Descrição de chapéu Governo Lula

Agenda de Janja expõe omissão de reuniões com ministros de Lula

Registro do dia a dia da primeira-dama, que não é informado publicamente, foi obtido pela Folha via Lei de Acesso

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Brasília

A agenda oficial da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, expõe uma série de omissões de reuniões com integrantes do primeiro escalão do governo federal nos primeiros seis meses deste ano. Isso apesar de sua constante presença em eventos públicos ao lado do presidente Lula (PT) e em viagens de estado.

Como Janja não ocupa um cargo oficial, ela não tem a obrigação legal de divulgar diariamente uma agenda pública, como outras autoridades. Mas essa é a primeira vez que uma primeira-dama despacha diariamente no Palácio do Planalto e participa de reuniões políticas de trabalho do Executivo.

O registro do dia a dia foi obtido pela Folha por LAI (Lei de Acesso à Informação) e engloba o período de 1º de janeiro a 28 de junho deste ano.

Foram 86 compromissos registrados, desde reuniões com ministros até encontro com parlamentares e influenciadores. Muitas das reuniões com integrantes do primeiro escalão do Executivo, inclusive com membros do núcleo do governo, não foram registradas nas agendas dos ministros.

O presidente Lula e a primeira-dama, Janja, em cerimônia no Palácio do Planalto - Evaristo Sá-12.jun.23/AFP

Janja é presença constante em cerimônias no Palácio do Planalto, como posses e lançamentos de programas do governo. Ela também esteve presente em todas as viagens internacionais de Lula.

As aparições nos eventos no Planalto são os momentos em que ela guarda similaridade com as últimas primeiras-damas, Marcela Temer e Michelle Bolsonaro.

Janja contrasta, contudo, na atuação política, sobretudo no Planalto. Ela usa diariamente uma sala no andar do presidente Lula, assim como tiveram e não fizeram tanto uso suas antecessoras.

De acordo com os registros da LAI, a primeira-dama teve reuniões e encontros com ao menos sete integrantes do primeiro escalão do governo: Margareth Menezes (Cultura), Anielle Franco (Igualdade Racial), Cida Gonçalves (Mulheres), Esther Dweck (Gestão) e os palacianos Paulo Pimenta (Secom), Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil).

Desses, apenas Dweck registrou em sua agenda pública o encontro com a primeira-dama.

À Folha a assessoria da ministra da Mulher disse que o compromisso consta na agenda interna dela e que não está publicado no sistema público porque a pasta ainda está preenchendo todos os compromissos retroativos do ano. De acordo com o ministério, o encontro tratou de feminicídio.

A Secom disse que a agenda do ministro "pode ser atualizada diariamente, conforme necessidade em função de eventuais compromissos que surjam no decorrer do dia" e que, por isso, a agenda está desatualizada.

O MinC reconheceu a omissão e disse que a inserção do compromisso na agenda já foi providenciada. Afirmou ainda que o encontro foi registrado no Instagram da pasta.

A Casa Civil afirmou que a reunião foi registrada na agenda de Rui Costa após "constatado erro em seu lançamento".

A assessoria de Janja também foi procurada, mas não respondeu.

Além dos ministros, a primeira-dama se reuniu com a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, em duas ocasiões: em janeiro e em fevereiro —mas somente o segundo consta na relação de reuniões enviadas à Folha pelo Planalto. O outro foi divulgado pela primeira-dama nas redes sociais.

Na ocasião, Janja diz que Tarciana lhe presenteou com uma nova agenda do banco, porque sua anterior foi roubada nos ataques golpistas de 8 de janeiro, que depredou a sede dos três Poderes.

Assim como o encontro que foi publicado nas redes sociais, mas não na agenda divulgada via LAI, há outros momentos que denotam informalidade no registro dos compromissos da primeira-dama, como "conversa com Silvana", sem mais detalhes sobre quem se trata. Em outro, recebeu visita "do senhor Gensio, para entrega de novos óculos".

A maioria dos compromissos registrados também não foi acompanhada da pauta do encontro.

Em 17 de janeiro, por exemplo, Janja compartilhou nas redes sociais fotografias de audiência com Rogério Carvalho, diretor da curadoria dos palácios presidenciais. "Botando a casa em ordem com a ajuda do Rogério Carvalho. Se tem alguém me ajudando a recompor o Alvorada, é este querido e competente arquiteto", escreveu.

Mais recentemente, a primeira-dama publicou um vídeo, direto de seu gabinete, para falar das inscrições do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em 13 de junho, mas sua entrada no palácio naquele dia não foi registrada na relação do Planalto.

Como a Folha mostrou, Janja atua como uma espécie de "algoritmo" de Lula. Ele não usa celular e é pouco ligado à instantaneidade do noticiário atual, mas recebe informações da socióloga, que participa diretamente das reações do mandatário aos acontecimentos no Brasil e no mundo.

