Descrição de chapéu Congresso Nacional

PT fica esvaziado em SP, tropeça em renovação e vê PSOL avançar

Partido, fundado na capital paulista há 43 anos, tem menos prefeitos no estado e cederá vaga a Boulos em 2024

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São Paulo

Fundado em São Paulo há 43 anos, o PT passa por um esvaziamento em seu berço, com a perspectiva de ficar sem candidato próprio na eleição para prefeito da capital pela primeira vez em quatro décadas, em meio ao ritmo capenga de renovação dos quadros e ao avanço do PSOL no campo da esquerda.

A legenda, criada oficialmente em 10 de fevereiro de 1980 durante um encontro no Colégio Sion, na região central paulistana, vê hoje seu núcleo de poder se deslocar para Brasília, com o início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e tenta contornar fragilidades na terra de origem.

Bandeiras do PT e do Brasil na avenida Paulista durante a apuração dos votos no segundo turno das eleições de 2022 - Adriano Vizoni - 30.out.22/Folhapress

A presidência estadual da sigla está de mudança, com a saída de Luiz Marinho para virar ministro do Trabalho. Ele chegou ao cargo em 2017 e disputou as três eleições seguintes, o que uma ala enxergou como prejudicial ao andamento da máquina partidária. Marinho se elegeu deputado federal em 2022.

O mais cotado para substituí-lo é Kiko Celeguim, deputado federal em primeiro mandato. Com carreira política feita em Franco da Rocha —onde seu pai, Mário Maurici, foi prefeito—, o parlamentar de 38 anos é citado como um dos novatos em ascensão na legenda, muitos dos quais ainda com baixa projeção.

O vácuo de nomes com capacidade de obter votos, somado ao desgaste de membros históricos e à saída de cena de outros, ajuda a explicar a decisão inédita de não lançar postulante à disputa da Prefeitura de São Paulo para apoiar a candidatura do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).

Fechado por Lula e pelo comando nacional do PT, o acordo fez parte da costura para unificar a esquerda em torno de Fernando Haddad (PT) na campanha a governador. Boulos, que abriu mão de concorrer em troca do apoio em 2024, agora é cobrado a estreitar relações com os petistas para consolidar a aliança.

Líderes do partido ouvidos pela Folha dizem que o acerto será honrado, mas não descartam pressão da base para que o PT tenha protagonismo na disputa. Uma hipótese ventilada é fazer prévias para escolher o nome que deve ser apresentado ao PSOL para fechar a composição, provavelmente na vaga de vice.

Na legenda, que já governou a cidade três vezes, há o temor de que a ausência de candidato majoritário dificulte a eleição de vereadores do PT.

Um influente membro, com acesso privilegiado a Lula, diz que o partido está "totalmente desestruturado" no estado, o que se reflete na queda no número de prefeitos. O risco é, nas palavras desse interlocutor, virar o PT do Rio de Janeiro —referência à perda de musculatura da sigla no estado vizinho.

As queixas recaem principalmente sobre ocupantes de cargos decisórios, seja pelo "encastelamento" de parte deles nas funções, o que favorece a perpetuação e inibe a oxigenação, seja pelo comando vacilante.

Um aliado do partido nas últimas eleições relata ter ficado impressionado com o que chama de inconsistência do núcleo dirigente do PT no estado e afirma que isso respingou na campanha de Haddad. As críticas vão na linha de que a legenda se "oligarquizou" e acabou engolida pela burocratização.

Os estragos da Operação Lava Jato na reputação da sigla e o antipetismo latente no interior derrubaram ao longo da última década a capilaridade da sigla no estado. As votações expressivas do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstraram isso.

O PT, que chegou a eleger 70 prefeitos no estado em 2012, caiu para 8 em 2016 e apenas 4 em 2020 (Araraquara, Diadema, Matão e Mauá). A bancada de deputados estaduais conseguiu crescer em 2022, chegando a 18 cadeiras, ante 10 na eleição anterior. A de federais passou de 8 para 11.

Vários fatores são mencionados como justificativa para a guinada positiva no ano passado, como a recuperação parcial da imagem do partido perante o eleitorado e o impulso dado pela candidatura de Lula em uma batalha altamente polarizada com Bolsonaro, que influenciou todo o pleito.

O perfil das bancadas eleitas, no entanto, é emblemático do momento que o partido vive. A maior votação para estadual (807 mil votos) foi a do veterano Eduardo Suplicy. Outros nove foram reeleitos e, dos 18 deputados, 5 são mulheres —entre elas Thainara Faria, apontada como uma promessa da legenda.

