PSDB não deve fazer oposição sistemática a Bolsonaro, diz Eduardo Leite, governador do RS

Consolidado como opção presidenciável do PSDB em oposição a Doria, ele afirma que obstruir o governo federal prejudica a população

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São Paulo

Na semana em que se consolidou dentro do PSDB como alternativa a João Doria (PSDB) para candidatura presidencial no ano que vem, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), 35, fez questão de demarcar suas diferenças em relação ao governador paulista.

Em entrevista à Folha, Leite defendeu seu estilo moderado em contraposição a ataques, disse não fazer política ao sabor dos ventos e nem como aspiração pessoal, e ainda lembrou que Doria fez campanha para o presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Há também uma distância em relação a oposição a Bolsonaro. Doria pretende adotá-la como regra no partido, enquanto Leite vê na oposição sistemática custos para a sociedade e ressalta alinhamento com o governo federal no plano da economia.

O governador Eduardo Leite em reunião com tucanos que lançaram sua candidatura ao Planalto - Gustavo Mansur - 11.fev.21/Divulgação Palácio Piratini

Nesta sexta-feira (12), os tucanos impuseram uma derrota a Doria ao reconduzir Bruno Araújo para a presidência do partido. Aécio Neves (PSDB-MG) também propôs que a sigla realize prévias, o que fortalece Leite, embora o gaúcho rejeite qualquer aproximação com o deputado.

Atendendo a deputados, o sr. deu início a um processo quase de pré-candidatura à Presidência. Quer isso e se sente preparado? Por mais que insistam em falar em pré-candidatura, se trata de discutir um projeto para o país. Nesse sentido, estou preparado. O que os deputados me pediram foi que eu compartilhasse a experiência, que dialogasse com pessoas de forma a construir um projeto de centro, de moderação. Quero cumprir minha parte. Mas candidaturas vão ser definidas no momento apropriado.

Doria tem uma candidatura desenhada para a Presidência. Sua postura não o confronta e as prévias não trazem o risco de separar o partido? Eu não acho que prévias sejam um problema. Elas podem significar bons debates para a construção não só de uma candidatura, mas de uma visão de programa partidário. Nos EUA, há essa tradição. Há um sentimento de que o país precisa ter alternativas em contraponto ao que a gente observa do presidente da República.

E o contraponto é exatamente a moderação, a ponderação, a sensatez, a sobriedade. Quem tem disposição de fazer o contraponto com esses valores não tem que temer fazer um processo de prévias. Tem que se analisar quem tem capacidade de gestão, capacidade política de aglutinação e capacidade eleitoral de fazer o projeto prosperar nas urnas. Mas a capacidade eleitoral não é determinada apenas pela capacidade individual, carismática, ela é também determinada pelas circunstâncias e estamos ainda a um ano e meio da eleição.

O sr. defende o contraponto ao presidente pela ponderação. Quando diz isso, está criticando o estilo mais enfático de ataques de Doria?A postura do presidente da República é muito clara, sempre foi de ataques, de agressões, de radicalismo, que fazem se desperdiçar uma energia que deveria estar aplicada em fazer prosperar agendas que poderiam transformar o país. O que a gente tem que apresentar de contraponto não é devolver radicalismo com radicalismo, devolver ataques com outros ataques e agressões.

O contraponto tem que ser feito insistindo na ponderação e na moderação, esse é o meu jeito. Cada um tem sua forma de fazer política. São estilos, que poderão ser comparados pela população assim como já são comparados no partido.

Nos aspectos gestão, política e viabilidade eleitoral, como o sr. vê suas condições e as de Doria? O mais importante não é como eu vejo, mas como os outros veem, especialmente dentro do partido. Para que a decisão seja para o caminho que o partido entende ser o mais adequado e que eleitoralmente vai melhor se relacionar com a percepção do eleitor. Estou falando sobre se adequar à visão do eleitor, mas não que isso signifique comportamento oportunista de adequar a forma de fazer política àquilo que mais poderá render votos no curto prazo. Não é sobre sermos conduzidos ao sabor dos ventos.

Parlamentares tucanos em encontro com Leite, para apoiá-lo em candidatura presidencial e fazer oposição a Doria - Gustavo Mansur - 11.fev.21/Divulgação Palácio Piratini

O sr. é cuidadoso em relação à candidatura, mas tucanos afirmam que o sr. venceria as prévias em todos os estados. O sr. vê esse cenário? O governador Doria já disse em algum momento que tem disposição para dialogar sobre os melhores caminhos —que não sejam exclusivamente uma candidatura sua. Se essa é a posição dele, é também a minha. Eu não faço a política para atender a uma aspiração pessoal.

Precisamos colocar o país no rumo da sobriedade, o que não significa ausência de posição. Muita vezes se confunde o não conflito, o não radicalismo com o morno, com o que não se compromete. Significa conciliar posição com convicção mas sem desrespeitar quem pensa diferente. No fim das contas, quem paga o preço dessa não disposição com a construção de um projeto comum, que seja consistente do ponto de vista eleitoral, é a população.

Esse governo não é como outro qualquer no desafio à democracia, no desprezo à vida. Não acha que esse governo deveria, sim, ter uma resposta de oposição mais enfática, como a que Doria dá?Naquilo que diz respeito ao negacionismo, em relação à ciência, ao desprezo pelos cuidados com a saúde e com a vida das pessoas, sem dúvida nenhuma.

De outro lado, o governo apresenta, do lado econômico, pautas que se aproximam daquilo que a gente defende. Digo que se aproxima porque ainda são tímidas. Então não tem como fazer oposição sistemática, aquela que obstaculiza, que impede totalmente as ações do governo, porque, apenas numa intenção de benefício eleitoral, o partido estaria dificultando as condições de o país minimamente contornar esse problema econômico.

