Descrição de chapéu Folhajus TSE

'É preferível que mercado eleitoral, em vez de juízes, derrote Bolsonaro', diz cientista político

Fernando Limongi, da USP e da FGV, diz ver com preocupação interferência do Judiciário na política desde o mensalão

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São Paulo

Jair Bolsonaro (PL) é detestável, mas é preferível tirá-lo do poder pelo voto do que pela via judicial, afirma o cientista político Fernando Limongi.

Professor da USP e da FGV, ele diz ver indícios de que o Judiciário está agindo de olho na consequência política no caso do ex-presidente, da mesma forma que vem fazendo com todos os mandatários desde o mensalão.

Homem branco magro e grisalho posa de camisa de linho branca diante de folhagem
Oo cientista político Fernando Limongi, que lança "Operação Impeachment", sobre a queda de Dilma Rousseff - Karime Xavier - 16.mai.2023/Folhapress

Autor do recém lançado "Operação Impeachment - Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato" (ed. Todavia), Limongi aponta a interferência em especial no caso da queda da petista e no caso da prisão e inelegibilidade de Lula (PT).

O cientista político elogia o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, pela atuação que classifica como decisiva para a garantia da eleição de 2022.

Mas diz ver com preocupação o que considera uma crescente partidarização do Supremo Tribunal Federal com a nomeação de ministros alinhados ao presidente da República da vez.

O TSE retoma nesta sexta-feira (30) o julgamento da ação contra Bolsonaro pela acusação de abuso de poder na reunião com embaixadores na qual ele atacou o sistema eleitoral. O placar, por enquanto, está em 3 a 1 pela declaração de inelegibilidade.

Como vê a possibilidade de, novamente, um político popular ser impedido de disputar a eleição pelo Judiciário? Se um político cometeu um crime, foi julgado e condenado, e este crime prevê que ele perca os direitos políticos, ok, o Judiciário está cumprindo a sua função. Mas, se o político está sendo processado porque se pretende que ele perca o mandato, aí não é ok. Acho que, neste caso, estamos mais próximos da segunda afirmação do que da primeira.

Quais são os indícios de que isso está acontecendo? Obviamente houve um uso indevido de uma investigação da Polícia Federal que Bolsonaro cita na conversa com os embaixadores. Ali tem um crime, mas não é assim que a coisa está sendo justificada. Essa mesma consequência poderia ocorrer normalmente, por exemplo, por causa das joias [recebidas da Arábia Saudita e barradas pela Receita]. Ali há muito mais evidência de um crime cometido que deve acarretar como consequência a perda de um mandato.

Me parece que o Judiciário brasileiro tem a tendência ultimamente a olhar quem está sendo processado, qual será a consequência e particularizar ao máximo a sua ação, em vez de pensar no aspecto geral e na jurisprudência que se cria.

Mas o que indica que há uma particularização neste julgamento? A própria pressa com que esse processo está correndo, a discussão em torno dos poderes que o ministro Moraes vem exercendo, a decisão anterior relativa ao [Deltan] Dallagnol. Não tenho a menor simpatia quer pelo Bolsonaro, quer pelo Dallagnol. Me parece que no caso do Dallagnol, sobretudo, houve uma vontade de pegá-lo.

Se for para retirar os direitos políticos do Bolsonaro, tem que ser algo muito sólido e bem fundamentado para que não fique uma pecha de que foi uma vingança política ou uma partidarização do Judiciário. O Judiciário não está tomando esse cuidado. Não tomou durante toda a Lava Jato, que culminou no impeachment, nem na prisão do Lula e não está tomando de novo. Isso acaba tirando a legitimidade desse tipo de ação.

E como vê a questão do ponto de vista da interferência na possibilidade de escolha do eleitor? O verdadeiro soberano é o eleitor, não o Judiciário. No caso do Lula, claramente o Judiciário se achou no direito e no dever de impedir que ele voltasse à Presidência. Considerou que era um risco e precisava proteger o povo. Só que na democracia esse é o papel do eleitor. No caso do Bolsonaro, se ele comete um crime, ele é como todo cidadão diante da lei, mas não se pode fazer um julgamento por motivações políticas. É preciso muito cuidado para que não passe a ideia de que o Judiciário está sendo instrumentalizado. É preferível ter o Bolsonaro num mercado eleitoral e ele ser derrotado eleitoralmente do que juízes tomarem essa posição.

