Silvio Almeida foi demitido em crise inédita no governo desde a redemocratização

Ministros estiveram envolvidos em quase uma crise de imagem por mês no período; essa foi primeira demissão sob acusação de assédio sexual

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Brasília

A demissão de Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humanos foi a primeira por acusação de assédio sexual entre ministros do governo federal desde a redemocratização, em 1985, mostra uma pesquisa realizada na UnB (Universidade de Brasília). O projeto monitora, há 13 anos, ciclos de crise de imagem na Esplanada dos Ministérios.

O levantamento é coordenado pelo professor Wladimir Gramacho, da Faculdade de Comunicação da UnB, a partir de capas da Folha. Foram analisadas quase 14 mil edições desde 15 de março de 1985, primeiro dia da presidência de José Sarney.

Silvio, homem negro e careca, veste terno e gravata e fala em um púlpito do Palácio do Planalto
Silvio Almeida em cerimônia no Palácio do Planalto em 2023

Ministros já estiveram envolvidos em mais de 500 crises de imagem, segundo a catalogação da pesquisa. Mas, em todos esses casos, a motivação nunca havia sido por teor sexual.

"O contexto social e político mudou muito nesses 40 anos. No começo da Nova República, uma série de temas não estavam pautados, e agora estão. Eu acho que um desses temas são as questões de gênero, a maior discussão sobre patriarcado, machismo", diz Gramacho.

"Acredito que o nível de documentação e de extensão das ações do ex-ministro foram suficientes para que isso fosse divulgado", acrescenta o professor, sobre o ineditismo que envolve a saída de Almeida do governo.

O presidente Lula (PT) demitiu Almeida no início do mês, após acusações de assédios sexual, que foram encaminhadas para a organização Me Too Brasil. Uma das vítimas seria a titular da Igualdade Racial, Anielle Franco.

Crises por motivos sexuais (criminosos ou não, como em casos de traição) são comuns na Inglaterra e nos Estados Unidos, explica Gramacho, mas não na política brasileira. Ao longo dos governos, episódios sexuais apareceram pontualmente, mas sempre como pano de fundo.

O ex-ministro Antônio Palocci saiu do Ministério da Fazenda durante o primeiro governo Lula no rastro deixado pelo mensalão e pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa —apesar da informação de que "a casa onde lobistas discutiam possíveis negociatas com o governo" também era frequentada por prostitutas.

Já o ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral pediu demissão do cargo durante o governo Collor depois de se envolver com a então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Politicamente, o relacionamento aparecia, porém, apenas como mais um elemento para a queda.

"Foi responsabilizado por erros jurídicos do governo Collor. Viu-se envolvido num propalado namoro com a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Esvaziou-se politicamente. Tornou-se um incômodo para o Planalto", dizia a capa da Folha de 14 de outubro de 1990 sobre o "acúmulo de desgastes" de Cabral.

Os pesquisadores consideram que existe crise de imagem sempre que, no intervalo de três dias consecutivos, um ministro é mencionado de forma negativa em algum conteúdo em no mínimo dois deles.

Pelos critérios da pesquisa, o governo com maior número de crises envolvendo ministros foi o de Sarney, com 119 registros. Na sequência, aparece o de Jair Bolsonaro (PL), com 66 casos.

Fernando Collor de Mello enfrentou 41 crises com ministros e Itamar Franco, que assumiu o posto após o impeachment do antecessor, teve 39 casos catalogados.

Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foram 52. Lula enfrentou 50 crises em seu primeiro governo e 40 durante o segundo mandato. Não há dados tabulados para o atual governo.

O estudo da UnB classifica as crises de imagem em dois grandes grupos: morais, em que aparecem casos de corrupção, abusos de poder, conflitos de interesses e até homicídio; e não morais, como crises por mau desempenho, disputa político-partidária ou por conflito de opinião.

O governo Bolsonaro foi o que teve mais casos catalogados como de corrupção/abuso de poder, com 25 registros. Na sequência, aparece o primeiro mandato de Lula, com 22. No governo Sarney, campeão desse tipo de crises, a maior parte foi por temas de desempenho (75) e disputas políticas (38).

"Um ministro é como um fusível no funcionamento do governo. Esse fusível pode queimar por várias razões. Uma delas é justamente o foco desse projeto, os ciclos de crise de imagem. Às vezes, um ministro está lá tocando sua agenda ordinária e chama muita atenção da imprensa de forma negativa", diz Gramacho.

"Isso tem muito prejuízo. É um momento crítico para o presidente, que precisa avaliar em que medida aquela crise se esgota em pouco tempo, é mais ou menos importante no momento do governo, e em que medida pode prejudicar a imagem do próprio presidente. E aí troca-se, simplesmente."

Um dos ministros que enfrentou uma longa crise de imagem e se manteve no cargo foi Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). O recordista, porém, é o ex-ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, com 24 crises.

O estudo aponta ainda que o controle da inflação, a partir do Plano Real, diminuiu as crises por mau desempenho. O professor do Instituto de Ciência Política da UnB Frederico Bertholini, que participa da pesquisa, afirma que a burocracia do Estado também deixou os ministros menos vulneráveis ao longo do tempo.

"Esse mau desempenho acabou sendo minorado de alguma maneira por um conjunto de reformas ou pelo arcabouço institucional que se estabeleceu, com aumento de controle e de transparência. Isso aliado à qualificação da burocracia. Eu imagino que os ministros passaram a ter menos liberdade para errar", diz.

Nesse sentido, Bertholini aponta que Paulo Guedes é um caso isolado de mau desempenho nos últimos anos. Apesar das crises em que se envolveu —como a que se deu a partir da revelação de que mantinha dinheiro em contas offshore—, Guedes sobreviveu no cargo por ser peça importante do governo Bolsonaro, avalia o pesquisador.

A Folha foi escolhida para o estudo por, segundo Gramacho, ser um dos jornais mais longevos, influentes e bem catalogados do país.



OUTROS INDICADORES

Ministro com maior número de crises:
Paulo Guedes, da Fazenda, no governo Bolsonaro, com 24 crises, sobretudo por mau desempenho.

Ministro com gestão mais turbulenta: Romero Jucá, do Planejamento, no governo Temer; enfrentou duas em 12 dias de gestão, uma ligada a corrupção e outra a abuso de poder.

Crise mais longa envolvendo um ministro: Alceni Guerra, da Saúde, durante o governo Collor; 37 dias de crise de imagem, por suposto superfaturamento na compra de bicicletas, mochilas e guarda-chuvas.

Crise por homicídio: Nuri Andraus, da Agricultura, no governo Itamar; ex-ministro era réu por homicídio.

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