Cerca de um mês e meio após a deputada estadual Isa Penna (PSOL) ter denunciado o colega Fernando Cury (Cidadania) por assédio, o processo que pode resultar na cassação do mandato do deputado começou a tramitar na Assembleia Legislativa de São Paulo, que volta do recesso nesta segunda-feira (1º).
A presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, Maria Lúcia Amary (PSDB), disse à Folha que notificaria o deputado já nesta segunda para que Cury apresente sua defesa num prazo de cinco dias úteis.
Como previsto, segundo a assessoria de Amary, Cury foi notificado nesta segunda, de duas formas —por e-mail, pela manhã, e pessoalmente no gabinete, às 15h21. A assessoria do deputado confirmou ter recebido a notificação para apresentar sua defesa.
Na quarta-feira (3), Amary adianta que será realizada, às 11h, uma reunião virtual do conselho para analisar a admissibilidade da denúncia.
“Pela resolução que fizemos logo que assumi a presidência, a admissibilidade já faz parte de todos os processos. Não tivemos nenhuma situação de arquivamento. Isso não significa que haverá uma condenação”, afirma Amary.
A deputada explica que apenas após a manifestação da defesa do deputado será definido o relator do caso, que tem um prazo de 15 dias corridos para apresentar um parecer. Neste período, evidências e testemunhos adicionais podem ser solicitados.
A cassação é a pena mais grave prevista no regimento. O deputado também pode ser advertido verbalmente, censurado (verbalmente ou por escrito) ou ter seu mandato suspenso temporariamente. O caso pode ainda ser arquivado sem punição.
O regimento prevê que, para cassação ou suspensão, além da maioria de seis entre os membros do conselho, é preciso o aval do plenário em votação secreta. A suspensão exige maioria dos presentes num quórum de 48 deputados, enquanto a cassação demanda o mínimo de 48 votos favoráveis.
Membros do conselho que divergirem do relator, que recomendará uma das hipóteses acima, podem colocar outras propostas em votação. Cada membro tem direito também a pedir vistas, o que pode atrasar a tramitação.
Do total de 94 deputados estaduais, apenas 18 são mulheres.
No conselho, entre nove membros, Amary é a única mulher –seus colegas são Adalberto Freitas (PSL), Emidio de Souza (PT), Barros Munhoz (PSB), Wellington Moura (Republicanos), Delegado Olim (PP),Alex Madureira (PSD), Campos Machado (Avante) e Carlos Giannazi (PSOL), que cederá seu lugar à suplente Erica Malunguinho (PSOL).
À Folha, Isa afirmou esperar a cassação de Cury como resultado do processo, mas disse que acatará o que o plenário decidir.
“A não cassação é uma condenação para mim, que vou ter que conviver com meu assediador”, disse.
“Espero que o Conselho de Ética me escute, assim como a sociedade está me escutando. Os deputados vão ser capazes de me escutar e colocar no meu lugar suas filhas, esposas e mães”, completa.
Questionada sobre a dificuldade de obter maioria pela cassação no plenário, Isa afirmou que “o sigilo de voto é uma brecha para o corporativismo masculino”, mas disse contar com a mobilização da sociedade civil e não duvidar da força das mulheres.
Em nota, a assessoria de Cury afirmou que “a expectativa da defesa é que se faça um julgamento com isenção, serenidade e sem politização, para que haja justiça”.
Entre os deputados, a avaliação é a de que Erica e Emidio buscarão defender a cassação de Cury. A punição mais grave, porém, tende a não ser abraçada por deputados considerados conservadores, como Olim, Adalberto, Moura e Alex.
É possível que, para evitar a cassação de Cury, os deputados formem maioria no conselho por uma punição dura, mas intermediária, como a suspensão. Nos bastidores, parlamentares entendem que essa é a opção dos veteranos Campos e Munhoz, que seriam contra a cassação, mas argumentam que o caso exige resposta exemplar e não simbólica.
