Frentes golpistas citavam filho de general na Abin; Clube Militar silencia

General Sérgio Carneiro teve filho implicado em fala de Heleno sobre infiltrar agentes em campanhas de 2022

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Conhecido pela velocidade em emitir posicionamentos e atuar como porta-voz dos oficiais da ativa, o Clube Militar decidiu adotar o silêncio diante de investigações sobre membros da caserna. A Polícia Federal apura a participação de integrantes das Forças Armadas em frente para um golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder e evitar a posse de Lula (PT) na Presidência.

Sob reserva, diretores do Clube Militar citam diferentes fatores como justificativa para se manterem silentes mesmo diante do que enxergam como arbitrariedades do STF (Supremo Tribunal Federal) contra oficiais do Exército.

Os motivos para a postura vão desde as dúvidas que pairam sobre o impacto causado pelas mensagens do ex-ministro e general Walter Braga Netto contra os chefes militares até o parentesco do presidente do Clube Militar com um ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) citado nas investigações.

Policiais federais ao cumprir mandado de busca e apreensão em dia de operação que mirou alvos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 8.fev.24/Folhapress

O general Sérgio Tavares Carneiro ocupa a presidência do Clube Militar. Ele é pai de Victor Carneiro, que sucedeu Alexandre Ramagem na direção da Abin —e foi citado pelo ex-ministro e general Augusto Heleno em plano para infiltrar agentes do órgão nas campanhas de adversários de Bolsonaro na eleição de 2022.

A fala de Heleno sobre Carneiro ocorreu em reunião de julho de 2022 com Bolsonaro e demais ministros, a três meses das eleições, em meio a um longo debate entre eles de cenários golpistas sobre a disputa presidencial. A gravação da reunião foi obtida pela Polícia Federal.

Sérgio se formou na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1975, enfileirado com os colegas Hamilton Mourão e Gonçalves Dias. Heleno era um dos instrutores dos cadetes; ele e Sérgio mantiveram relação com o avanço da carreira, apesar de pertencerem a armas (funções) diferentes.

"Eu já conversei ontem com o Victor [Carneiro], novo diretor-[adjunto] da Abin, e nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo. O problema todo disso é que se vazar qualquer coisa [...], a gente se conhece nesse meio, se houver qualquer acusação de infiltração desses elementos da Abin [...]", disse Heleno durante a reunião.

Bolsonaro interrompeu Heleno e pediu que ele parasse de falar. "Ô, general, eu peço que o senhor não fale, por favor. Não prossiga mais na tua observação aqui. Eu peço que não prossiga na tua observação", afirmou, dizendo que eles conversariam em particular sobre "o que porventura a Abin está fazendo".

Procurado, Sérgio Carneiro não respondeu às mensagens e desligou o telefone quando comunicado sobre o assunto da reportagem. O advogado Bernardo Fenelon, que representa Victor Carneiro, disse em nota que o ex-diretor da Abin se colocou à disposição da Polícia Federal para esclarecimentos em dois momentos (7 e 10 de fevereiro).

"Por respeito às autoridades, destacamos que as manifestações serão feitas exclusivamente nos autos; no entanto, desde já, para evitar distorções e narrativas maliciosas, nosso cliente reitera que sua gestão à frente da Abin sempre foi marcada pela legalidade e institucionalidade", concluiu.

General Augusto Heleno afirmou, em reunião, que discutia com a Abin plano para infiltrar agentes em campanhas eleitorais de 2022 - Pedro Ladeira/Folhapress

A Folha conversou com uma dezena de oficiais da reserva sócios do Clube Militar. Mesmo tendo críticas à operação da PF, a maioria decidiu não se manifestar sobre a investigação e seus impactos nas Forças Armadas.

"Antes de falar ou tomar posição é preciso saber mais sobre o que aconteceu", disse o general Paulo Chagas. Outros pediram reserva para dizer que as sucessivas operações da Polícia Federal contra militares enfraquecem o Comando do Exército.

Uma nota falsa circulou nas redes sociais com a assinatura dos presidentes dos clubes na manhã de sexta-feira (9). O texto dizia que os militares não poderiam mais "tolerar a atuação ilegal e corrupta do Poder Judiciário" e que oficiais-generais que se "tornaram lacaios do crime devem compreender que não serão mais tolerados".

O comunicado circulou em grupos de militares no WhatsApp e gerou reação entre diretores dos clubes. "Os presidentes do Clube Naval, do Clube Militar e do Clube da Aeronáutica reiteram se tratar de uma FAKE NEWS", escreveram em nota oficial.

A manifestação mais crítica contra a operação foi dada pelo senador e general Hamilton Mourão (Republicanos-RS). No plenário do Senado, ele chegou a conclamar os comandantes das Forças Armadas a não se omitirem contra o que chamou de "condução arbitrária de processos ilegais" que atingem os militares.

Depois da repercussão negativa da declaração, o general da reserva divulgou nota dizendo que não incitou os chefes militares a nenhuma ruptura institucional. "O senador é e sempre será legalista, guiando todas suas ações na vida pública sempre com respeito à Constituição e às leis", disse sua assessoria.

O Clube Militar é uma associação formada por oficiais da reserva responsável por administrar clubes recreativos para uso de militares e familiares.

Segundo sua própria apresentação, ele ainda se propõe a ser um "fórum de discussões dos grandes temas nacionais, buscando soluções para os problemas brasileiros por meio de conferências, comissões, painéis, pareceres e campanhas".

Como militares da ativa não podem se pronunciar sobre temas político-partidários, o Clube Militar tenta ocupar o posto de porta-voz dos homens de farda nessas questões.

Quando o governo Lula (PT) proibiu manifestações das Forças Armadas em comemoração ao aniversário do golpe militar de 1964, por exemplo, coube ao Clube Militar em 2023 divulgar nota em memória da ditadura.

Um almoço ainda foi oferecido aos associados "para que o 31 de Março de 1964 permaneça vivo na história", como dizia o comunicado.

Ocupar a presidência do Clube Militar significou, na história do Exército, prestígio político e institucional do general eleito para o cargo. Passaram pela cadeira generais como Hermes da Fonseca e Eurico Gaspar Dutra, entre outros.

Generais ouvidos pela Folha contam que, há algumas gestões, o Comando do Exército tenta reduzir a relevância política do Clube Militar para a Força. Um sinal disso, dizem, é o fato de ter havido um rebaixamento da patente dos generais eleitos para a presidência da associação.

Em 2018, o general de exército (quatro estrelas) Hamilton Mourão presidia o Clube Militar. Depois dele, assumiu a função o general de divisão (três estrelas) Eduardo José Barbosa. Atual presidente, Sérgio foi para a reserva somente com duas estrelas sobre o ombro.

O Clube Militar divulga trimestralmente uma revista, produzida internamente, com articulistas militares ou simpáticos à ideologia da caserna. Na última edição, as discussões promovidas tinham críticas ao STF e embates contra o comunismo em artigos escritos por Deltan Dallagnol, Rodrigo Constantino e generais como Luiz Eduardo Rocha Paiva e Maynard Santa Rosa.

"Não tem sido fácil visualizar otimismo onde campeiam injustiças, inversão de valores e malfeitos. Mas, sem luta não há vida", escreveu o general Sérgio Carneiro no texto de abertura da edição da revista.

"Afronta-se, no Brasil, a credibilidade de instituições tisnadas por descalabros de servidores públicos muito bem remunerados, que abusam da prepotência a serviço do proclamado Estado democrático de Direito", prosseguiu. "Felizmente, a Casa da República [alcunha do Clube Militar] passa ao largo da tormenta."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.