Tarcísio é eleito governador e simboliza triunfo do bolsonarismo em São Paulo

Candidato patrocinado pelo presidente confirma favoritismo e vence Fernando Haddad, do PT, por 55,27% a 44,73%

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São Paulo

O ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), 47, foi eleito neste domingo (30) o novo governador do estado de São Paulo, derrotando Fernando Haddad (PT) e pondo fim aos quase 30 anos de hegemonia do PSDB no Palácio dos Bandeirantes.

Com 100% das urnas apuradas, Tarcísio obteve 55,27% dos votos válidos, ante 44,73% de Haddad. O TSE declarou eleito o político do Republicanos.

A candidatura de Tarcísio foi patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que designou seu auxiliar na pasta da Infraestrutura para concorrer em São Paulo, apesar de o ex-ministro ter nascido no Rio de Janeiro e vivido em Brasília.

Homem de cabelo curto e camiseta amarelo ouro com foto dele e de bolsonaro faz sinal de positivo com os dois polegares em frente a lousa verde e parede branca
Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito ao governo paulista neste domingo (30), vota na Carlos Saloni, em São José dos Campos - Ronny Santos/Folhapress

A comemoração de Tarcísio não é completa porque Bolsonaro perdeu a Presidência da República para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —com 99,99% das urnas apuradas, Lula tinha 50,9% dos votos, contra 49,10%.

No estado de São Paulo, porém, Bolsonaro liderou com folga, obtendo 55,24% dos votos, contra 44,76% —vantagem praticamente idêntica à de Tarcísio sobre Haddad. Com isso, o domínio de São Paulo se torna estratégico para dar sobrevida ao bolsonarismo até 2026.

A vitória inaugura uma experiência inédita do bolsonarismo à frente do estado mais rico e mais populoso do país. O vice-governador eleito, Felicio Ramuth (PSD), é ex-prefeito de São José dos Campos (SP). O novo governador terá também ampla maioria na Assembleia Legislativa de São Paulo —os partidos que o apoiam somam 63 das 94 cadeiras da Casa.

Tarcísio foi eleito neste domingo em meio ao andamento da investigação a respeito de um tiroteio que interrompeu sua agenda em Paraisópolis, no último dia 17, no qual uma pessoa morreu. A Folha revelou que um membro da equipe de Tarcísio mandou um cinegrafista apagar imagens do confronto. Haddad explorou o tema, afirmando tratar-se de dificultar a apuração da polícia.

Tarcísio deve seguir em parte a cartilha bolsonarista

Aliados do governador eleito ouvidos pela reportagem dizem acreditar que, mesmo sob uma eventual Presidência de Bolsonaro, Tarcísio faria um governo independente: ou seja, sem subordinação ao político do PL, mas alinhado a ele. A expectativa é que Tarcísio conduza uma gestão comprometida com a direita e com o conservadorismo, acenando para a base que o elegeu.

Apesar de apresentar-se como técnico e não encampar todas as teses do bolsonarismo, como a de fraude nas urnas, por exemplo, Tarcísio apresentou planos que seguiam a cartilha ideológica. Chegou a afirmar que irá rever as câmeras de policiais, privatizar a Sabesp, desobrigar a vacinação de servidores e de crianças, extinguir a Secretaria de Segurança e trabalhar pela redução da maioridade penal.

Ele acabou voltando atrás em algumas medidas, como no caso das câmeras e da extinção da secretaria, após repercussão negativa. Em relação à Sabesp, afirma que só venderá a empresa se isso não tornar a conta de água mais cara.

Mesmo com a derrota de Bolsonaro, estrategistas de Tarcísio não acreditam que o presidente deva reivindicar muitos cargos em São Paulo, dado que boa parte de seus aliados foram eleitos para outros postos.

Além disso, apontam que Tarcísio teve autonomia no ministério e que, sentado na cadeira de governador, terá capital político próprio. Bolsonaro, ao contrário, perde poder de influência fora do Palácio do Planalto.

Adversários de Tarcísio, no entanto, apontam que o estado deve absorver uma série de bolsonaristas desalojados da máquina federal. Na campanha, Haddad pregou que uma vitória do adversário representaria o controle do centrão.

Além de Bolsonaro, Gilberto Kassab, presidente do PSD, foi um patrocinador político de Tarcísio. O governador eleito também se ancorou no centrão, com Republicanos, PL e PP. No segundo turno, obteve adesão do PSDB, MDB, União Brasil, Podemos e outras siglas. O governador Rodrigo Garcia (PSDB), que não passou para o segundo turno, deu seu apoio pessoal a Tarcísio e Bolsonaro.

