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J&F contratou Lewandowski para caso no tribunal em que ministro atuou por 9 anos

Aposentado do STF, futuro chefe da Justiça elaborou parecer e acompanhou processo do TJ-SP

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Brasília

A contratação de Ricardo Lewandowski como advogado da J&F, empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista, teve como objetivo a atuação no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), corte que ele ocupou antes de ser indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal), em 2006. O ministro aposentado do Supremo é influente e próximo a magistrados no TJ-SP.

Lewandowski, 75, era advogado até 1990, quando ingressou na magistratura como juiz do antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Em 1997, foi promovido a desembargador do TJ-SP, onde passou nove anos.

Aposentado do Supremo desde abril do ano passado, ele foi anunciado pelo presidente Lula (PT) como ministro da Justiça e Segurança Pública, e vai tomar posse no cargo no início de fevereiro.

O futuro ministro da Justiça Ricardo Lewandowski
O futuro ministro da Justiça Ricardo Lewandowski - Adriano Machado - 11.jan.24/Reuters

Entre a aposentadoria no STF e o anúncio de Lula, Lewandowski atuou para a J&F na maior disputa acionária do país atualmente, uma briga que se arrasta desde 2017 contra a Paper Excellence pela Eldorado Papel e Celulose.

A causa é bilionária e as empresas têm mobilizado bancas de advocacia para as suas defesas.

A J&F procurou o ex-presidente do Supremo logo após aposentadoria do ano passado. Pessoas próximas frisam que ele não foi contratado para atuar de forma genérica para o conglomerado, mas especificamente num processo do TJ-SP no qual a companhia dos Batista tenta anular decisões favoráveis à Paper.

Lewandowski produziu parecer sobre a causa e também passou a acompanhar o processo, inclusive participando de audiências no Tribunal de Justiça, segundo pessoas próximas a ele.

Procurada, a assessoria de comunicação do ministro aposentado afirmou que ele foi contratado "para a elaboração de parecer jurídico e do acompanhamento pontual de uma ação anulatória, oriunda de arbitragem, em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo, dentro do pleno exercício profissional da advocacia".

No parecer do ministro aposentado do STF, de 14 páginas, ele assina como "Professor Titular do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo".

O texto é recheado por menções a outros conhecidos nomes da Justiça brasileira.

Lewandowski cita uma obra escrita por si próprio, mas também menciona livro do ministro Alexandre de Moraes, com quem dividiu a composição do Supremo, e decisões do ministro aposentado do STF Cezar Peluso e do ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) João Otávio de Noronha.

Além de ser egresso do tribunal de São Paulo, onde conheceu e atuou com desembargadores que julgam processos da disputa, Lewandowski teve uma carreira no Supremo e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) conhecida pela defesa de pautas corporativas da magistratura.

No geral, também tem a imagem de ser alguém de bom trato e com um currículo admirado tanto entre magistrados como advogados.

No Supremo, ele também tomou decisão que agradou Joesley Batista em 2021, ao suspender um processo do TCU (Tribunal de Contas da União) que pedia ressarcimento de R$ 670 milhões em reparação por suposta irregularidade relacionada à compra de ações do frigorífico Bertin pelo BNDES. O ministro entendeu que os fatos estavam prescritos.

Esses motivos o levaram a ser contratado com status de celebridade pelos irmãos Batista, numa briga jurídica que tem dezenas de advogados de cada lado, com representantes das bancas mais conhecidas do país e nomes influentes no Judiciário.

A Paper Excellence, por exemplo, contratou o ex-presidente Michel Temer (MDB) para atuar em seu favor.

A atuação de Temer chamou atenção porque, em 2017, Joesley gravou uma conversa com o então presidente da República com suspeitas de corrupção relacionadas ao ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A divulgação do áudio enfraqueceu o governo e levou o então presidente a fazer um pronunciamento público para dizer que não renunciaria ao cargo. À época, Joesley estava em processo de firmar acordo de delação premiada.

Com a nomeação de Lewandowski para o Ministério da Justiça, o contrato com a J&F será interrompido.

Os valores e as maneiras de pagamento previstos no contrato do ministro aposentado com a J&F estão sob sigilo.

Procurada pela reportagem, a J&F disse que não iria se manifestar.

O conglomerado, que é dono da JBS, obteve uma expressiva vitória no Judiciário recentemente, quando o ministro do STF Dias Toffoli suspendeu o pagamento de uma multa de R$ 10,3 bilhões aplicada em acordo de leniência firmado em 2017, na esteira da colaboração premiada dos irmãos Batista na esfera criminal. A medida foi tomada no plantão do Judiciário, em dezembro.

Lewandowski se aposentou do Supremo dia 11 de abril do ano passado. No dia seguinte, ele já recebeu a carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em uma cerimônia comandada pelo presidente da entidade, Beto Simonetti.

Nesse período, além de atuar para a companhia dos irmãos Batista, Lewandowski se tornou presidente do conselho de assuntos jurídicos da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Ao ser convidado por Lula para o governo federal, o ministro aposentado acenou com a possibilidade de aceitar o convite, segundo aliados do presidente.

Mas disse enfrentar resistência na família, o que levou Lula a fazer um apelo inclusive à esposa dele, Yara de Abreu Lewandowski.

O próprio Lula fez um reconhecimento público a Yara. "Graças a Deus a Yara teve a compreensão de falar para o Lewandowski: 'Eu sei que você quer ir, então vá, meu amor'".

Lewandowski substituirá Flávio Dino, que foi indicado por Lula ao Supremo, no Ministério da Justiça.

No anúncio da indicação, na última quinta (11), Lula afirmou que, devido a questões particulares do novo ministro, a posse só ocorrerá mais adiante.

Como mostrou a Folha na semana passada, Lewandowski será o primeiro magistrado aposentado da mais alta corte a ingressar no Executivo em 17 anos. Especialistas ouvidos questionaram a atuação em carreira com impacto público após a saída do tribunal. O professor da FGV Direito SP Rubens Glezer, por exemplo, disse que é preciso pensar em uma "aposentadoria obrigatória" para os magistrados do STF, que não precisam se submeter a quarentena após deixar a corte.

No Executivo, os ministros que deixam os cargos estão sujeitos a quarentena de seis meses antes de exercer a atividade privada para evitar o uso de informações privilegiadas.

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