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Erro da oposição com Lula no mensalão estimula pressão por impeachment de Bolsonaro

Em 2005, partidos optaram por deixar petista no cargo 'sangrando', mas estratégia saiu pela culatra

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São Paulo

O que faz mais sentido, priorizar o impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido), correndo o risco de que um eventual fracasso do processo o fortaleça, ou fazer a aposta de que o presidente vai sangrar politicamente no cargo até a eleição?

Este dilema tem sido debatido na oposição a Bolsonaro, com uma certa vantagem, até o momento, para a defesa do afastamento imediato do presidente —opositores de Bolsonaro vão às ruas de novo neste sábado (19) em protesto contra o presidente.

Em parte, o motivo dessa vantagem agora pelo impeachment é uma lição aprendida 16 anos atrás. Muitos dos que hoje estão envolvidos na discussão foram protagonistas de uma situação parecida em 2005, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na ocasião, a aposta da oposição por deixar o presidente se desgastar no cargo saiu pela culatra.

O contexto era o mensalão, revelado em junho de 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), em entrevista à Folha.

Em 11 de agosto daquele ano, o responsável pelo marketing político da campanha de Lula, Duda Mendonça, deu um depoimento bombástico à CPI que investigava o escândalo, confessando ter recebido pagamentos em caixa dois da campanha em contas vindas do exterior.

Imediatamente, abriu-se uma crise no PT e entre aliados do governo, e a palavra impeachment começou a ser pronunciada.

“Assim que o Duda fez essa revelação eu saí da sala da CPI e fui à tribuna do Senado para dizer que ali havia uma confissão de crime e que isso poderia gerar o impeachment do presidente”, diz o senador Álvaro Dias (PR), à época no PSDB e atualmente no Podemos.

Naquela mesma noite, advogados do PFL (atual DEM) começaram a desenhar um pedido de impeachment de Lula, que era defendido por diversos caciques do partido, como o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia.

Mesmo líderes de outras legendas, como então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), viam um presidente no fim da linha. “O governo passa por uma insolvência política”, disse.

Até na esquerda houve pressão, com o recém-criado PSOL cogitando um plebiscito sobre a permanência ou não de Lula no poder.

O publicitário Duda Mendonça durante depoimento à CPI dos Correios, que investigou o mensalão, em agosto de 2005 - Lula Marques - 11.ago.2005/Folhapress

O ânimo inicial arrefeceria nos dias seguintes, no entanto. Quatro dias após o depoimento-bomba de Duda, líderes de PFL, PSDB, PPS, PDT e PV reuniram-se para uma discussão sobre o cenário.

Concluíram que pressionar pelo impeachment daria aos opositores a pecha de golpistas. Além disso, concordaram que Lula mantinha ainda apoio político considerável no Congresso e nas ruas, o que colocava em dúvida a viabilidade de aprovar o afastamento.

Mais importante, avaliaram de forma unânime que este era um governo mortalmente ferido em sua credibilidade e que não se recuperaria a tempo da eleição presidencial de 2006, a meros 14 meses de distância. Faria mais sentido portanto deixar Lula desgastado no cargo.

“Queremos ganhar o jogo, mas não por WO. Não queremos transformar o presidente Lula em mártir, queremos vencê-lo pelo voto”, discursou o então líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), que chegou a bradar “fica, Lula!” da tribuna.

Acuado, o presidente se cercou de fiéis aliados para se blindar politicamente.

“Fizemos uma reunião no Palácio do Planalto, com umas 100 organizações que foram recebidas pelo Lula. Foi uma conversa muito dura, em que cobramos mudança na economia, afastamento do grande capital e fim da relação fisiológica com o Congresso”, diz João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Em 16 de agosto, cerca de 10 mil pessoas de movimentos de esquerda saíram às ruas em Brasília para defender o presidente. Seguiram-se manifestações em outras cidades do país, que esfriaram ainda mais o ânimo da oposição pela via do impeachment.

O então líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), afirma que a percepção naquele momento é que Lula estava fragilizado e num processo de deterioração progressiva.

O que veio a seguir, diz ele, não tinha como ser previsto. “O presidente estava frágil, mas tinha uma base de população com ele. Ele foi reeleito, se recuperou, é do jogo democrático”, afirma.

A mobilização popular, afirma Aleluia, foi levada em conta naquele momento, mas não foi a razão fundamental para o recuo da oposição.

“O apoio popular é importante, e quem é político não pode deixar de considerar as ruas. Mas não foi a razão principal. O que nós avaliamos é que o Brasil não podia viver de impeachment em impeachment”, afirma ele.

Curiosamente, uma década depois, nas mobilizações contra a presidente Dilma Rousseff (PT), a cautela em não submeter o país ao traumático processo de afastamento desapareceu nas mobilizações de oposição.

Para Tarso Genro, que era o presidente do PT em 2005, o que garantiu a continuidade do governo Lula foram as condições políticas do momento.

“Impeachment é sempre determinado por uma relação de forças. Independente do depoimento [de Duda], não ocorreram fatos políticos que retirassem a legitimidade do governo. A CPI demonstrou que havia problemas no governo, mas ficou claro que não havia o que deslegitimasse a eleição de Lula”, afirma.

Tendo sobrevivido no cargo, o presidente passou a recuperar força política, ajudado pela melhora da economia. Em 2005, o PIB cresceu 3,2%, taxa que subiu para 4% no ano eleitoral de 2006. Lula acabaria se reelegendo em segundo turno, contra o tucano Geraldo Alckmin, apesar dos escândalos de corrupção.

“Mesmo no auge daquela CPI, no momento da confissão do Duda, a economia já estava empinando, puxada pelas altas nos preços das commodities. Seis meses depois, a situação do Lula já era bem melhor. Talvez esse fato tenha evitado gerar uma crise que pudesse fortalecer um processo de impeachment”, diz o presidente do PPS, Roberto Freire, partido que havia acabado de romper com Lula.

Dezesseis anos depois, há semelhanças claras nos cenários político e econômico. Desgastado em razão da pandemia, Bolsonaro também aposta num novo ciclo de alta das commodities para turbinar o crescimento econômico e elevar sua popularidade. Alguns analistas já falam em subida de 5,5% no PIB.

O timing eleitoral também é parecido, com uma eleição a apenas 16 meses de distância, o que leva de volta à discussão sobre se vale a pena avançar com um processo de impeachment.

Para Genro, defensor do afastamento de Bolsonaro o quanto antes, as semelhanças param por aí.

“Estamos numa situação diferente, há uma questão relacionada à putrefação do Estado, que o próprio governo está promovendo. Quanto mais Bolsonaro permanecer no poder, mais deteriorada fica a institucionalidade democrática do país”, diz.

João Paulo, do MST, concorda. “O resultado das urnas no ano que vem será o das ruas agora. Não adianta deixar para depois, até porque desde que criaram a reeleição, todos os presidentes que foram candidatos venceram. Não vamos cair nessa”.

Já o senador Alvaro Dias, que na época defendeu o impeachment de Lula, hoje é mais cauteloso. “Temos que fazer todo o possível para evitar a confirmação dessa polarização atual. O impeachment certamente acirraria a polarização”, diz ele, que defende uma “terceira via” contra Lula e Bolsonaro.

Sobre a escolha da oposição em 2005, ele não mede as palavras. “Foi um equívoco naquele momento, uma aposta errada. Faltou coragem à oposição”, diz.

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