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Debate LGBTQIA+ avança nas empresas, mas há poucas ações

Levantamento mostra que ainda faltam programas de aceleração profissional para esse público

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Belo Horizonte

Grandes empresas com sede no Brasil têm ajustado políticas internas para incluir questões relacionadas à comunidade LGBTQIA+. Até agora, porém, o movimento resultou mais em debates do que em ações concretas no ambiente de trabalho.

Pesquisa sobre práticas empresariais pró-LGBT+, divulgada em junho, apontou que apenas um quarto das 60 empresas nacionais e multinacionais ouvidas têm programas para desenvolvimento de talentos ou aceleração de carreiras voltados a essa população.

Daniela Vieira, head de Qualidade do C6 Bank, faz parte do grupo de afinidade LGBTQIA+ da empresa
Daniela Vieira, 41, chefe de qualidade do C6 Bank, faz parte do grupo de afinidade LGBTQIA+ da empresa - Divulgação

O levantamento é da Human Rights Campaign Foundation (HRC), um dos maiores grupos de defesa LGBT+ do mundo. A sigla se refere a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer [pessoas fora dos padrões binários de gênero], intersexuais, assexuais e outras orientações ou identidades.

Das 60 empresas ouvidas, 38 receberam nota máxima da organização e ganharam um certificado de melhores lugares para funcionários LGBT+. Só essas tiveram os nomes revelados, entre elas Adidas, Carrefour, C6 Bank, Lexmark e Localiza. No caso de multinacionais, o estudo considera só iniciativas adotadas pela companhia no Brasil.

Apesar da falta de programas específicos, quase 90% das companhias têm grupos de discussão sobre questões LGBT+ —entre as empresas certificadas o índice é de 95%. Pessoas que não são da comunidade, mas apoiam a sigla, também podem participar.

O C6 Bank, por exemplo, tem cerca de 200 funcionários que integram o grupo. A cada 15 dias, os profissionais se reúnem para debater ações e depois apresentam propostas para a diretoria.

Rafael Brazão, chefe de gente e gestão do C6 Bank, diz que a atividade ajudou na revisão das cartilhas de diversidade da empresa.

"Também tivemos um podcast de carreira no ano passado, e o grupo auxiliou na abordagem do tema", diz. Nas reuniões, os funcionários ainda sugerem palestrantes para ajudar na conscientização do resto da equipe.

"Quando fui fazer entrevista para o C6 Bank, deixei claro que eu era casada com uma mulher. Sofri em uma empresa anterior. Precisava inventar sobre com quem estava no fim de semana. Tinha vez que chegava em casa chorando", lembra Daniela Vieira, 41, chefe de qualidade do banco e integrante do grupo de afinidade de funcionários LGBT+.

Daniela defende a criação de processos seletivos voltados para esse público. Hoje não há iniciativas de filtragem desses profissionais em recrutamentos do C6 Bank.

Para Ricardo Sales, CEO do Instituto Mais Diversidade, as ações afirmativas são o caminho mais efetivo para avançar nessa agenda.

Jairo Barbosa, 36, gerente de relacionamento com o cliente e padrinho do grupo LGBTQIA+ da Localiza 
Jairo Barbosa, 36, gerente de relacionamento com o cliente e padrinho do grupo LGBTQIA+ da Localiza  - Douglas Magno/Folhapress

"É fundamental pensar nas especificidades de pessoas trans. Sua inclusão nas organizações é muito pontual e restrita. Processos seletivos exclusivos para elas devem ser encorajados", afirma.

A Lexmark, fornecedora americana de produtos de impressão, com escritório no Brasil, planeja fazer um recrutamento só para pessoas LGBT+ até o início de 2023.

A empresa enxerga o certificado da HRC como uma forma de agregar valor à marca. "Cada vez mais, o mercado busca companhias preocupadas com causas sociais", diz Nathalia Costa, 33, gerente de marketing de produtos.

Na opinião dela, o certificado atrai talentos para a empresa e melhora a posição da Lexmark no mercado.

A LGBT Capital, consultoria financeira britânica especializada na causa, calcula que essa população movimente U$ 3,9 trilhões (R$ 21,39 trilhões) por ano. A pesquisa traz dados de 2019 e considera que a sigla agrega 371 milhões de pessoas em todo o mundo.

O levantamento da HRC apontou que só 25% das companhias ouvidas têm políticas para funcionários que estão em transição de gênero —entre as certificadas, 32%.

A Localiza é uma delas. "Conseguimos fazer toda a jornada, desde quando a pessoa entra no processo seletivo até quando ela está na empresa. Isso significa que ela consegue alterar nome, crachá, email, identidade e ter apoio psicológico e jurídico caso necessário", explica Jairo Barbosa, 36, gerente de relacionamento com o cliente e padrinho do grupo de afinidade LGBT+ da empresa.

O grupo exigiu a revisão de benefícios. Como resultado, a companhia prorrogou a licença-maternidade por mais 60 dias e a licença-paternidade por mais 15 para todos os funcionários, inclusive os casais homoafetivos.

Parte da comunidade LGBT+, Barbosa avalia que as políticas da empresa sobre o tema evoluem desde 2020, quando o grupo de afinidade foi criado. "Faço questão de apresentar o programa a novos colaboradores", diz.

Em julho, o grupo organizou uma feira de artesanato e comida com pessoas ligadas à causa em Belo Horizonte.

Para a americana Rashawn Hawkins, diretora do programa de igualdade no local de trabalho da HRC, ações como essa ainda faltam no Brasil. Segundo ela, é necessário incentivar a inclusão para além do escritório e atrair a comunidade local.

"Temos que tomar cuidado com o que chamamos de ‘rainbow washing’. São empresas que mudam o logotipo para as cores do arco-íris no mês do orgulho e vendem produtos da causa, mas não fazem nenhum trabalho pela verdadeira inclusão. A receita dessas empresas deveria impactar a comunidade local", diz.

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