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TJ-SP faz eleição 'caixa-preta', prioriza benefícios a juízes e ignora acesso à Justiça

Tribunal paulista terá cofres mais gordos na próxima gestão depois da aprovação de aumento da taxa judiciária estadual

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São Paulo

As campanhas dos candidatos à presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foram marcadas por propostas predominantemente corporativistas, com prioridade ao pagamento de benefícios e atrasados aos desembargadores e juízes, e pela carência de projetos para melhorar o acesso à Justiça, o atendimento à população e a transparência do tribunal.

A eleição será realizada de forma online a partir das 0h desta quarta-feira (8) e tem como concorrentes o atual corregedor-geral do tribunal, Fernando Antonio Torres Garcia, e o vice-presidente da corte, Guilherme Gonçalves Strenger.

O vencedor da disputa para presidir o maior tribunal do país no biênio 2024-2025 terá cofres mais gordos após a aprovação de lei neste ano que aumentou o valor da taxa judiciária para apresentar processos na Justiça paulista.

Fachada do Palácio da Justiça, sede do Tribunal de Justiça de São Paulo, na região central da capital
Fachada do Palácio da Justiça, sede do Tribunal de Justiça de São Paulo, na região central da capital - Eduardo Knapp -11.out.2019/Folhapress

A Folha pediu entrevista com os candidatos para conhecer as propostas e indagar sobre temas de interesse público, mas os desembargadores informaram via assessoria de imprensa que só falarão após o pleito.

Na segunda-feira (6), a reportagem também pediu os programas de gestão dos postulantes ao cargo, mas a assessoria de imprensa do tribunal informou que as propostas foram entregues apenas aos membros do colégio eleitoral e não seriam fornecidas à Folha.

A reportagem ainda enviou email com pedido de manifestação dos candidatos quanto ao teor das propostas deles, mas novamente houve recusa dos desembargadores em se pronunciar.

Em nota, o tribunal, por meio de sua assessoria, informou que "ambos os candidatos à presidência do TJ-SP optaram por não se manifestar antes do resultado das eleições".

"Agiram assim com outros veículos pelos quais foram procurados e não seria coerente, nesse momento, responder às perguntas a apenas um jornal. Pediram desculpas e se colocaram inteiramente à disposição para o atendimento à imprensa após o resultado", afirma a nota.

Os programas de gestão a que a Folha teve acesso indicam que o foco dos candidatos será o de aumentar verbas ou quitar benefícios atrasados dos membros da corte paulista.

Uma promessa comum aos dois é elevar o valor de um benefício conhecido como auxílio-acervo, que é pago quando os magistrados recebem anualmente um número de processos igual ou superior a um patamar estabelecido pelo tribunal.

No caso das varas especializadas em matéria cível, por exemplo, os juízes receberão a vantagem caso recebam mais de 800 processos novos por ano.

Atualmente essa gratificação no TJ-SP corresponde a até 10% do subsídio mensal, mas os candidatos prometem subir o valor para até um terço da remuneração.

Em seu programa, o desembargador Garcia também defende a implantação de um adicional por tempo de serviço a ser pago aos magistrados.

O atual corregedor-geral ainda propõe a priorização do pagamento de verbas atrasadas aos juízes.

"O pagamento do passivo do tribunal, para além de mantido, deve ser priorizado e ampliado. O tempo atual não mais comporta longas esperas. Estamos em diversa realidade orçamentária, mais confortável e sensivelmente distinta da que ocorria em passado recente. Indesejável, pois, que direitos já consagrados aguardem por mais tempo sua satisfação. E esse deve ser o norte da administração", afirma a proposta.

Os desembargadores Fernando Torres Garcia (à esquerda) e Guilherme Strenger - Mathilde Missioneiro - 11.set.19/Folhapress e Ronny Santos - 30.nov.22/Folhapress

Na mesma linha, o desembargador Strenger defende "solução para quitação do passivo, seja mediante suplementação e verba junto ao governador, seja por meio de convênio com instituições bancárias".

