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Moro vê revanchismo de Lula e falha técnica em decisão de Toffoli sobre Odebrecht

Ex-juiz da Lava Jato diz que governo quer punir quem atuou contra corrupção e cria condições para PT nunca mais ser investigado

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Brasília

Ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) disse que o presidente Lula (PT) estimula um revanchismo contra quem o investigou e, com isso, tenta reescrever a história.

Em entrevista à Folha, ele comentou a nova ofensiva contra a Lava Jato. Entre as medidas recentes mais simbólicas, está a anulação das provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht, por decisão do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 6.

O senador Sergio Moro, durante audiência no Congresso - Geraldo Magela - 12.set.23/Agência Senado

"Existem alguns erros técnicos. Por exemplo, há uma afirmação de que a prova não teria sido obtida por cooperação jurídica internacional, [mas foi] baseada numa informação falsa prestada pelo Ministério da Justiça", afirmou o senador.

Além disso, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) afirmou na semana passada que investigará magistrados que atuaram na Lava Jato, entre eles Moro.

"As ações do governo Lula são direcionadas nesse sentido, punir quem se levantou não contra o PT, mas contra a corrupção, e por outro lado criar as condições para que nunca mais o PT possa ser investigado."

Moro foi responsável pela Lava Jato no Paraná até 2018, quando deixou a magistratura para virar ministro de Jair Bolsonaro.

Em 2021, sua atuação nos casos de Lula foi declarada parcial pelo Supremo, que também anulou a sentença expedida contra o hoje presidente. A medida ocorreu após a Lava Jato ter sua credibilidade abalada com a divulgação de conversas entre o então juiz e procuradores, que mostraram colaboração nos processos.

Decisão sobre a Odebrecht

A gente respeita as decisões judiciais. Um recurso foi apresentado. Existem alguns erros técnicos —por exemplo, há uma afirmação de que a prova não teria sido obtida por cooperação jurídica internacional, [mas foi] baseada numa informação falsa prestada pelo Ministério da Justiça. E depois o próprio ministério informou que houve, sim, a cooperação. Esses elementos de prova, a contabilidade da Odebrecht foi fornecida pela própria empresa, não existe nenhum indicativo de que teria havido alguma adulteração.

De todo modo, o que eu vejo é que existe um revanchismo, estimulado pelo governo Lula, e que acaba afetando todas as instituições, e que [Lula] quer reescrever a história. O Lula não se conforma de ter sido condenado em três instâncias por corrupção e ter sido preso com autorização do Supremo Tribunal Federal. Ele quer, à moda stalinista, reescrever essa parte da história e gera esse clima de ataques a agentes que trabalharam na Operação Lava Jato.

Investigação contra procuradores, magistrados e policiais da Lava Jato

Estamos entrando num caminho bastante perigoso que é o risco à independência da magistratura e do Ministério Público. Isso é um passo perigoso ao enfraquecimento da nossa democracia. A ameaça de sanção acaba tendo um efeito intimidatório sobre toda a magistratura. Quem vai ter coragem de investigar casos de corrupção ou proferir sentenças condenatórias contra casos de corrupção num cenário de retaliação promovida pelo governo Lula?

As ações do governo Lula são direcionadas neste sentido: punir quem se levantou não contra o PT, mas contra a corrupção, e por outro lado criar as condições para que nunca mais o PT possa ser investigado.

Reescrever a história

Não vão conseguir reescrever a história porque os fatos são inegáveis. A Petrobras recuperou R$ 6 bilhões por conta da Lava Jato. Então não há como negar que a Petrobras foi saqueada. Hoje há um desmantelamento do combate à corrupção e dos mecanismos preventivos, como o relaxamento da Lei das Estatais que permitiu a volta do loteamento político partidário sem limites dos cargos nas estatais.

Uso de dados antes da cooperação internacional

O acordo de leniência foi amplamente favorável ao Brasil, implicou, no caso da Odebrecht, numa devolução de mais de R$ 3 bilhões. A Odebrecht se comprometeu a colaborar. A Odebrecht entregou as provas voluntariamente por conta do acordo. Para essa entrega voluntária é absolutamente desnecessária a cooperação jurídica internacional. Paralelamente, por cooperação jurídica internacional, foi obtida uma cópia dessa contabilidade com as autoridades suíças.

Não significa que o que consta na contabilidade [da empresa] deve ser tido por verdadeiro. Têm que ser colhidas outras provas para gerar uma condenação criminal. Mas uma coisa é discutir isso no campo da validade e outra coisa é a questão da credibilidade da prova. Nós respeitamos a decisão do ministro, mas há um equívoco técnico em misturar as duas coisas.

