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Ministério Público amarga pressão dez anos após sair fortalecido de manifestações

Junho de 2013 garantiu poder ao órgão, mas abusos atribuídos à Lava Jato geram punições

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Rio de Janeiro

A reação política às manifestações de junho de 2013 ajudou o Ministério Público a garantir seu poder de investigação e ampliar os instrumentos de apuração, como a colaboração premiada e os acordos de leniência.

Dez anos depois, procuradores relatam temor após punições em razão de abusos atribuídos à Operação Lava Jato. Advogados, contudo, veem melhoria nos limites e controles aos membros do órgão.

O Ministério Público foi um dos primeiros beneficiados pela "pauta positiva" criada pelo Congresso acuado após os atos, com o objetivo de tentar dar uma resposta às manifestações. No dia 25 de junho, a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC 37, que tirava o poder de investigação das Promotorias e o tornava exclusividade das polícias.

Protesto contra a PEC 37 na avenida Paulista durante as Jornadas de Junho de 2013 - Danilo Verpa - 22.jun.2013/Folhapress

O placar de 430 a 9 pela rejeição da proposta era inimaginável antes das Jornadas de Junho, segundo Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).

"A nossa leitura da época era de um clima muito positivo para a aprovação da PEC [antes das manifestações]. Houve naquela época um crescimento significativo da bancada de policiais, ao mesmo tempo em que membros da magistratura e do Ministério Público não podiam mais concorrer. Bateu o desespero em muita gente [contrária à PEC]", diz.

Antes da PEC 37 se destacar na miríade de pautas dos protestos, o comentarista Arnaldo Jabor, da TV Globo, que morreu em 2022, criticava a "ausência de causas" das manifestações. "Por que não lutam contra a PEC 37? Talvez eles nem saibam o que é a PEC 37, a lei da impunidade eterna", disse ele, na ocasião.

Após ver a bandeira ganhar as ruas, Jabor mudou sua avaliação sobre os atos. "De início esse movimento parecia uma pequena provocação inútil. Muitos criticaram erradamente, inclusive eu."

A agenda positiva do Congresso se estendeu nos meses seguintes, com a aprovação das leis anticorrupção e sobre organizações criminosas. A primeira criou os marcos dos acordos de leniência e a segunda, da colaboração premiada, principais instrumentos da Operação Lava Jato, iniciada um ano depois.

O ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) afirma que as leis aprovadas naquele período foram essenciais para o avanço das investigações.

"Aquelas mudanças diziam respeito à investigação, e foram essenciais para a Lava Jato existir. Se não tivéssemos uma lei clara sobre organizações criminosas, os nossos acordos sofreriam muito mais questionamentos. A lei anticorrupção nos deu uma baliza forte para fazer os acordos com pessoas jurídicas", diz.

O avanço das investigações e a exposição midiática dos procuradores deram força para o que Cazetta classifica como "uma movimentação muito complicada" do Ministério Público: o apoio institucional à campanha das "Dez medidas contra a corrupção" em 2015.

"Houve um envolvimento do Ministério Público como instituição na coleta de assinaturas daquilo que deveria ser um projeto de lei de iniciativa popular", diz o presidente da ANPR.

O projeto não foi para frente e, aos poucos, a reação aos alegados abusos da Lava Jato ganharam força, principalmente após a Vaza Jato —divulgação de mensagens entre procuradores da força-tarefa e de Deltan com o e então juiz e hoje senador Sergio Moro.

"Houve o retorno disso, de ter todo o sistema político emparedado num contexto. Quando as coisas começam a ruir por vários fatores, surge a noção de que o Ministério Público precisa ser controlado, enfraquecido", afirma Cazetta.

O STF (Supremo Tribunal Federal), que no início da operação referendou boa parte dos atos de investigação de Curitiba, passou a impor derrotas aos procuradores. Vetou o uso da condução coercitiva, alterou o entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância, e passou a rejeitar a atribuição de Moro nas ações penais.