Qual o paralelo possível com o caso do Lula e quais as diferenças? Cada processo é um processo, mas a filosofia por trás parece ser a mesma, como se o Judiciário fosse o poder moderador e devesse assumir o papel que é do eleitor. Acho que a Lei da Ficha Limpa também passa por esse equívoco.

Como avalia que o Judiciário chegou a essa situação? De um modo geral, há uma tendência mundial, que se repete nos Estados Unidos e na Europa, de reforço do poder das cortes supremas e da sua capacidade de intervir. Ao mesmo tempo, tem uma desvalorização dos cargos eletivos, tanto do Parlamento quanto do Executivo. E, no Brasil, essa tendência geral exacerbou a partir do mensalão.

A Constituição dá muito poder ao Supremo, e o Supremo age por meio de juízes individuais em casos particulares. E, mais do que isso, não decide finalmente as coisas. É o exemplo de quando Gilmar Mendes proibiu a posse do Lula como ministro [de Dilma na Casa Civil] por liminar. Depois que a Dilma sofre o impeachment, o Supremo não decide sobre o caso, não decide se o presidente tem total autonomia ou não para nomear os seus ministros ou se não tem.

No caso do Bolsonaro, também se está agindo no caso particular e não normatizando o geral. É preciso deixar muito claro qual crime ele cometeu. Todo mundo que falar contra as urnas não vai poder ser mais eleito? O PSDB falou, o PSDB entrou com um pedido de auditoria das urnas em 2014.

Por outro lado, o TSE fixou um precedente com o caso do Fernando Francischini, que fez um ataque às urnas com desinformação e foi cassado por isso. Não seria desmoralizador agir contra um deputado estadual e não fazer o mesmo com Bolsonaro? É preciso deixar claro qual foi a regra que foi estabelecida e em que termos o Bolsonaro violou essa regra. É claro que o que o Bolsonaro fez é um absurdo. Mas é preciso aquilatar que ele teve quase 50% dos votos. Não se faz algo ilegal com o Francischini também, mas o TSE tem que saber que está lidando com um caso de outra envergadura e deve pensar na sua responsabilidade e na consequência disso.

Nessa visão de que o Judiciário está avançando além de suas prerrogativas, vê alguma possibilidade de mudar essa rota? Acho que é muito pequena dados os precedentes que o próprio Judiciário criou e a falta de colegialidade do STF. O Supremo age pensando sempre nas consequências políticas, achando que tem um papel político a desempenhar desde o mensalão. A partidarização do Supremo chegou ao ponto máximo com a atuação de um ministro como Gilmar Mendes, com as nomeações do período Bolsonaro e agora com a indicação do [Cristiano] Zanin.

Com Bolsonaro inelegível, acha que é possível ter uma opção de direita que esteja mais em harmonia com as instituições? Eu não gosto do Bolsonaro, eu acho ele péssimo, não consigo entender como alguém vota nele. Mas ele é um ator político com muito apoio. Falar ‘vamos fazer de conta que não o Bolsonaro não existe’ não vai resolver o problema. Não adianta tirar o sofá da sala.

Como vê a atuação do ministro Alexandre de Moraes? Todo mundo deve reconhecer que o desempenho do Moraes foi essencial para manter a legitimidade do resultado eleitoral. Ele ali agiu como presidente do TSE e aplicou as regras, se preservando muito habilmente de várias chicanas que o grupo do Bolsonaro tentou. Um exemplo foi o caso das blitze em ônibus no Nordeste que a Polícia Rodoviária Federal fez no dia da eleição. Dependendo da decisão que o Moraes tomasse, poderia gerar um problema. Se prorrogasse o prazo de votação, por exemplo, o Bolsonaro poderia judicializar a eleição. Então, agindo em um campo minado, ele conseguiu levar a bom termo a eleição sem cair em armadilhas.

O que se deve prezar é a questão institucional, que o Supremo volte a usar com moderação seu poder e a pensar o seu papel institucional e não o papel de cada um dos 11 membros.


Raio-X | Fernando Limongi, 65

Professor da FGV e professor aposentado do departamento de ciência política da USP. Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago. Autor de "Operação Impeachment" (Todavia, 2023).

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