Janja também acompanhou Lula em três reuniões ministeriais: nos dias 14 de março, 10 de abril e 15 de junho. Não consta, no entanto, a presença dela na primeira reunião de Lula com seus auxiliares, realizada em 6 de janeiro. Na ocasião, entrou na sala para entregar a cada um dos 37 ministros fotos tiradas durante a posse do petista.

Ela participou ainda de reunião entre o presidente, ministros, governadores e representantes do Judiciário e do Congresso para tratar do combate à violência nas escolas em abril. Uma outra reunião com governadores, em janeiro, no entanto, não consta nos registros divulgados.

Próxima dos setores culturais da sociedade, Janja já recebeu desde o ex-BBB e enfermeiro Cezar Black à cantora Fafá de Belém, além de ter organizado um encontro com influenciadores no Planalto que apoiaram o presidente na campanha.

Do Congresso, Janja se reuniu com deputadas petistas, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), e Benedita da Silva (RJ). A própria primeira-dama se define nas redes sociais como "petista de carteirinha".

No dia 11 de janeiro, recebeu uma "visita de cortesia" da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) —na agenda enviada à reportagem, Dilma é identificada como "ex-presidenta".

A primeira-dama, que não gosta de ser chamada pelo título, mas pelo apelido de Janja, disse desde o princípio que quer ressignificar esse papel.

A sua atuação no governo não tem sido tão presente quanto na campanha eleitoral, mas ela ainda guarda um papel de destaque no Planalto e ao lado do presidente, o que gera ainda certo incômodo de aliados.

Aliados de Janja e auxiliares palacianos, contudo, minimizam sua interferência.

Em linhas gerais, há uma percepção de que integrantes do governo se acostumaram com a sua participação, ainda que os limites dela não estejam claros. Também há um cuidado de interlocutores de Lula em não comprar qualquer desgaste envolvendo a atuação dela.

Ainda há uma defesa que ela tem o direito de participar onde for convidada, como dizem ser o caso de reuniões ministeriais e eventos ao lado do presidente.

Um argumento amplamente utilizado também é o da misoginia e o fato de que as pessoas não estão acostumadas a ver uma primeira-dama atuante politicamente.

Neste ano, o governo cogitou criar um cargo oficial para Janja. A ideia inicial era que fosse um gabinete de ações estratégicas em políticas públicas, um posto novo, que acompanharia pautas prioritárias ao chefe do Executivo. Sem remuneração, ela não teria poder de propor ou formular políticas públicas.

O Planalto desistiu da ideia após ter recebido sinalizações de que ela poderia ser interpretada como nepotismo. Além de que poderia gerar um novo problema político: a primeira-dama, com cargo oficial, poderia ser convocada no Congresso.

Alguns detalhes da agenda de Janja

Reuniões fora do calendário de ministros:

  • 10.jan, às 10h: Margareth Menezes (Cultura)
    Recepção da comitiva do Ministério da Cultura para vistoria dos estragos deixados pelos atos terroristas de 8 de janeiro ao acervo do Palácio do Planalto; houve publicação no Instagram
  • 16.jan, às 14h30: Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação)
    Na agenda dele, no mesmo horário, consta reunião com Luis Costa Pinto, representante da Associação Brasileira de Mídias Digitais
  • 27.jan, às 16h: Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais)
  • 2.mar, às 10h: Cida Gonçalves (Mulher) e Anielle Franco (Igualdade Racial)
    Reunião com Cida Gonçalves e deputado federal Reimont (PT-RJ); houve publicação no Instagram, com presença de Anielle Franco
  • 17.mar, às 14h: Rui Costa (Casa Civil)

Encontro na agenda de ministra
Somente Esther Dweck (Gestão), registrou reunião com Janja em 6 de março, às 10h; também há publicação no Instagram

Eventos em que Janja esteve presente:

  • 17.jan: Sem registro na LAI de agenda, mas Janja postou no Instagram foto de reunião com Rogério Carvalho, curador dos palácios presidenciais
  • 20.jan: Sem registro na LAI de agenda, mas postou foto com Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, afirmando ter ganhado nova agenda da instituição
  • 10.fev: Foto emblemática entre Lula e Biden
  • 10.mar: Sem registro na LAI de agenda, mas postou foto no lançamento do programa Mulheres de Favela
  • 2.mai: Postou foto em reunião com a representante dos Estados Unidos na ONU (Organização das Nações Unidas), embaixadora Linda Thomas-Greenfield
  • 26.mai: Postou foto em reunião com Cida Gonçalves no Ministério das Mulheres, sobre políticas de enfrentamento à misoginia
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