Por um lado, a cassação dificilmente passará no plenário de acordo com parlamentares ouvidos pela Folha —a não ser que haja grande mobilização social para isso.
Por outro lado, porém, não é provável que seja formada uma tropa de choque pró-Cury disposta a sustentar uma punição leve, como advertência ou censura —sobretudo se o relator propuser a suspensão.
Isso porque a sanção verbal já foi aplicada em casos menos graves nesta legislatura.
Caberá ao relator, segundo os deputados, sentir o clima da Casa, ouvir líderes de bancadas e as parlamentares mulheres, para fazer sua recomendação dentro das expectativas.
Cientes de seu papel de juízes, os membros do Conselho de Ética buscaram não antecipar suas opiniões à Folha.
O vice-presidente do conselho, Alex, é o deputado com quem Cury conversa antes de ir até Isa e tocá-la. O vídeo mostra que Alex tenta segurar Cury pelo braço.
Questionado sobre o teor da conversa com Cury, Alex afirmou que não pode se manifestar. “Eu não posso emitir opinião pública num assunto que eu vou julgar”, disse.
“Eu sei o que aconteceu. Eu vi o fato, eu presenciei o fato”, completa. Alex afirmou ainda que, se necessário, vai dividir com os colegas do conselho qual foi a conversa entre ele e Cury pouco antes do assédio.
Freitas afirmou que procura ouvir os dois lados para fazer o juízo e disse que não conversou com Isa ou Cury desde que houve a denúncia. “Aquele fato deve ter desencadeado alguns problemas pessoais e aí não quis incomodar”, disse.
“Na hora certa, vou ter meu voto. Agora não vou falar nada. Só tenho lido o que a imprensa tem colocado”, afirma Olim.
Munhoz afirmou que recebeu uma ligação rápida de Cury, que entrou em contato para se defender, mas que não foi procurado por Isa. O deputado criticou a morosidade dos processos no Legislativo e defendeu uma tramitação célere.
“Não é simplesmente com base numa imagem que a gente deve decidir. Acho que ele tem que ter todo o direito de defesa”, disse.
“A gente tem que ter consciência de que esse é um assunto que não pode ficar no esquecimento e muito menos na água morna", completou.
Do lado da oposição, Emidio preferiu não emitir posicionamento para não “ajudar a invalidar o processo depois”.
Próximo de Isa, ele diz ter trabalhado com a deputada atrás de assinaturas de colegas para que a tramitação no conselho ocorresse ainda durante o recesso, algo que não foi alcançado.
O parlamentar afirma que a oposição é muito inferior em número de votos na casa, mas que não é certo que Cury terá a defesa do governo, apesar de integrar sua base.
“Esse não é um assunto do governo. Esse é um assunto interna corporis da Assembleia. Provavelmente, o deputado vá pressionar o governo para assumir a defesa dele. Acho que o governo não entra nisso. Acho que ele vai apelar para o espírito de coisa, aquela coisa do hoje sou eu e amanhã pode ser você”, afirma.
Giannazi discorda do colega e afirma ter certeza de que o deputado será protegido. “Nós sentimos uma solidariedade silenciosa ao Fernando Cury”, disse.
Ele diz ainda que pedidos de vista e outros recursos regimentais devem ser usados para atrasar o processo, principalmente no plenário.
Erica, que vai substituir Giannazi para aumentar o número de mulheres no colegiado, afirmou esperar um processo célere, com lisura e independência.
“Não estou no conselho para interceder por Isa, mas para julgar um caso de assédio de uma mulher. Não posso fazer esse julgamento antecipado”, disse.
A deputada afirmou ainda que a falta de mulheres no conselho é algo estrutural, que reflete a minoria feminina no Legislativo.
“Uma vez que vez que vamos tratar de assédio contra uma mulher, seria importante ter mais mulheres. Mas espero que a condição de gênero dos homens não interfira na análise”.
Campos e Moura preferiram não falar à reportagem.
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