na condição de testemunha. A oitiva de Eduardo durou mais de seis horas. Ele confirmou participação em reunião com Allan dos Santos, mas negou que tenha repassado notícias falsas ou incentivado pautas antidemocráticas.

Carlos também negou estimular protestos pelo fechamento do Congresso e do Supremo e ainda refutou a ideia de uso de robôs para impulsionar informações falsas nas redes. "Jamais fui covarde ou canalha a ponto de utilizar robôs e omitir essa informação", disse.

'Rachadinhas'

Em agosto de 2019, Bolsonaro anunciou que trocaria o então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade.

A PF do Rio passava por momento delicado na ocasião, especialmente após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, PM aposentado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente.

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.

Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações.

Embora esse caso especificamente não esteja com a PF, o órgão tocava na época investigações envolvendo personagens em comum. E a Superintendência da PF no Rio tinha inquérito com base em relatório de inteligência financeira no qual o nome Queiroz era mencionado.

Flávio Bolsonaro era alvo de um procedimento sobre falsidade ideológica eleitoral por suposta ocultação de patrimônio na declaração de bens à Justiça eleitoral em 2014. Ele teria declarado um imóvel pelo valor abaixo do real.

Ao concluir a investigação, no início de 2020, o delegado Erick Blatt apontou que não havia indícios do crime eleitoral e também de lavagem de dinheiro, que não era objeto inicial da apuração. A conclusão não afetou a apuração sobre "rachadinha”.

Marielle

O nome de Jair Bolsonaro (sem partido) foi colocado nas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) a partir do depoimento de um porteiro do condomínio onde vivia o presidente antes de assumir o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019.

A citação veio à tona em outubro de 2019, quando o Jornal Nacional, da TV Globo, veiculou reportagem que fez menção ao nome do presidente na investigação do assassinato, ocorrido em março de 2018.

Segundo o Jornal Nacional revelou à época, o depoimento de um porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem casa na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, indicaria que um dos acusados pelo assassinato teria chegado ao local e dito que iria à casa do então deputado federal. Isso teria acontecido horas antes da morte de Marielle.

O Ministério Público, porém, disse em seguida que o depoimento do porteiro não condizia com as provas técnicas obtidas e que ele pode ter mentido. Além disso, no dia da morte de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília. Dias depois, o porteiro afirmou à Polícia Federal ter cometido um erro ao mencionar o presidente.

Já em fevereiro de 2020 foi concluído um laudo do ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli), da Polícia Civil do Rio, realizado em cinco HDs apreendidos no condomínio, onde moravam tanto Bolsonaro como o policial militar aposentado Ronnie Lessa, um dos acusados e preso pelo homicídio.

O laudo aponta que o porteiro que interfonou para Lessa não é o mesmo que prestou depoimento apontando o envolvimento de Bolsonaro.

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