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Eleições Datafolha

Apoio de Bolsonaro é bênção tóxica para Ricardo Nunes em SP

Prefeito tem desafio de manter eleitorado sem alienar centro; Tabata pode ser novidade

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São Paulo

A primeira pesquisa do Datafolha acerca da eleição de 2024 em São Paulo mostrou que a maior cidade do Brasil segue sua vocação de barômetro algo impreciso da política do país.

Não surpreende, pois, que a disputa do ano que vem tenha na grande polarização nacional ainda vigente entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o antecessor ora inelegível Jair Bolsonaro (PL) o pano de fundo em sua gestação, com uma preponderância da incerteza em torno do apoio do ex-presidente.

Ricardo Nunes observa Bolsonaro falar sobre votação de sua inelegibilidade, em SP
Ricardo Nunes observa Bolsonaro falar sobre votação de sua inelegibilidade, em SP - Marlene Bergamo - 26.jun.2023/Folhapress

Como seria natural, ainda é cedo para estipular cenários definitivos, até porque alguns nomes podem surgir para embaralhar as cartas do jogo. Eles frequentaram nos últimos anos pesquisas, como o eterno desistente José Luiz Datena, e campanhas, como o perene perdedor Celso Russomanno (Republicanos).

Isso colocado, a fotografia de agosto do Datafolha ecoa a tradição política da capital. Desde 1988, na segunda eleição direta após o fim da ditadura militar de 1964, os paulistanos se dividem, grosso modo, entre os campos da centro-esquerda e da centro-direita.

Oriundo do campo dito azul ao herdar o cargo do antipolítico João Doria e reeleger-se, o falecido Bruno Covas (PSDB) mirava o centro, mas a sua morte em 2021 deixou a prefeitura nas mãos de um apagado membro do establishment da vereança, Ricardo Nunes (MDB), mais à direita.

Agora, ele por ora divide o protagonismo de pré-candidato com o nome emergente da esquerda, Guilherme Boulos (PSOL), que tirou do PT a primazia que o partido de Lula tinha na encarnação do campo vermelho da cidade já em 2020 —quando a insistência dos petistas em terem um candidato levou a sigla ao vexame.

O deputado psolista já entra na disputa com Lula e o PT a tiracolo, e a cidade vem de uma eleição em que seu pêndulo político pendia para a esquerda: tanto o presidente teve mais votos nela quanto seu candidato derrotado a governador, o hoje ministro Fernando Haddad (PT).

No cômputo estadual, o conservadorismo do interior mostrou sua força, levando o placar paulista a favorecer tanto Bolsonaro quando seu apadrinhado Tarcísio de Freitas, um desconhecido ministro que virou governador.

Quando o Datafolha atesta uma aprovação maior de Lula e menor de Tarcísio na capital hoje em relação às suas taxas federal e estadual, respectivamente, a sugestão na praça é de que o pêndulo segue no lugar. O que é boa notícia potencial para Boulos, de resto com uma dianteira de 32%, distante da zona de conforto.

O psolista sabe da dificuldade de aceitação de seu nome em meios mais conservadores da capital, avessos à imagem que lhe será pespegada pela concorrência de radical invasor de domicílios. Lula ajudará, mas não será o suficiente.

Do lado de Nunes, a equação, contudo, é bem mais complexa por não vir num pacote fechado. Ter o apoio hoje de Bolsonaro é uma bênção tóxica com que o prefeito terá de lidar, ciente de que não pode prescindir do ex-presidente, mas também deve evitar juras de amor entusiasmadas.

O pêndulo mais à esquerda sugere uma resistência maior a Bolsonaro na capital, expressa na resposta ao Datafolha sobre a aceitação de uma indicação dele: 68% disseram que não votariam de forma alguma em seu candidato. Aqui, um grão de sal: eram 62% os que falavam isso em 2022 —e Tarcísio está no Palácio dos Bandeirantes.

Aliados do prefeito insistem em que ele não irá se aproximar tanto, mas qualquer sinal de abandono, em especial na hipótese de agravamento do cerco judicial contra Bolsonaro, poderá levar a uma ruptura. E isso poderia colocar de volta no jogo um candidato bolsonarista puro, como Ricardo Salles (PL) foi até ser coagido a desistir pelo ex-chefe.

Se alienar o voto bolsonarista, Nunes poderá ficar pelo caminho. No seu mundo ideal, Bolsonaro sairia de cena para cuidar dos próprios problemas sem se opor a ele, mas daí falta combinar com o ex-presidente, que adora a ideia de ter aliados à frente do segundo e do terceiro orçamentos do país.

Assim, Bolsonaro por ora tem a vaga de vice de Nunes como uma nota promissória. Se o prefeito irá pagá-la, é algo a ver, e em seu favor há a anemia de nomes no PL —ao menos se insistir em evitar a presença de radicais em sua chapa.

E, claro, o prefeito precisa melhorar sua imagem. É fato que sua aprovação dobrou após pouco mais de um ano, mas ainda é baixa (23%), empatando com sua intenção de voto. A figura cinzenta, refletida nos 49% que o consideram regular, pode ser suficiente com a carteira aberta para obras e propaganda, mas isso é algo para acompanhar.

A pesquisa trouxe também como novidade a chegada em grande estilo da deputada Tabata Amaral (PSB) ao jogo. Egressa dos movimentos antipolíticos da safra 2018, mais à esquerda mas crítica da ossificação típica do campo, ela estreou com dois dígitos (11%) na corrida.

Com 29 anos, mulher, história de superação da pobreza por meio do ensino, rejeição baixa (23%) e conhecimento ainda mediano (50%), ela tem uma avenida se o seu partido cumprir, como parece que vai, a promessa de investir em seu nome. Se isso bastará para encorpá-la atrás de uma vaga de segundo turno, é outra história, até porque sua inexperiência ante o jogo bruto de uma campanha deste porte ainda será posta à prova.

Seja como for, o eventual crescimento da deputada poderá ter impacto não só para Boulos, com quem em tese tem mais afinidade, mas também para Nunes, dado que algumas siglas de sua chapa podem se animar a embarcar com papel de maior protagonismo numa candidatura rival.

Por fim, Kim Kataguiri, outro deputado jovem (27 anos) da antipolítica, aparece com respeitáveis 8%, empatado tecnicamente com Tabata. Mas ele é figura mais carimbada num certo meio que orbita redes sociais, e traz consigo grande rejeição (35%) para pouca exposição (36%), quando a regra de ouro preconiza o inverso.

Mais importante, contudo, é seu partido, a União Brasil. A sigla tem aquele que é considerado a maior eminência parda do poder em São Paulo, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, como seu dono na cidade.

O arranjo com Nunes é anterior ao momento em que o então vice de Covas herdou o mandato. A chance de ele dar legenda a Kim é próxima de zero, embora um bom desempenho do deputado em pesquisas cacife o União na enorme coligação que se forma em torno de Nunes. Claro, tudo isso muda com uma virada ora insondável de números, mas é o mapa colocado na mesa agora.

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