Descrição de chapéu terrorismo guerra israel-hamas

Lula formou visão sobre Israel em viagem com tradutor de direita e surpresa em museu

Visita há 30 anos foi marco de sua relação de aproximações e estranhamentos com a comunidade judaica

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São Paulo

Em pauta devido ao atual conflito no Oriente Médio, a relação entre o presidente Lula (PT) e a comunidade judaica sofreu forte influência de viagens que ele fez a Israel.

Menos conhecida, a primeira visita dele ao país, há 30 anos, foi representativa de seu estilo como chefe de Estado, segundo aliados. Além disso, incluiu um ingrediente pessoal na visão do petista sobre a trajetória do povo judeu.

homem grisalho de terno diante de bandeira branca com estrela de david em azul
Lula durante visita do presidente de Israel, Shimon Peres, ao Brasil em 2009 - Sérgio Lima - 11.nov.2009/Folhapress

Em julho de 1993, Lula desembarcou no aeroporto de Tel Aviv com a então esposa, Marisa Letícia, o agrônomo e colega de partido José Graziano, o empresário Oded Grajew e a esposa deste, Mara.

A ideia, segundo Grajew, era preparar o petista para conhecer de perto as questões do Oriente Médio um ano antes da eleição no ano seguinte.

Por cerca de uma semana, a comitiva visitou um kibutz, conheceu a famosa central sindical do país e conversou com líderes políticos israelenses e palestinos.

Nenhum deles manifestou incômodo com o fato de Lula falar com o outro lado. Dois meses depois ficou claro o motivo do clima distensionado: naquele momento, estavam em curso as negociações para os Acordos de Oslo.

Firmados em setembro daquele ano, eles representaram o momento de maior otimismo na história recente em relação à paz na região.

Naquele início de julho, por sua vez, o único ruído que houve na viagem a Israel foi dentro da equipe que acompanhava a comitiva, lembra Grajew.

"O intérprete era um cara de direita que distorcia tudo. Só que ele não sabia que eu falava hebraico", diz. "Percebi e chamei a atenção dele."

A ascendência judaica do empresário, que nasceu em Tel Aviv e migrou para o Brasil aos 12 anos, esteve por trás de outro momento marcante na viagem.

Foi quando eles foram ao Museu do Holocausto em Jerusalém. A instituição disponibiliza ao público a consulta a um acervo com nomes de vítimas do Holocausto.

Clara Ant, assessora e companheira de militância de Lula, narra o episódio em seu livro "Quatro Décadas com Lula" (ed. Autêntica), publicado no ano passado.

"Para surpresa geral, Oded, que é judeu, não encontrou nenhuma menção de seu sobrenome nos arquivos", escreve. "Já Lula se deparou com várias pessoas de sobrenome Silva, passando, a partir daí, a tomar esse dado como indicador de que ele próprio talvez seja de origem judaica."

A obra afirma também que "Lula, como boa parte dos brasileiros, foi influenciado por preconceitos contra os judeus", mas que, à medida que conheceu pessoas judias e a história do povo judeu, despiu-se desses preconceitos.

À Folha Ant afirma que se referia aos relatos do petista segundo quem, nas fábricas, havia uma visão corrente, e equivocada, de que os judeus eram sempre pessoas ricas.

O livro dela narra momentos de aproximação e tensão do governo petista com representantes da comunidade judaica.

Entre os primeiros episódios, estão a participação de Lula em celebrações do Ano Novo judaico e em cerimônias em memória às vítimas do Holocausto.

Já os episódios de maior animosidade estão ligados à relação que o petista teve com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, negacionista do Holocausto, em 2009.

Segundo o relato de Ant e também o do assessor e ex-chanceler Celso Amorim em outro livro, o petista reclamou com o iraniano de sua posição em relação ao tema. Mas não foi o suficiente para afastar por completo o mal-estar causado.

"O presidente Lula é uma pessoa amistosa, preza pela boa relação com a comunidade judaica e tem respeito pelos judeus", diz Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil).

"Mas existe um presidente Lula que é protocolar e algumas posturas tomadas durante sua liderança não são bem vistas pela comunidade judaica, como a simpatia pelo Irã, que é um financiador do Hamas", diz.

No ano seguinte à vinda de Ahmadinejad, Lula foi a Israel novamente, na primeira visita de um chefe de Estado brasileiro ao país desde dom Pedro 2º.

Lula recebe o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, no Palácio do Itamaraty, em 2009 - Sérgio Lima - 23.nov.2009/Folhapress

A viagem teve um ruído em torno da recusa pela diplomacia brasileira em incluir no roteiro uma ida de Lula ao túmulo do teórico do sionismo Theodor Herzl, sob a justificativa de que não estava na agenda.

Mas uma série de acenos a Israel foram feitos, como a deposição de flores em memória a soldados israelenses mortos em conflitos regionais e a participação do petista em evento com representantes da comunidade judaica brasileira.

"Ele se emocionou muito no Museu do Holocausto, foi uma visita histórica", diz Lottenberg. "O PT é muitas vezes radical em relação a Israel e beira o antissemitismo, não vejo Lula alinhado a isso."

Nuances como essa ficaram mais apagadas após a ascensão do bolsonarismo, em razão da polarização e do crescimento da influência política dos evangélicos, mais próximos de Israel.

Parte da comunidade judaica se engajou na campanha de Bolsonaro, especialmente em 2018. Foi no clube Hebraica do Rio de Janeiro que o então candidato proferiu falas preconceituosas contra quilombolas e disse que havia dado uma "fraquejada" ao ter uma filha mulher.

Por outro lado, houve também setores da comunidade judaica que se organizaram para se contrapor ao ex-presidente e defender a democracia.

Nada mais natural, diz Ant. "Nós, judeus, somos como qualquer outro povo. Tem direita, tem esquerda, tem centro, tem deixa disso, tem pacifistas e tem belicosos."

A mesma diversidade de opiniões, tanto na comunidade judaica como na esquerda, aparece no atual conflito.

Lula foi criticado por alguns por chamar os atos do Hamas de terroristas e por outros por não citar diretamente o nome do grupo como o autor dos ataques —o que ele acabou por fazer em seguida, reprovando também a postura de Israel.

"Hoje, quando o programa [Bolsa Família] completa 20 anos, fico lembrando que 1.500 crianças já morreram na Faixa de Gaza", afirmou. "[Crianças] que não pediram para o Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse de forma insana e as matasse."

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