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Eleições de 2018 passam por 5 testes matemáticos e não têm sinal de fraude

Pesquisadores analisaram resultados das seções eleitorais com técnicas estatísticas reconhecidas

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São Paulo

Pesquisadores brasileiros submeteram as eleições de 2018 a cinco diferentes testes matemáticos para tentar identificar indícios de fraude. Conclusão: não encontraram nenhuma evidência de irregularidade.

O trabalho é mais um a contrariar afirmações do presidente Jair Bolsonaro (PL) a respeito das urnas eletrônicas. Sem apresentar provas, ele questiona o sistema e diz que deveria ter vencido em primeiro turno no pleito realizado há quatro anos, hipótese rechaçada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Teste público de segurança das urnas eletrônicas, realizado em maio, em Brasília
Teste público de segurança das urnas eletrônicas, realizado em maio, em Brasília - Pedro Ladeira - 12.mai.22/Folhapress

Os testes aplicados nessa nova pesquisa não miraram a integridade das urnas eletrônicas ou a transmissão das informações. Em vez disso, verificaram se o total de votos atribuídos a cada candidato seguia padrões normais ou se havia alguma coisa estranha nesses números.

Ou seja, não analisaram o processo, mas o próprio resultado da votação em cada uma das seções eleitorais. Esse procedimento pode parecer confuso à primeira vista, mas faz bastante sentido.

Imagine que uma pessoa acerte a Mega-Sena dez vezes seguidas. Mesmo sem analisar as casas lotéricas ou os bilhetes, é razoável desconfiar que houve fraude apenas pela maré de sorte bastante incomum.

Nesse exemplo, o resultado (ganhar dez vezes seguidas na Mega-Sena) é visto como indício de algo errado no processo (casas lotéricas ou bilhetes).

Órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União) utilizam esse tipo de procedimento para supervisionar planilhas de execução orçamentária, por exemplo.

Se a matemática aponta a existência de algo fora da curva nas planilhas, o passo seguinte é investigar a fundo o que aconteceu, para comprovar ou descartar a fraude.

Foi o que fizeram os pesquisadores em relação à eleição de 2018. Eles aplicaram em conjunto de cinco testes diferentes e não encontraram nenhuma anomalia nos resultados das votações.

"É como ir a cinco médicos e sair de todos eles com o mesmo diagnóstico", afirma Dalson Figueiredo Filho, um dos autores do estudo. "Aumenta muito a chance de estar diante de um diagnóstico correto."

Professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, ele conduziu a pesquisa com seu colega Ernani Carvalho e com Lucas Silva, do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas.

O trabalho, intitulado "The forensics of fraud: Evidence from the 2018 Brazilian presidential election" (Análise forense de fraude: evidências da eleição presidencial de 2018 no Brasil, em português), passou por revisão dos pares e foi publicado em setembro na revista Forensic Science International: Synergy.

Além disso, para aumentar a transparência, os autores publicaram todos os dados utilizados para quem quiser conferir os achados.

Pela conclusão deles, a única maneira de ter havido fraude em 2018 seria por meio de uma conspiração muito ampla, que tivesse o envolvimento de muitas pessoas em diferentes etapas do processo.

"Teria que ter um conhecimento absurdo tanto de matemática como computacional", diz Carvalho. "E teria que ter a conivência de um número elevado de pessoas, para que isso ocorresse num espaço de tempo tão pequeno, porque a nossa apuração é muito rápida."

O problema, diz ele, é que uma conspiração tão ampla dificilmente teria permanecido em segredo. "Somos seres humanos, né? Com uma organização dessa, haveria possibilidade de vazamento. E, obviamente, com toda essa pressão, isso já teria ocorrido."

Driblar os testes que eles aplicaram exigiria muito esforço porque cada um deles examina um aspecto diferente do resultado. Um deles avalia quantas vezes o último dígito do número de votos destinados a cada candidato em cada uma das seções eleitorais é 0 e 5. Por exemplo, se Bolsonaro recebeu 123 votos em uma seção e 55 em outra, o algarismo 5 apareceu uma vez como último dígito.

Considerando todas as seções, e sabendo que existem dez algarismos, é esperado que a frequência dos dígitos 0 e 5 some 20%. Se fugir desse padrão, o indício de fraude é grande. Em 2018, no primeiro turno, a frequência para Bolsonaro foi de 20,2%; para Fernando Haddad (PT), 20%; para Ciro Gomes (PDT), 19,8%. No segundo turno, a frequência para Bolsonaro foi de 19,9%, e para Haddad, 20%.

Num segundo teste dos dígitos, foi examinada a média do último algarismo. Se os números não tiverem sido manipulados, a média esperada é 4,5 (grosso modo, porque 0+1+2+3+4+5+6+7+8+9=45; 45 dividido por 10=4,5). Na eleição realizada há quatro anos, a média do último dígito para Bolsonaro foi de 4,52 no primeiro turno e 4,43 no segundo. Para Haddad, 4,49 e 4,48. Ciro teve 4,49.

Um terceiro teste, menos intuitivo, utilizou a Lei de Benford para analisar o padrão do segundo dígito dos votos destinados a cada candidato em cada uma das seções eleitorais. Por exemplo, se Bolsonaro recebeu 123 votos em uma seção, o segundo dígito, nesse caso, é 2. A Lei de Benford estabelece uma frequência padrão para o primeiro dígito de um número, para o segundo, para o terceiro etc.

Nem os matemáticos compreendem muito bem por que, mas o fato é que a lei se aplica a conjuntos de dados como tamanho de populações, área de rios e distância entre cidades, para ficar em alguns casos.

Em todos eles, há uma frequência padrão esperada. Algarismos menores, como 1, 2 e 3, são mais frequentes do que algarismos maiores, como 7, 8 e 9. E o que aconteceu em 2018? Os resultados estiveram em conformidade com a Lei de Benford.

Os outros dois testes analisaram aspectos um pouco diferentes. Um deles investigou se havia uma correlação entre taxa de participação e percentual de votos obtido pelo candidato vencedor.

Na Rússia e em Uganda, por exemplo, havia uma correlação clara entre seções eleitorais com alta taxa de participação e alto percentual de votos para o vencedor, um indício forte de que votos dos perdedores e abstenções foram convertidos artificialmente em votos para um determinado candidato.

No Brasil de 2018, não há nenhuma correlação que sugira esse tipo de manobra fraudulenta.

O último teste examinou com que frequência apareceram percentuais arredondados entre os votos válidos das seções eleitorais. Por exemplo, 65% é arredondado, ao passo que 65,22% não é. O resultado é que, na disputa de 2018, essa frequência ficou dentro dos padrões esperados, sem nenhum sinal de anomalia.

Daí por que os pesquisadores concluem: "Não encontramos evidência de irregularidades na eleição presidencial de 2018 no Brasil. Todos os parâmetros observados estão de acordo com a expectativa teórica de uma contagem justa de votos".

Manipular os números a ponto de passar incólume nesses cinco testes é mais ou menos como ganhar dez vezes seguidas na Mega-Sena: não é impossível, mas quem acredita que pode acontecer?

Erramos: o texto foi alterado

Estudo que analisou resultados das seções eleitorais mencionado na reportagem foi publicado em setembro na revista Forensic Science International: Synergy, não em outubro. O texto foi corrigido.

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