Congresso dribla STF e põe relator do Orçamento em comissão turbinada com R$ 6,5 bilhões em emendas

Verba para obras indicadas era de R$ 90 milhões em 2022 e foi inflada para compensar decisão que barrou emendas de relator

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Brasília

O Congresso articulou para que o relator do Orçamento deste ano, senador Marcelo Castro (MDB-PI), assuma o comando de uma comissão que tem o poder de distribuir R$ 6,5 bilhões em emendas.

A ida de Castro para a presidência da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado ocorre poucos meses depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter declarado inconstitucional as chamadas emendas de relator.

O valor reservado para a comissão é muito superior aos R$ 90 milhões que essa mesma estrutura deteve no ano passado. Em 2021, não houve verba para emendas desse tipo.

Comissões são grupos que reúnem um número reduzido de deputados e senadores e nos quais projetos são discutidos antes de votação no plenário das Casas. Emenda é a forma que deputados e senadores enviam dinheiro para projetos e obras para suas bases eleitorais e, com isso, ampliam seu capital político.

No governo de Jair Bolsonaro (PL), o Congresso criou dois novos tipos de emendas parlamentares: a que tem o carimbo das comissões e a de relator (que foi extinta pelo Supremo).

Senador em pé com estante de livros ao fundo
Marcelo Castro (MDB-PI) em seu gabinete, no Senado - Divulgação

Até o ano passado, a verba para todas as emendas de comissões ficava em torno de R$ 500 milhões. Isso porque, naquele período, o poder do Congresso para destinar dinheiro para redutos eleitorais de parlamentares influentes era via emendas de relator.

Sem as emendas de relator, líderes do centrão articularam o aumento dos recursos para as verbas distribuídas pelas comissões –especialmente a de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.

Castro foi escolhido na quarta-feira (8) como presidente dessa comissão, que concentra R$ 6,5 bilhões dos R$ 7,6 bilhões em emendas que todas as comissões do Congresso têm direito.

Integrantes do Congresso e do Palácio do Planalto admitem que o dinheiro destinado para a comissão a ser presidida por Castro foi uma forma de as cúpulas da Câmara e do Senado driblarem a derrota sofrida no STF.

Portanto o acordo político é que a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo funcione como centro de distribuição da nova modalidade de emenda que sustentará as articulações políticas dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Já aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizem que, por Castro ser próximo do petista, há a expectativa de que uma fatia da verba de R$ 6,5 bilhões também possa auxiliar na construção da base de apoio do governo no Congresso.

A estratégia de articuladores políticos do Palácio do Planalto é que essas emendas também possam ser associadas a projetos de interesse dos ministérios —esses recursos estão distribuídos entre as pastas do Turismo, da Integração e das Cidades.

A ampliação das emendas de comissão chegou a ser discutida por Castro como forma de redistribuir a verba de R$ 19,4 bilhões das emendas de relator de 2023, pois o Supremo declarou esse mecanismo inconstitucional no fim do ano passado.

O argumento do senador é que as emendas de comissão são discutidas no colegiado, o que seria mais democrático.

No entanto, líderes do centrão afirmam que o acordo é que Castro, como relator do Orçamento, continue operando o modelo de negociação que funcionava até o julgamento do Supremo.

Segundo técnicos do Congresso, Castro montou em seu gabinete uma ala com funcionários para cuidar da distribuição dessa verba bilionária.

Membros do Congresso dizem que, como presidente da comissão, o senador tem autonomia para decidir sobre a aplicação das emendas mesmo sem consultar outros integrantes da comissão.

Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, em encontro no Palácio do Planalto - Adriano Machado-11.jan.23/Reuters

Os projetos e obras na área de turismo, integração nacional e cidades incluem investimentos no setor habitacional, estradas, infraestrutura e aprimoramento do turismo. Essas já eram rubricas que despertavam o interesse de parlamentares em colocar suas emendas por serem executadas em médio prazo e terem apelo político.

Em reação à decisão do Supremo, o Congresso fechou um acordo com Lula para dividir o valor de R$ 19,4 bilhões —montante das emendas de relator que já estavam previstas para 2023.

Uma parte foi para emendas individuais (que todos os deputados e senadores têm direito).

A outra fatia, de R$ 9,8 bilhões, passou para recursos dos ministérios, mas, como mostrou a Folha, integrantes do Palácio do Planalto afirmam que esses recursos também foram reservados para atender a pedidos de parlamentares, inclusive cumprir promessas feitas por Lira.

As emendas de relator eram alocadas politicamente em ato do relator do Orçamento, mas articuladas principalmente por Lira e Pacheco. No caso do Orçamento de 2022, por exemplo, o relator era o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), próximo de Lira. Cabia a ele operacionalizar o plano de distribuição dessas emendas.

Lula publicou uma portaria na semana passada que dita o rito para a liberação de emendas. De acordo com essas regras, as comissões devem enviar informações para o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo.

Padilha, então, fica encarregado por repassar os pedidos das comissões aos ministérios que executarão o projeto ou obra beneficiado pela emenda.

Integrantes do centrão dizem que isso não representa perda de poder do Congresso, pois fica mais fácil cobrar apenas um ministro, no caso, Padilha, sobre o andamento dos pedidos.

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