Ele pretende afrouxar uma regra em relação ao tempo de duração dos processos, uma vez que promete fazer "gestão para alteração do atual entendimento da Corregedoria Nacional de Justiça, que considera em atraso o magistrado que possua em seu gabinete processo com mais de 100 dias sem decisão".

O colégio eleitoral da eleição para a presidência é formado atualmente por 357 desembargadores, que são os magistrados que atuam na segunda instância do Judiciário.

Os 2.200 juízes de primeira instância e os cerca de 40 mil servidores do TJ não têm direito a voto para a definição da direção do tribunal, cujo orçamento em 2023 é de R$ 15,5 bilhões.

O presidente do Tribunal de Justiça tem funções administrativas, com destaque para a elaboração da proposta de orçamento anual do Judiciário paulista, que é enviada para aprovação pelo Legislativo.

O ocupante do cargo também atua como julgador e pode abrir sindicância contra desembargadores, sendo instrutor e relator do caso até o arquivamento ou a instauração de processo administrativo.

O paulistano Fernando Garcia, 64, foi promovido a desembargador em 2008. O magistrado é da turma de 1982 da Faculdade de Direito da USP. Ingressou na carreira em 1983, como juiz substituto em Osasco e foi titular nas comarcas de Mirandópolis, Indaiatuba, Diadema e São Paulo (Foro Regional da Lapa).

Atuou como conselheiro da Escola Paulista da Magistratura, nos biênios 2016-2017 e 2020-2021, e foi eleito presidente da Seção de Direito Criminal do TJ no biênio 2018-2019.

O também paulistano Strenger, 72 é desembargador do TJ desde 2005. Bacharel e mestre em direito civil pela Faculdade de Direito da USP, ingressou na magistratura em 1981 como juiz substituto na comarca de Presidente Prudente.

Depois trabalhou nas cidades de Limeira, Regente Feijó, Mairiporã, Osasco e São Paulo. Em 2002 obteve promoção para o Tribunal de Alçada Criminal (corte já extinta), foi juiz do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e presidente da Seção de Direito Criminal do TJ-SP no biênio 2020-2021.

Na quarta-feira, os desembargadores poderão votar para cinco cargos: presidente, vice-presidente, corregedor, presidente da seção do tribunal em que atua e chapa da Escola Paulista da Magistratura.

A votação será por meio de um sistema que poderá ser acessado de qualquer computador ou dispositivo móvel. Começa na madrugada e se estenderá até as 12h de quarta-feira. Se houver necessidade de segundo turno, ele ocorrerá das 13h às 16h.

Os magistrados também poderão usar terminais de votação no Palácio da Justiça, no centro da capital, a partir das 9h. Os vencedores serão anunciados no Salão dos Passos Perdidos, no mesmo prédio, logo após o encerramento do período de votação, segundo o tribunal.

A ONG Transparência Brasil publicou nota na quarta-feira para criticar a decisão dos candidatos de não apresentarem suas propotas e o corporativismo relatados na reportagem da Folha.

Segundo a entidade, é "um ultraje a recusa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em dar ampla publicidade ao processo de escolha de seu novo presidente".

"Ao tornar as propostas dos candidatos secretas, restritas apenas ao conhecimento dos 357 desembargadores com direito a voto, o TJ-SP viola o princípio constitucional da publicidade que rege a administração pública e impede que a sociedade acompanhe de forma completa a decisão sobre quem irá administrar o orçamento previsto para o Tribunal no próximo ano", afirma.

De acordo com a nota, "como se não bastasse a afronta à Constituição, reportagem do jornal Folha de S.Paulo revela que a campanha interna dos dois concorrentes ao cargo foi marcada por propostas corporativistas, incluindo a ampliação de benefícios à magistratura, que já são abundantes".

"O mínimo que o vencedor, o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, deve fazer ao assumir o cargo é adotar postura distinta à da campanha e cumprir estritamente seus deveres constitucionais, estabelecendo uma gestão pautada na transparência, abertura ao controle social e uso racional dos recursos públicos", completa.

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