Na primeira etapa da votação, o bolsonarista teve 42,32% dos votos válidos; o petista, 35,7%, e o tucano, 18,4%.

Na campanha, Tarcísio chegou a citar possíveis nomes do seu secretariado, como o ex-secretário Guilherme Afif (PSD), o ex-deputado e ex-presidente da Associação Médica Brasileira Eleuses Paiva (PSD) na Saúde; a deputada federal Rosana Valle (PL-SP) em uma pasta de Mulheres; o economista Samuel Kinoshita e Rafael Benini, que foi diretor da Artesp.

Tarcísio é oficial do Exército e analista da Câmara dos Deputados

Tarcísio é oficial do Exército formado pela Aman (Academia Militar de Agulhas Negras) e serviu na missão de paz no Haiti. É graduado em engenharia civil e tem mestrado em engenharia de transportes pelo Instituto Militar de Engenharia.

Foi diretor-executivo e diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) no governo de Dilma Rousseff (PT). Depois, atuou como secretário do Programa de Parceria de Investimentos, durante os governos Dilma e Michel Temer (MDB).

Antes do Dnit, Tarcísio passou pela pela CGU (Controladoria-Geral da União), onde foi assessor da direção de auditoria e, depois, coordenador de auditoria.

Até hoje, ele compõe o quadro de servidores da Câmara dos Deputados como analista legislativo e, durante a campanha eleitoral, recebeu salário mensal de R$ 31,7 mil.

Em outubro de 2021, Tarcísio mudou seu domicílio eleitoral para São José dos Campos (SP). No primeiro turno, viralizou nas redes sociais uma entrevista em que ele não sabia indicar seu local de votação na cidade. Como mostrou a Folha, o ex-ministro não morava no endereço indicado como seu domicílio: um apartamento que alugou do próprio cunhado.

A última semana foi de reveses para Tarcísio, depois dos recuos nas propostas e dos desdobramentos do caso Paraisópolis, que inicialmente foi explorado por ele como atentado político —tese não corroborada pela investigação.

Vitória de Tarcísio mostra força do antipetismo no interior de São Paulo

A vitória nas urnas foi reflexo da força do antipetismo em São Paulo, sobretudo no interior, onde Tarcísio teve vantagem. Haddad chegou a diminuir a diferença em relação ao rival na reta final, mas não era considerado favorito —foi o candidato com rejeição mais alta em todo o pleito, segundo o Datafolha.

A eleição contou com patrocínio de doadores privados, sobretudo empresários, que doaram R$ 19,7 milhões dos R$ 38,6 milhões arrecadados pela campanha. Os partidos contribuíram com R$ 18,7 milhões de verba pública.

A campanha de Tarcísio foi colada na de Bolsonaro. O ex-ministro acompanhou o presidente em motociatas e cultos evangélicos, além de defendê-lo em debates nacionalizados com Haddad.

Tarcísio, que é católico, foi elogiado em eventos com pastores no segundo turno como um "governador que prega". Ele costuma falar sobre Moisés, Davi e Samuel para exaltar Bolsonaro e conta uma parábola bíblica para chamar Lula de corrupto.

O novo governador se apresentou com um perfil técnico e como um ministro de Infraestrutura entregador de obras e concessões.

No entanto, levantamentos feitos pela Folha mostram que os investimentos da pasta caíram em relação a gestões anteriores, e Tarcísio fez entregas tímidas em São Paulo se comparadas a outros estados.

Nesse contexto, Tarcísio apostou nas concessões —ressaltou ao menos duas delas, a do porto de Santos e da rodovia Presidente Dutra. O então ministro foi apelidado de "Thorcízio" por aliados, uma alusão à força com que usa o martelo durante leilões de ativos públicos.

Já a alcunha de "Tarcisão do Asfalto" foi bastante questionada por seus adversários. Em São Paulo, ele entregou apenas 17,8 km de asfalto novo. A única obra foi a duplicação de um trecho da BR 153 na região de São José do Rio Preto (a 437 km da capital), que custou R$ 268,5 milhões e o contrato fora assinado no governo Dilma.

A razão para isso, segundo ele, é que a malha viária paulista sob a administração do Dnit, vinculado ao Ministério de Infraestrutura, é de somente 53,2 km. O restante foi concedido à iniciativa privada.

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