Descrição de chapéu
Governo Tarcísio violência

Mortes em Guarujá confrontam Tarcísio com DNA bolsonarista

Ação da PM é maior teste até aqui da construção da imagem política do governador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), era um notório desconhecido até que Jair Bolsonaro (PL) o sacou como candidato para uma vitória avassaladora no ano passado. Ministro da Infraestrutura, deixou Brasília para atropelar 27 anos de tucanato no primeiro turno e o PT de Lula, no segundo.

Desde que assumiu o Palácio dos Bandeirantes, é confrontado com o dilema acerca de seu DNA bolsonarista. Ora lembra que nunca foi aderente da seita, como seu trabalho pregresso no governo federal sob o MDB e o PT provariam, ora jura lealdade ao criador.

Policiais militares vigiam a vila Zilda, em Guarujá, onde um integrante da Rota foi morto
Policiais militares vigiam a vila Zilda, em Guarujá, onde um integrante da Rota foi morto - Danilo Verpa - 31.jul.23/Folhapress

Há um bom motivo para isso: ele teve os mesmos 55% que Bolsonaro no maior colégio eleitoral do país, então não pode alienar a fatia disso que se diz bolsonarista raiz, sob pena de pagar o mesmo preço que o antecessor João Doria (ex-PSDB) pagou ao renegar o voto BolsoDoria de 2018.

A declaração de inelegibilidade do ex-presidente facilitou, teoricamente, o jogo. Tarcísio, pela gravidade do cargo se não por disposição, é um candidato natural a ocupar o espaço da centro-direita e da direita no país. Alertam contra a mosca azul aliados que preferem vê-lo consolidar seu trabalho em São Paulo.

O episódio em que Bolsonaro o jogou aos leões de rede social que lhe servem, na tentativa frustrada do ex-presidente de conduzir o PL à rejeição da reforma tributária, foi um aperitivo do risco de melindrar o padrinho. Eles fizeram pazes públicas depois, mas a cunha política na relação está dada.

Nessa formação de persona, há a aposta no verniz tecnocrático que a burocracia brasiliense lhe conferiu. De cara, lançou-se como um privatizador convicto, que quer ver a Sabesp fora do controle estadual, tarefa hercúlea. Quase quebrou o martelo da B3 em um leilão simbólico, do último trecho do paquidérmico Rodoanel.

Mas a realidade de um estado colossal se interpôs rapidamente, e de forma tristemente previsível: um incidente de letalidade policial exacerbada. Doria conhece bem o problema: também em seu primeiro ano no cargo, em 2019, viu uma ação da Polícia Militar acabar em mortes, na repressão a um baile funk em Paraisópolis.

Aquele episódio mudou a trajetória do então tucano, que apostava no discurso linha-dura e bons números da segurança para manter o voto mais conservador. Ele o perderia de vez com o rompimento, aí por motivos indiscutivelmente nobres, com Bolsonaro durante a crise da pandemia. Ao longo do governo, veria o espírito bolsonarista espraiar-se nas forças de segurança paulista.

Agora, Tarcísio vê também cadáveres se colocarem ante seu discurso. A reação inicial do governador, de defender a operação da PM em Guarujá, sugere que ele não fará a mudança de rota (sem trocadilhos) que Doria fez. Nesta terça (1º), acenou ao prometer apuração de abusos, mas seguiu no diapasão de apoio à polícia.

Já seu secretário de Segurança, o polêmico bolsonarista Guilherme Derrite, mostrou suas credenciais ao fazer uma defesa da violência, equivalendo a inaceitável morte de um PM da Rota a talvez duas dezenas de vítimas.

Configura-se assim o velho "bandido bom é bandido morto" dos tempos de Paulo Maluf, o "bandido que reagir vai para o cemitério" de Doria e "vai levar bala" do governador-tampão Rodrigo Garcia (PSDB), derrotado por Tarcísio.

Isso, por evidência histórica, tem ressonância no eleitorado paulista e na elite financeira baseada na capital, que abraçou o bolsonarismo com gosto. A esquerda nunca conseguiu trabalhar seu discurso na área, que raramente sai de simplificações sobre como o capitalismo gera o crime e tal.

Mas, como a tentativa de tirar as necessárias câmeras corporais dos uniformes policiais e os vaivéns acerca da cracolândia demonstram, o atual inquilino do Bandeirantes muda de opinião sob pressão —restando saber aqui o que fará mais efeito, se o trabalho da Ouvidoria das Polícias e sua repercussão na imprensa ou a histriônica bancada bolsonarista na Assembleia.

Pelas evidências disponíveis, houve abuso em Guarujá, mas isso é com as investigações. Do ponto de vista de impacto político, Tarcísio enfrenta o maior teste para a construção de seu personagem no poder, confrontado com o DNA que o elegeu.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.