'Mais uma desse cara, não aguento mais', disse Bolsonaro sobre líder do governo, segundo deputado

Em entrevista à Folha, Luis Miranda afirma que presidente parecia desconhecer negociações sobre a vacina

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro teria reclamado e se mostrado novamente desapontado ao perceber a relação do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), com o grupo que negociou a venda da vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde.

“Mais uma desse cara. Eu não aguento mais”, disse o presidente, segundo o deputado Luis Miranda (DEM-DF) relatou à Folha.

O deputado e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação da Saúde, levaram a Bolsonaro, em 20 de março, as suspeitas de irregularidades na compra. Eles também foram ouvidos pela CPI da Covid no Senado na sexta-feira (25).

Deputado federal Luis Miranda durante depoimento na CPI da Covid - Adriano Machado\ REUTERS

A existência dessas denúncias em torno vacina foi revelada pela Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso ao MPF (Ministério Público Federal) do servidor. O caso arrastou Bolsonaro ao centro das apurações da CPI, e só agora o presidente disse que a Polícia Federal vai investigar o caso.

Segundo o relato do deputado, Bolsonaro perguntou a ele e a seu irmão se era possível “precisar” que Barros tinha influência no caso da Covaxin. Eles teriam respondido que não sabiam.

“Aí ele disse: ‘Esse pessoal, meu irmão, tá foda. Não consigo resolver esse negócio’. Ele deu a entender que sabia de outros problemas, inclusive”, disse Miranda.

Segundo Miranda, Bolsonaro recebeu na reunião recortes de notícias que citavam a Global Gestão em Saúde, empresa que recebeu R$ 20 milhões, em 2017, na gestão de Barros na Saúde, e não entregou os medicamentos prometidos.

A Global é uma das sócias da Precisa Medicamentos, que fechou o contrato de R$ 1,6 bilhão para venda de 20 milhões de doses da Covaxin ao Brasil.

“Esse caso aqui o Ricardo Barros está envolvido?”, questionou o presidente, segundo relato do deputado, ao ver as informações sobre a Global.

De acordo com o deputado, ao confirmar a relação, Bolsonaro falou em tom de desabafo: “Não sei o que fazer mais”.

“Aí a gente fala [ao presidente]: ‘Esse caso é grave, tem de dar uma atenção a isso’. E ele solta que queria encaminhar para o DG [diretor-geral] da Polícia Federal”, disse Miranda à Folha.

O deputado não quis responder se ele ou o seu irmão gravaram Bolsonaro ao levar as suspeitas. Miranda afirmou, porém, que o presidente poderá tomar um "susto" se tentar confrontar a versão apresentada por eles à CPI.

Miranda afirma que Bolsonaro parecia desconhecer os detalhes da compra da vacina. Cada dose do imunizante foi negociada a US$ 15, maior valor contratado pelo governo federal.

Segundo o deputado, a conversa com o presidente durou 50 minutos. O nome de Barros entrou em pauta após 10 minutos de diálogo, disse ele. No mesmo encontro o presidente também teria reclamado do aumento do preço de combustíveis, entre outros assuntos.

Para o deputado, a reação sugere que Bolsonaro não tem controle sobre os assuntos da Saúde. “Ele não sabia nem do caso. É como se a pasta tivesse um dono, e não o presidente da República. É como se aquele ambiente ali não pertencesse a ele”, afirmou.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, divulgou uma nota neste domingo (27) para rebater suspeitas apresentadas na CPI da Covid no Senado sobre a compra da vacina indiana Covaxin.

Apesar de Barros ter entrado no centro da investigação da CPI da Covid, integrantes do Palácio do Planalto afirmam que, por enquanto, ele deve permanecer no cargo.

"Fica evidente que não há dados concretos ou mesmo acusações objetivas, inclusive pelas entrevistas dadas no fim de semana pelos próprios irmãos Miranda", afirmou Barros.

"Assim, reafirmo minha disposição de prestar os esclarecimentos à CPI da Covid e demonstrar que não há qualquer envolvimento meu no contrato de aquisição da Covaxin", disse o deputado.

Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos, empresa que tem no quadro societário a Global. O presidente da Global, Francisco Emerson Maximiano, também é sócio da Precisa.

A Global, Barros e ex-funcionários da Saúde respondem a uma ação de improbidade pelo contrato fechado em 2017.

Em reunião da CPI, o servidor Ricardo Miranda disse aos senadores que havia erros na documentação apresentada pela Precisa Medicamentos à Saúde.

Segundo o servidor, a invoice (fatura) exigida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para liberar a importação estava no nome da Madison, uma empresa de Singapura, ligada à Bharat, que não é citada no contrato da Covaxin.

O documento ainda citava pagamento antecipado de US$ 45 milhões pelas doses, que estariam próximas do fim da validade. Estes dados eram diferentes do que havia sido registrado no contrato do governo federal com a Precisa, disse o servidor.

O documento com supostas falhas foi levada ao presidente Bolsonaro no dia 20, segundo os depoentes. Entre 23 e 24 de março, o papel foi retificado duas vezes pela Precisa, a pedido dos técnicos do ministério, e passou a registrar que o desembolso só ocorreria após a chegada das doses.

O servidor Ricardo Miranda disse que mesmo assim não quis assinar os papéis exigidos para a importação. O documento ainda estava no nome da Madison e tinha erro no volume de doses que embarcaria ao Brasil, segundo o servidor.

Ele disse que o pedido de importação, que seria negado, só prosseguiu após o aval fiscal do contrato Regina Célia Silva Oliveira, servidora da Saúde.

O embarque das doses só foi liberado no último dia 4, sob restrições. As doses, porém, ainda não chegaram, e o governo avalia anular o contrato da Covaxin.​

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