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Mão amiga de Orbán que acena a Bolsonaro já deu asilo a outro aliado sem passaporte

Primeiro-ministro húngaro é conhecido por gestos de lealdade a aliados conservadores

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Ana Luiza Albuquerque
Ana Luiza Albuquerque

Repórter de Política, é mestre em Jornalismo Político pela universidade Columbia (EUA) e autora do podcast Autoritários

Nikola Gruevski, ex-primeiro-ministro da Macedônia do Norte, estava a poucos dias de começar a cumprir uma pena de dois anos de prisão, após ter sido condenado em um caso de corrupção. Mas, para a surpresa das autoridades do país e da comunidade internacional, uma mão amiga o salvou de seu destino.

Em 13 de novembro de 2018, ele escreveu nas redes sociais que estava em Budapeste, a capital húngara, e que havia pedido asilo político. Gruevski argumentava que era alvo de perseguição política por parte do governo social-democrata que havia assumido o poder após a sua saída do cargo, em 2016.

O ex-primeiro-ministro da Macedônia do Norte, Nikola Gruevski - NATO Multimedia Library/NIDS

Conservador e nacionalista, Gruevski foi primeiro-ministro por 10 anos e teve como um de seus aliados próximos o também conservador e nacionalista Viktor Orbán.

Orbán governa a Hungria há 14 anos com maioria absoluta do Parlamento, sob acusações de ter minado o sistema de freios e contrapesos e a democracia húngara.

As autoridades da Macedônia do Norte já haviam apreendido o passaporte de Gruevski no momento de sua fuga.

Até hoje não se sabe exatamente como ele conseguiu escapar, mas à época dos fatos o governo da Albânia informou que o ex-primeiro-ministro havia atravessado a fronteira do país para Montenegro a bordo de um carro da embaixada húngara.

A Hungria sempre negou ter tido qualquer papel em facilitar a fuga de Gruevski. Mas, diferentemente de outros estrangeiros que buscam asilo e são enxotados pela política anti-migratória de Orbán, o aliado do primeiro-ministro pôde permanecer em Budapeste enquanto seu caso era rapidamente analisado.

Cerca de uma semana após a fuga, Orbán disse que os procedimentos legais contra Gruevski foram politicamente enviesados e que, por isso, não teriam influência sobre as autoridades húngaras.

"Devemos tratar nossos aliados de forma justa. Se ele recorre a nós, ele pode contar com o devido processo legal. Não podemos colocá-lo acima da lei, mas podemos dar a ele o devido processo", afirmou.

Ainda não é possível afirmar quais motivos levaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a se hospedar por dois dias na embaixada da Hungria em Brasília, quatro dias após ter tido seu passaporte retido pela Polícia Federal.

Aliado de Orbán, Bolsonaro tentou tratar o episódio com normalidade, enquanto sua defesa disse que ele apenas queria manter contato com as autoridades húngaras —faltou explicar quais assuntos demandavam dois dias de conversa.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em encontro em 2022 - Attila Kisbenedek/AFP

De qualquer forma, chama a atenção que, assim como Gruevski, Bolsonaro procure Orbán em um momento de vulnerabilidade. O primeiro-ministro húngaro é conhecido por suas afrontas a organismos internacionais que protegem pilares das democracias liberais —como a União Europeia, da qual a Hungria faz parte e depende financeiramente.

Orbán frequentemente entra em choque com a instituição, que chegou a congelar 22 bilhões de euros que seriam direcionados para o país, em uma tentativa de forçar o governo a garantir independência do Judiciário, a liberdade acadêmica e os direitos LGBTQIA+.

Como resposta, o primeiro-ministro costuma usar o poder de veto como chantagem, barrando políticas importantes que o grupo europeu quer aprovar.

Orbán não está interessado em seguir a cartilha democrática liberal. Em um famoso discurso de 2014, ele disse, inclusive, que estava construindo um estado iliberal e que nem toda democracia precisa ser liberal.

O primeiro-ministro tem investido em criar uma ordem global alternativa que possa fazer frente a preceitos democráticos –alinhando-se a líderes como o russo Vladimir Putin e o próprio Bolsonaro.

O presidente russo Vladimir Putin ao lado do aliado, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán - Attila Kisbenedek/AFP

Orbán sabe da necessidade de criar pontes com os que pensam como ele e não parece disposto a assistir de camarote a derrota de aliados.

O chanceler da Hungria chegou a oferecer ajuda para a reeleição de Bolsonaro durante uma reunião com a ex-ministra Cristiane Britto, como mostrou a Folha. Segundo relatório da viagem, escrito por ela, o chanceler perguntou se tinha algo que o governo húngaro poderia fazer para colaborar.

Na campanha de 2022, a francesa Marine Le Pen, uma das principais figuras conservadoras da Europa, conseguiu um empréstimo de 10 milhões de euros com um banco húngaro.

Um dos acionistas é amigo de infância de Orbán e enriqueceu durante o seu governo. Segundo uma reportagem do Financial Times, pessoas do círculo interno do primeiro-ministro pediram que o banco liberasse o valor para Le Pen.

Não se sabe o que Bolsonaro foi fazer na embaixada. Mas se sabe que Orbán não costuma negar uma mão amiga.

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