A dona Maria e o seu João que lá na ponta sofrem as consequências. Se não temos a mínima disposição para o diálogo, talvez aos olhos desses cidadãos, farão justificar o argumento do presidente de que ele tenta fazer e não o deixam.

O PSDB foi oposição ao PT por 13 anos, qual a dificuldade de ser oposição ao Bolsonaro? E sempre se falou que o PSDB não sabia fazer oposição ao PT. O PSDB não sabe fazer e nem deve saber [fazer] oposição sistemática porque é uma oposição que, no fim das contas, impõe custos para a própria sociedade.

A divergência no PSDB escancarada nesta semana é uma divergência sobre ser oposição ou não, sobre expulsar Aécio Neves ou não, ou no fim das contas é uma divergência sobre ser a favor ou contra Doria? Não há nenhuma influência de Aécio Neves nessa discussão como tenta fazer crer o governador João Doria. Eu mesmo já me manifestei várias vezes que entendo que Aécio deveria ter sido expulso ou que tivesse se retirado do partido. Temos que respeitar a democracia interna do partido. Essa etapa está superada. Essa tentativa de dizer que tem uma ala de Aécio e uma ala contra Aécio é uma mentira.

Se isso é uma mentira, qual o cerne da divisão no partido? A divisão está [no fato de] que a construção do projeto do PSDB deva envolver as lideranças como um todo, e não se impor a partir de alguém ou de um grupo específico.

Aécio, ao propor que o partido necessariamente faça prévias, fez um movimento que beneficia o sr diretamente. O sr. vê uma espécie de apadrinhamento de sua candidatura por ele? De forma alguma. Eu não tenho qualquer contato com o deputado Aécio Neves. Pelo menos 12 parlamentares estiveram no Rio Grande do Sul conversando comigo. Resumir essa conversa a um posicionamento do Aécio seria diminuir a liderança de um senador e de mais uma dezena de deputados de diversos estados.

Seu campo político está congestionado com Luiz Henrique Mandetta (DEM), Sergio Moro, Luciano Huck, Doria e até Ciro Gomes. Como vê esse espaço pequeno para tantos nomes? A um ano e meio da eleição é positivo que o país tenha alternativas, nomes para um projeto de centro. No momento adequado, talvez estrategicamente seja melhor a busca por maior aglutinação.

A esquerda já se posicionou com Fernando Haddad (PT). Teme que o centro seja estrangulado numa polarização? Por isso entendo que as candidaturas de centro devem guardar todo o respeito e a possibilidade de diálogo permanente. No sentido de buscar construir a maior convergência possível, que possa furar o bloqueio desse radicalismo. O país parece ter dado mais importância em tempos recentes, talvez por escândalos de corrupção de uma parte ou de outra, a simplesmente que um campo político ou outro deveria ser exterminado, como se um ou outro fosse responsável pela corrupção. E os grandes debates acabaram ficando em segundo plano.

Em 2018, o sr. e Doria apoiaram Bolsonaro. Se o cenário se repetir em 2022, com Bolsonaro e o PT, o sr. repete sua posição? Foi nesse contexto que eu disse em outra entrevista que eu não associei meu nome ao de Bolsonaro, porque acho importante, no momento em que o país venha a me conhecer mais, que saiba o que aconteceu e distinga daquilo que se observou em outros lugares, como São Paulo. Eu sofri pressão para que fizesse campanha casada com Bolsonaro e não cedi. E manifestei, em função da eleição plebiscitária que é a do segundo turno, pela não volta do PT. Não seria desejável a volta do PT, especialmente de uma candidatura que buscava conselhos na prisão. Eu manifestei o voto como eleitor, não fiz campanha apoiando ou apoiada na candidatura de Bolsonaro. As circunstâncias para 2022 dependerão de como se comportarão as candidaturas.

Como vê a investigação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em relação à pandemia e acha que Bolsonaro também pode ser enquadrado? Não dá pra dissociar a atuação do ministro das diretrizes dadas pelo presidente. De outro lado, ressalto que recebemos sempre atenção do Ministério da Saúde para habilitação de leitos, recebimento de insumos, de equipamentos. O principal enfrentamento com o governo federal se deu nas manifestações do presidente com relação ao distanciamento.

Como construtor de um projeto nacional, o sr. deve ter em mente a questão de Manaus. Se não faltou nada ao Rio Grande do Sul, lá faltou oxigênio. A situação de Manaus, como de outros estados que passam por dificuldades, merece a apuração devida para identificar responsabilidades. Seria uma irresponsabilidade eu atribuir as responsabilidades apenas pelas notícias de jornal. Isso merece uma apuração mais profunda sobre as ações e omissões dos agentes, porque temos um sistema único de saúde que envolve as três esferas: municípios, estados e União.

Como avalia a ação do governo federal em relação à vacina? O presidente negou a importância da vacina e insistiu num tratamento que não tem comprovação científica. Foi muito responsável por retardar a viabilização da própria vacina. A postura do presidente foi errada, mas agora é trabalhar para poder recuperar eventual tempo perdido.

Raio-X

Eduardo Leite, 35
Filiado ao PSDB desde os 16 anos, foi vereador, presidente da Câmara e prefeito de Pelotas (2013-2017) antes de concorrer a governador, em 2018, quando derrotou José Ivo Sartori (MDB), que tentava a reeleição. Formado em direito, declarou "apoio crítico" a Jair Bolsonaro (então no PSL, hoje sem partido) no segundo turno da eleição presidencial

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