Bolsonaro é intimado pela PF a depor sobre trama golpista e diz que não falará antes de obter dados

Ex-presidente afirma optar por não prestar esclarecimentos até ter acesso a mídias apreendidas, mas Moraes mantém depoimento para quinta

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Brasília

A Polícia Federal intimou Jair Bolsonaro (PL) a prestar depoimento na quinta-feira (22), mas a defesa do ex-presidente sinalizou que ele não deve falar.

Bolsonaro é alvo de investigação que apura a montagem de uma trama golpista em 2022 para mantê-lo no poder mesmo após a eleição do presidente Lula (PT).

Os advogados do ex-presidente afirmaram ao STF (Supremo Tribunal Federal) que ele optou por "não prestar depoimentos ou fornecer declarações adicionais" até que tenha acesso integral a mídias apreendidas nas apurações da PF. Também solicitou acesso à delação de Mauro Cid, que foi seu ajudante de ordens.

O ministro do STF Alexandre de Moraes, porém, rejeitou os argumentos de Bolsonaro e manteve a data do depoimento.

O ex-presidente Jair Bolsonaro após testemunhar sobre os ataques de 8 de janeiro em Brasília - Ueslei Marcelino - 18.out.23/Reuters

A defesa do ex-presidente disse que não abre mão, "por óbvio, de ser ouvido em momento posterior e oportuno".

"A Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o 'direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais' ao investigado ou réu, ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderão ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal", escreveu Moraes.

"Dessa maneira, não assiste razão ao investigado ao afirmar que não foi garantido o acesso integral à todas as diligências efetivadas e provas juntadas aos autos, bem como, não lhe compete escolher a data e horário de seu interrogatório", afirmou.

Moraes disse que os advogados do ex-presidente já tiveram "o acesso integral aos elementos de prova já documentados nos autos", exceto em relação às diligências em andamento e à delação de Mauro Cid.

O ministro, ao não dar o acesso à delação, diz que a jurisprudência "consolidou o entendimento no sentido de que, antes do recebimento da denúncia, não configura cerceamento de defesa a negativa de acesso a termos da colaboração premiada referente a investigações em curso".

De acordo com Moraes, "o investigado não detém direito subjetivo a acessar informações associadas a diligências em curso ou em fase de deliberação".

Além de Bolsonaro, a PF convocou para prestar depoimentos todas as pessoas que foram alvo de busca e apreensão na operação Tempus Veritatis, deflagrada no último dia 8, para apurar o caso.

Isso inclui Valdemar Costa Neto, presidente do PL, general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente, general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira e Almir Ganier, ex-comandante da Marinha.

A decisão que autorizou a Tempus Veritatis, afirmam os advogados de Bolsonaro, contém "excertos de supostas conversas presentes nos celulares apreendidos ao longo de todo este procedimento investigatório, mídias as quais a defesa não teve acesso até hoje".

"O acesso completo a esses elementos é crucial para que seja garantido o exercício do seu direito de defesa ―e mesmo de resposta a público―, de maneira adequada e efetiva", diz a peça, assinada por Paulo Bueno, Daniel Tesser e Fábio Wajngarten.

"[Bolsonaro] tem total interesse em cooperar plenamente com a investigação e provar sua inocência, contudo sua escolha nesse momento não se trata apenas da salvaguarda do direito ao silêncio, mas, primordialmente, da preservação da amplitude do direito à ampla defesa, cujo pleno exercício está sendo tolhido pelo represamento de elementos cruciais para a compreensão dos fatos", acrescentou a defesa.

"Tais elementos, se disponibilizados em sua integralidade, poderiam, inclusive, contribuir de maneira significativa para a comprovação da inocência do peticionário [Bolsonaro] e o esclarecimento da verdade real, um princípio essencial em uma sociedade justa e democrática, fundamentada nos pilares do Estado de Direito."

A intenção da PF era que Bolsonaro e os outros intimados fossem ouvidos entre quinta e sexta-feira (23).

Durante a operação no último dia 8, investigadores também prenderam ex-assessores do ex-presidente e obrigaram Bolsonaro a entregar seu passaporte.

A investigação é um dos principais reveses para Bolsonaro no cerco judicial que enfrenta desde que deixou a Presidência, em dezembro de 2022.

O ministro do STF Alexandre de Moraes escreveu em decisão autorizando a operação que está "comprovada a materialidade" dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado.

Moraes diz que Bolsonaro teve acesso e pediu modificações em uma minuta do golpe que lhe teria sido apresentada pelo ex-assessor Filipe Martins, preso na operação do dia 8.

As informações que embasaram a operação foram coletadas nas investigações no âmbito do inquérito das milícias digitais, que corre no STF, e na delação de Mauro Cid.

Durante a busca e apreensão na sede do PL, os policiais encontraram, no gabinete de Bolsonaro, um documento não assinado com justificativa para a decretação de estado de sítio no país. O documento é similar a um encontrado no celular de Cid ainda em 2023.

A defesa de Bolsonaro afirma que o texto encontrado estava originalmente no aparelho de Cid apreendido ainda no ano passado, e que os advogados do ex-presidente tiveram acesso aos arquivos por eles serem elementos da investigação.

Bolsonaro, segundo a defesa, desconhecia o conteúdo das minutas encontradas no aparelho de Cid e pediu aos advogados que as encaminhassem para seu aparelho.

Os documentos da operação também mostram que Cid e outras pessoas monitoraram a agenda e o deslocamento de Moraes. Segundo a polícia, o objetivo era que o ministro fosse preso assim que ocorresse o golpe de Estado.

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.

Bolsonaro ainda não foi indiciado por esses delitos, mas as suspeitas sobre esses crimes levaram a Polícia Federal a deflagrar uma operação que mirou seus aliados.

O ex-presidente já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é alvo de diferentes outras investigações no STF. Neste momento, ele está inelegível ao menos até 2030.

Em meio às investigações da PF, Bolsonaro chamou apoiadores para um ato na avenida Paulista no próximo domingo (25).

No vídeo que começou a circular entre aliados no dia 12, Bolsonaro pede aos apoiadores que não levem faixas e cartazes contra ninguém e fala em ato de apoio ao Estado democrático de Direito.

Ao longo de seu mandato, a principal estratégia de confronto do presidente foi a de questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.

Ele nunca apresentou provas ou indícios para questionar as urnas, mas repetiu o discurso golpista, visto como uma tentativa de esconder problemas do governo, a alta reprovação e as pesquisas que o colocavam atrás do hoje presidente Lula.

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