Descrição de chapéu Folhajus STF

Moraes adota rotina de piadas com 'fama de mau', futebol, fake news e alvos bolsonaristas

Professor vê estratégia para ganhar opinião pública; pesquisadora avalia risco para legitimidade de decisões

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São Paulo

A notoriedade alcançada por Alexandre de Moraes após protagonizar alguns dos episódios mais tensos da eleição de 2022 colocou em evidência uma faceta do ministro já conhecida dos mais próximos, mas não do grande público: a de piadista.

Em eventos e palestras, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) tem usado o senso de humor para falar de futebol, bolsonaristas, fake news e até da própria fama de durão.

Os comentários jocosos costumam arrancar risos da plateia, mas nem sempre são unanimidade, principalmente quando miram pessoas que são ou podem ser julgadas pelo ministro.

homem careca de terno e gravata dá risada
O ministro do STF Alexandre de Moraes participa de seminário na Faculdade de Direito da USP - Zanone Fraissat - 31.mar.2023/Folhapress

No último dia 4, em evento na Faculdade de Direito da USP, Moraes ironizou a situação de uma pessoa que se encontrava, disse ele, detida.

"Determinada pessoa que eu não vou dizer o nome, que hoje se encontra reclusa, inventou num determinado momento que eu era advogado do PCC. Xandão é advogado do PCC. Não preciso dizer a pessoa, né? Tudo bem, entrei com ação de indenização por danos morais. Eu já ganhei 12 ações de indenização por danos morais."

A ofensa foi dita por Roberto Jefferson, contra quem Moraes entrou com ação de indenização por danos morais. O ex-deputado bolsonarista de extrema direita está preso desde outubro por ordem do ministro após disparar granadas e mais de 20 tiros de fuzil contra policiais federais.

Em dezembro passado, Moraes comentou em evento fala do ministro Dias Toffoli sobre dados de prisões e multas de quem participou da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Arrancou risadas da plateia ao dizer que, em comparação com os EUA, ainda haveria "muita gente para prender e muita multa para aplicar".

As decisões de Moraes contra bolsonaristas o transformaram em alvo preferencial do grupo. A fama de rigoroso não escapou às tiradas do ministro.

No mesmo evento da Faculdade de Direito da USP, onde Moraes é professor, ele lembrou o episódio em que chegou a ordenar o bloqueio do Telegram no país.

"O Telegram por um tempo se recusou a aceitar o convite de reunião do TSE. Se recusava a obedecer à ordem judicial brasileira, como fazia no mundo todo, dizendo que estava imune à jurisdição nacional porque era em Dubai a sua sede", lembrou.

"Ótimo. O que que eu fiz? Bloqueio. Acabou o Telegram. Cinquenta e três milhões de pessoas que usavam iam ficar muito felizes comigo. Iam se somar às outras 50 milhões que já são felizes comigo."

Em abril de 2022, poucos dias depois de o STF condenar o então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão, e Jair Bolsonaro (PL) conceder a graça de perdão da pena ao aliado, Moraes participou de outro evento com estudantes de direito em São Paulo, na Faap.

Ao falar sobre desinformação, brincou que grupo de família "devia ser inconstitucional".

"E, se você sai, você é o pecador. Você não pode sair, você pode silenciar", falou em tom bem-humorado. "Você tem que aguentar aquelas mensagens que realmente educam muito o ser humano."

O ministro, que encampou a bandeira da regulação das redes sociais, disse que a própria mãe repassava vídeos com fake news contra ele sem prestar atenção ao conteúdo.

"Apesar de acharem que eu sou mau, não vou prender minha mãe por causa disso", brincou.

O futebol é outro tema presente no repertório de humor do ministro e certa vez se encontrou com a situação política do país.

Numa palestra em evento do grupo Lide, Moraes respondeu a um empresário que havia dito que ele era mais popular que jogador de futebol.

"Mas ganho bem menos", disse o ministro, provocando risadas da plateia.

Depois de o mesmo empresário afirmar que, por outro lado, as "caneladas" de Moraes eram "mais digitais que reais" e que ninguém dava "cartão vermelho" para o ministro, ele respondeu: "Tentaram. Tentaram, mas o VAR não permitiu".

Moraes acumulou contra si uma série de pedidos de impeachment. Um deles, apresentado por Bolsonaro em agosto de 2021, foi rejeitado dias depois pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Nem sempre as brincadeiras do ministro têm conotação política. Corintiano, Moraes já brincou em sessão do STF sobre o Palmeiras não ter título Mundial.

Na palestra na USP no fim de março, voltou ao tema, ao defender transparência dos algoritmos. Estabeleceu uma hipótese de buscar na internet "Palmeiras não tem Mundial".

"É uma verdade, né? Aí você consulta, vem primeiro uma notícia: 'Não, não é verdade. Palmeiras em 1615 ganhou do time da várzea, e isso é considerado título', porque algum palmeirense fez o algoritmo, né? Patrocínio: Crefisa."

Para Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, é importante analisar as falas de Moraes dentro do contexto do governo Bolsonaro —que elegeu a corte e alguns de seus ministros como adversários ao longo de seu mandato.

Ele vê esse tipo de fala e postura do ministro na opinião pública como parte de uma disputa de narrativa. "É para ganhar a opinião pública. A opinião pública que eventualmente defenderia o tribunal."

"Ele quer se fiar como garante da democracia, ponto. E, com base nisso, inclusive, pleitear a legitimidade da flexibilização que ele faz das convenções, dos procedimentos", diz Glezer. "[Como se dissesse] não é uma situação normal e eu não vou me comportar como em uma situação normal."

Já a professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Fabiana Luci de Oliveira considera que declarações jocosas podem ter impacto negativo sobre a percepção da atuação do ministro. "Ele pode ter feito só uma brincadeira, mas ele representa muito poder, então isso pode deslegitimar decisões futuras que ele venha ter."

Ela cita como exemplo a fala de Moraes sobre ainda haver "muitas pessoas para prender e multar", que poderia gerar críticas de alvos de suas decisões, dando força, por exemplo, a narrativas de que o ministro os estaria perseguindo.

Ainda de acordo com Fabiana, que é líder do Núcleo de Estudos em Direito, Justiça e Sociedade e pesquisa o Supremo, a literatura aponta a percepção de autoridade moral dos juízes como uma das dimensões que moldam a confiança pública em relação às supremas cortes.

"E o que são esses símbolos? As vestes, a linguagem técnica, um distanciamento da população", afirma.

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