Validade das provas

O próprio Supremo Tribunal Federal foi quem homologou por decisão da ministra Cármen Lúcia os 77 acordos de colaboração premiada com os executivos da Odebrecht. Então, essa prova também foi obtida por outros meios, depoimentos e outros elementos que esses indivíduos forneceram. Tem que ser analisado em cada caso concreto. Outros países estão utilizando essas provas, como Peru e Colômbia. Na América Latina, normalmente o caso Lava Jato é chamado caso Odebrecht.

Efeito nas condenações da Lava Jato

Não tenho como avaliar isso para os casos concretos, específicos. Houve muitas condenações na Operação Lava Jato. Uma parte decorrente do acordo da Odebrecht. Outras partes totalmente independentes. Então tem que fazer uma análise caso a caso.

Precedente contra independência da magistratura

Quando se abrem precedentes e se vulnera a garantia da independência da magistratura com base em premissas falsas, nada impede que, com a mudança dos ventos no futuro, os próprios algozes acabem sendo eventualmente afetados por esse enfraquecimento, e aqui me refiro ao governo Lula mais uma vez.

Ministério da Justiça encontrou acordo com Suíça após decisão do STF

Eu não posso afirmar, sem ter evidências, de que foi algo deliberado. Eu atribuo à incompetência, a uma falha.

Prisão do Lula citada por Toffoli como 'um dos maiores erros judiciários'

A prisão do Lula foi determinada somente após a condenação em segunda instância. Nunca houve uma prisão preventiva do ex-presidente. Foi uma condenação confirmada pelo TRF (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), teve habeas corpus negado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pelo STF.

Investigação no CNJ

Eu não vi a decisão ainda [expedida após uma inspeção na Vara Federal que reportou ter havido uma 'gestão caótica']. Estou esperando se vou ser notificado ou não, estou um tanto quanto curioso para ver essa decisão porque eu não sou mais juiz, não tenho nenhum vínculo com o Judiciário e, portanto, não estou sujeito ao poder disciplinar do CNJ. Aliás, a sanção mais grave prevista contra um magistrado é a aposentadoria compulsória, e enfim não faz nenhum sentido. De todo modo, eu tenho absoluta tranquilidade do trabalho que foi feito na Operação Lava Jato.

Avaliação do ministro Flávio Dino (Justiça)

Hoje se vê um Ministério da Justiça focado em pautas que não interessam à população. Há, por exemplo, uma crise de segurança na Bahia e o governo parece paralisado. Nós vimos, no 8 de janeiro, a Força Nacional inoperante, e [ela] poderia ter sido utilizada para prevenir as invasões. Até o momento não temos uma política de segurança pública e isso dá azo a esse tipo de avaliação de que o foco do ministério e do próprio governo Lula é a perseguição a adversário dos políticos.

Favoritos ao STF

Eu não comentarei nenhuma indicação antes de ela ser concretizada. Lula disse que não vai levar em consideração critérios de gênero ou de raça ou de diversidade. O que se lê por trás dessa afirmação? Um desgosto, uma decepção do Lula com a anterior nomeação do ministro Joaquim Barbosa, que, ao contrário de ser subserviente, foi um juiz altivo e mostrou independência na condução do caso do mensalão. Para o Lula, isso é um erro, porque ele queria um escravo, e não um juiz.

Pedido de cassação contra o senador

Essa história da cassação é mais boato, zum zum zum, do que qualquer outra coisa. Nós respeitamos a Justiça Eleitoral, diferentemente da presidente do PT [Gleisi Hoffmann] e vamos aguardar com serenidade o julgamento tanto pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) como pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Forças Armadas

A gente vê uma ofensiva do governo Lula contra as Forças Armadas. É evidente que as Forças Armadas não participaram de nenhum golpe. Causa às vezes surpresa quando a gente vê lideranças do PT atacando generais, almirantes, brigadeiros da cúpula das Forças Armadas. O governo Lula segue um caminho muito perigoso, buscando enfraquecer as Forças Armadas, talvez com o intuito de controlá-las.

RAIO-X | SERGIO MORO, 51

Senador filiado à União Brasil, foi juiz na Operação Lava Jato e condenou Lula em primeira instância no processo que levou o petista à prisão. Abriu mão da magistratura para ser ministro da Justiça de Bolsonaro e deixou a pasta após 16 meses. Moro foi declarado parcial pelo STF em sua atuação nos processos de Lula e teve suas decisões anuladas.

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