CPI do 8/1 acaba ofuscada por delação de Cid e com derrotas impostas pelo STF

Além de reveses, comissão que pediu indiciamento de Bolsonaro expôs preocupação do governo Lula com militares

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Brasília

A CPI do 8 de janeiro concluiu seus trabalhos nesta quarta-feira (18) após cinco meses de funcionamento em que o colegiado sofreu reveses do STF (Supremo Tribunal Federal) e acabou a reboque da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

Mesmo assim, parlamentares da base veem saldo positivo na CPI e afirmam que o relatório aprovado fortalece investigações conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes (STF) e as apurações da Polícia Federal.

A comissão aprovou a sugestão de indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outras 60 pessoas, incluindo cinco ex-ministros.

Parlamentares governistas comemoram a aprovação do relatório da CPI do 8/1 - Pedro Ladeira/Folhapress

Ao longo dos trabalhos, o ministro do STF Kassio Nunes Marques impôs duas duras derrotas ao colegiado dos parlamentares. Na primeira delas, suspendeu a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF (Polícia Rodoviária Federal).

O magistrado ainda dispensou Marília Ferreira (ex-braço direito de Anderson Torres) de prestar depoimento —diferentemente de outros ministros do STF, que determinaram que as pessoas convocadas poderiam ficar em silêncio, mas eram obrigadas a ir.

A investigação também acabou ofuscada pela delação premiada de Cid. Ainda que sob sigilo, as informações levantadas pela PF foram um dos principais argumentos da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), para pedir o indiciamento de Bolsonaro.

Mesmo podendo prorrogar a CPI, a base do governo abriu mão de ouvir o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e um de seus principais ministros.

Outro militar que acabou blindado pela comissão foi o ex-comandante da Marinha Almir Garnier —apontado por Cid como o comandante militar sob Bolsonaro mais adepto a apoiar um golpe de Estado contra a eleição do presidente Lula (PT).

A preocupação do governo Lula com a caserna ficou escancarada quando o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), perguntou ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, se haveria constrangimento na convocação de militares para a CPI.

Parlamentares da base admitem reservadamente que interlocutores do ministro e das Forças Armadas pediram que a CPI evitasse a convocação de militares da ativa e deixasse essas investigações para a PF.

Em julho, o próprio Múcio disse à Folha que não via problemas na decisão de Cid de prestar depoimento fardado. Na ocasião, ele declarou que outros militares poderiam fazer o mesmo —o que acabou ocorrendo com o general Gustavo Dutra, ex-chefe do Comando Militar do Planalto.

General Gustavo Dutra (de farda) conversa com advogado durante depoimento à CPI do 8/1, em setembro - Pedro Ladeira-14.set.2023/Folhapress

Aliados da relatora afirmam que ela escolheu atrelar Bolsonaro aos mesmos crimes pelos quais os réus do 8 de janeiro estão sendo condenados no STF de propósito, para se respaldar. São eles: associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Parte dos deputados e senadores da base queria que a CPI também sugerisse o indiciamento do ex-presidente por corrupção pelo caso das joias recebidas de autoridades estrangeiras. A discussão ocorreu até horas antes da apresentação do parecer, mas a relatora foi contra.

Aliados de Lula afirmam que, no campo político, o relatório final também dará força para a discussão de projetos que limitam a participação de militares na política —como a proposta apresentada em setembro pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

Para o presidente da CPI, deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA), a comissão cumpriu papel importante ao manter o episódio do dia 8 de janeiro vivo. "Acho que a CPI tem o poder de fazer essa catarse, fazer essa DR [discussão de relação] pública", diz.

"Se não fosse a CPMI, o 8 de janeiro já estaria esquecido. E não é para ser esquecido. Agora, discutir esse assunto com a sociedade, ver como podemos fazer para evitar que isso se repita, é uma coisa. O conjunto de conclusões é outra questão."

A proposta dessa CPI partiu dos próprios bolsonaristas, responsáveis pelos ataques golpistas às sedes dos três Poderes.

Acuados pela repercussão do ataque, viram na proposta de comissão uma forma de contra-atacar a narrativa real do 8/1, insinuando, por exemplo, que havia simpatizantes de Lula infiltrados entre os participantes dos ataques, o que nunca foi apresentado com mínimos indícios.

A criação da comissão tornou-se inevitável em abril diante da crise do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que provocou a primeira queda de ministro na atual gestão petista após 3 meses e 19 dias do começo do mandato.

A crise que levou à saída do chefe do GSI teve como estopim a divulgação de imagens do circuito interno da segurança durante a invasão da sede da Presidência da República que mostram uma ação colaborativa de agentes com golpistas e a presença do general Gonçalves Dias no local.

O foco de investigação da CPI foram os bolsonaristas, responsáveis pelos ataques golpistas aos prédios principais dos três Poderes. Entraram nisso os vândalos em si, os organizadores dos atos, os financiadores dos acampamentos e caravanas e os autores intelectuais, como Bolsonaro.

Do outro lado do embate político, a oposição afirma que o governo não quis prorrogar nem aprofundar as investigações para não expor ainda mais erros da gestão Lula —sobretudo na falta de proteção do Palácio do Planalto, que cabia ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Durante a votação, parlamentares protestaram contra a blindagem ao ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Bolsonaristas argumentam que o ministro, ciente dos riscos de violência no 8 de janeiro, deveria ter acionado a Força Nacional.

O ministro, por outro lado, afirma que não poderia ter feito isso sem aval do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Ele demonstrou que havia colocado os homens à disposição do emedebista na véspera dos ataques.

A oposição criticou a decisão da relatora de não propor o indiciamento de Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI de Lula. A relatora argumentou que o general manteve a estrutura deixada por seu antecessor, Augusto Heleno, e estava havia apenas oito dias no cargo.

"O ministro do GSI Gonçalves Dias enunciou a frase que vai dar sequência a essa novela: 'Vamos ter problemas'. Vocês acham que ele disse isso, às 8h56 da manhã do domingo [8 de janeiro], sabendo pouco?", questionou o senador Esperidião Amin (PP-SC).

A comissão acabou dominada por deputados federais diante do desinteresse de senadores da base de Lula —começando pelo próprio vice-presidente, senador Cid Gomes (PDT-CE), que nem sequer participou da votação do relatório final.

Já Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), titular da comissão, abriu caminho para a participação do suplente, Sergio Moro (União Brasil-PR), adversário do Planalto. Outros titulares, como os senadores Marcelo Castro (MDB-PI), Omar Aziz (PSD-MA) e Otto Alencar (PSD-BA), também ficaram longe das investigações.

Em muitos momentos, a defesa do governo coube a aliados diretos do ministro da Justiça, como os deputados federais Jandira Feghali (PC do B-RJ), Rubens Pereira Jr. (PT-MA) e Duarte Jr. (PSB-MA) —pré-candidato à Prefeitura de São Luís (MA) com apoio do ministro da Justiça.

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