No Congresso, uma das reações políticas aos supostos excessos dos investigadores foi a aprovação da lei de abuso de autoridade, em 2019. No mesmo ano, o pacote anticrime alterou as regras para a assinatura de acordos de colaboração.

O advogado Pierpaolo Bottini considera que as alterações legislativas foram necessárias em razão do "mau uso dos instrumentos criados" em junho de 2013.

"Não podemos generalizar, mas em algumas situações houve uso deturpado desses instrumentos, em especial da colaboração premiada. A lei estabelecia que não podia condenar ninguém com base na delação. Mas se começou a decretar prisão preventiva, busca e apreensão e oferecimento de denúncias apenas com base na delação. O que é um erro. Foi uma interpretação abusiva da lei", diz.

José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça à época das manifestações, afirma que não havia clima para debater detalhes sobre as leis aprovadas na esteira dos protestos. Ele diz, porém, não saber se seria possível prever o que considera um mau uso dos instrumentos criados.

"Era impossível prever as distorções feitas com base nessa lei. Nunca se imaginava que fossem usar aquela lei para prender pessoas para extrair delações delas. Mas a vida nos mostrou que a não-regulamentação mais precisa da delação premiada trouxe essas consequências", afirma o ex-ministro.

O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante entrevista coletiva ao lado de grupo de estudo da PEC 37, formado por delegados, procuradores e parlamentares, em Brasília - Pedro Ladeira - 19.jun.2013 / Folhapress

Deltan diz que as mudanças na legislação "foram feitas para acabar com o combate à corrupção". O ex-procurador aponta como a alteração mais prejudicial a proibição ao Ministério Público de negociar nos acordos de colaboração regimes de penas diferentes dos previstos no Código Penal. Na prática, exigiu que delatores permaneçam presos por mais tempo.

"Qual era a principal preocupação das pessoas que faziam acordo? Querem ficar o mínimo de tempo na prisão. Nossa preocupação é que ele tenha uma pena justa, que seja premiado pela colaboração, e que a gente possa manter ele sob risco de volta para a cadeia caso ele descumpra o acordo", disse Deltan.

Bottini afirma que, de fato, as alterações tornaram a delação menos atrativa.

"Em 2013 foi dada uma ênfase ao combate à corrupção, mas de forma equivocada, através da arbitrariedade e do mau uso de instrumentos legais. Isso foi de certa forma corrigido em 2019. Agora é preciso que as autoridades públicas realizem o combate à corrupção, que é fundamental, dentro das novas regras", disse o advogado.

"Dá mais trabalho, precisa de mais prova. Não pode decretar medidas cautelares só com base em delação premiada. Mas o que se espera é que o Estado acusador tenha trabalho para formular suas acusações, em especial quando se trata do direito à liberdade."

A reação não se limitou às mudanças nas leis. O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) passou a aplicar punições aos integrantes da Lava Jato, após pressão do Congresso que ameaçou alterar sua composição.

O procurador Diogo Mattos recebeu pena de demissão por ter pago a instalação de um outdoor em homenagem à Lava Jato e seus integrantes.

Contudo, Cazetta aponta a punição ao procurador Eduardo El Hage, da Lava Jato do Rio de Janeiro, como a que mais assustou membros do Ministério Público, críticos ou não à operação.

O conselho decidiu em dezembro suspender o El Hage por 30 dias por supostamente ter divulgado uma denúncia com dados sigilosos de uma investigação contra o ex-senador emedebista Romero Jucá.

A divulgação questionada pelo CNMP se deu por meio de uma nota oficial publicada no site do MPF e seguiu padrões adotados pela própria PGR. O resultado do julgamento colidiu com o relatório da Comissão Processante, que opinou pela improcedência da acusação.

"Num momento normal, não haveria essa punição. O temor de hoje é sobre os limites de divulgação dos casos. Saiu de um extremo ao outro. De um momento em que tudo que o Ministério Público dizia era verdade, a outro em que nada que o Ministério Público faz presta", afirma Cazetta.

O ex-ministro Cardozo não vê excesso nas punições recentes. "Não acho que haja uma reação excessiva. Acostumou-se com uma situação de poder ilimitado."

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