Entre os federais, repete-se a tendência geral de homens, brancos, acima dos 50 anos e com ascendência na estrutura partidária. A única mulher é Juliana Cardoso, que teve a vitória celebrada também pelo fato de ser indígena, o que sinalizaria ligação com o eleitorado jovem e as bandeiras identitárias.

O fiasco de candidaturas voltadas às pautas da diversidade e da inclusão foi creditado ao avanço do PSOL nesse terreno. Um grupo entende que o sucesso de Boulos, com mais de 1 milhão de votos para deputado federal, ofuscou petistas que tinham como mote temas sociais, como as questões racial e LGBTQIA+.

Porta-vozes do partido admitem os percalços, mas afirmam que o contexto geral é favorável à revigoração da sigla, principalmente se o governo federal estiver bem avaliado. Lula e Haddad superaram em votação na capital os adversários bolsonaristas, mas perderam no restante do estado.

"A meu ver, o PT está se fortalecendo em São Paulo", diz Suplicy, que deixa a cadeira de vereador da capital em março para assumir como deputado estadual. "Com o fato de termos agora Lula e tantas ministras e ministros, acho que temos tudo para renovar e ver novos valores aparecendo."

Presidente do partido na capital paulista, Laércio Ribeiro minimiza o impacto da ida de nomes como Haddad, Marinho, Alexandre Padilha e Jilmar Tatto para Brasília, sob o argumento de que interessa aos líderes do partido manter pontes no estado mesmo tendo funções no governo ou no Congresso.

"O espaço de todos eles é o estado, e vão conciliar os trabalhos porque não seriam quem são sem São Paulo", diz.

O diretório municipal do PT chegou a ser alvo de uma ação de despejo de sua sede, em setembro do ano passado, por dívidas de aluguéis. Segundo Ribeiro, os valores foram pagos, e o local continua aberto. O diretório estadual entregou a antiga sede e agora funciona junto com o nacional.

Para a cientista política Maria do Socorro Braga, a fragmentação interna da legenda no estado contribui para o desgaste, com muitos dos conflitos sendo arbitrados pelo comando nacional e pelo próprio Lula.

"Não dá para esconder que o partido vem se fragilizando, com a redução da capacidade de eleger prefeitos e vereadores, embora se mantenha hegemônico na esquerda. Houve um distanciamento das bases sociais e agora o desafio é retomar os vínculos com a sociedade civil", diz a professora da UFSCar.

A desorganização do partido no âmbito estadual, completa a pesquisadora, pode também ser atribuída à desarticulação do grupo que estava com Lula em 2003 e ajudou a fixar o petismo em São Paulo —com nomes como José Dirceu e Antonio Palocci, que foram tragados por escândalos e se afastaram.

Números do PT em São Paulo

  • 4 prefeitos foram eleitos no estado em 2020 (Araraquara, Diadema, Matão e Mauá); em 2016, foram 8
  • 135 vereadores foram eleitos no estado em 2020; em 2016, foram 197
  • 18 deputados estaduais foram eleitos em 2022; em 2018, foram 10
  • 11 deputados federais foram eleitos em 2022; em 2018, foram 8
  • 44,7% foi o percentual de votos obtido no estado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro (55,2%); na capital, o candidato do PT teve 53,5%, e o do PL, 46,4%
  • 44,7% foi o percentual de votos obtido no estado por Fernando Haddad no segundo turno contra Tarcísio de Freitas (55,2%); na capital, o candidato do PT teve 54,4%, e o do Republicanos, 45,4%
  • 2 foram as vezes que o PT chegou ao segundo turno na eleição para governador, com Haddad em 2022 e José Genoino em 2002 —nenhum deles vitorioso
  • 3 foram as vezes que o PT foi eleito para governar a capital paulista (com Luiza Erundina, em 1988, Marta Suplicy, em 2000, e Haddad, em 2012)
  • 16,7% dos votos foi o total obtido por Haddad na tentativa de reeleição a prefeito, em 2016, quando foi derrotado já no primeiro turno pelo então tucano João Doria (53,2%)
  • 8,6% foi o percentual de votos obtido pelo candidato do PT à Prefeitura de São Paulo em 2020, Jilmar Tatto, que terminou em 6º lugar, o pior resultado do partido na cidade na história; Guilherme Boulos (PSOL) obteve 20,2% e foi ao segundo turno, mas perdeu para Bruno Covas (PSDB)
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