Conheça o retirante que saiu do sertão, lavou chão e hoje é chef do Fasano Salvador

Ainda garoto, Bahia deixou o semiárido em busca de uma vida melhor e agora comanda cozinha de hotel da rede

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Salvador (BA)

No alto da Serra da Santa Cruz de Monte Santo, que Euclides da Cunha chamou de "prodígio de engenharia rude e audaciosa", os romeiros, depois de seguirem os Passos de Cristo no calvário nordestino, fazem suas preces, nelas depositando a fé em um futuro próspero. Na já distante década de 1980, São Paulo era o santo nome da esperança para muitos dos filhos do semiárido baiano. Foi assim para Rosivaldo Neves de Brito, que, então com 17 anos e meio, munido de passagem no bolso e mala na mão, tentaria a sorte na maior cidade do Brasil.

Na bagagem, duas mudas de roupa e fotinhos, em preto e branco, do torrão natal e da família, uma parte desta já tinha feito a mesma peregrinação: quatro dos dez irmãos mais o pai estavam em São Paulo, todos trabalhando no ramo de gastronomia e hotelaria. Brito estava a um passo da maioridade quando, depois de tirar todos os documentos de que precisava para encarar três dias de viagem em um ônibus, compartilhado com tantos outros retirantes, desembarcou na capital paulista.

Rosivaldo Neves de Brito, 54, o Bahia, chef do restaurante Fasano Salvador, posa para foto com a fachada do hotel ao fundo
Rosivaldo Neves de Brito, 54, o Bahia, chef do restaurante Fasano Salvador - Renato Stockler/Folhapress

Quando chegou, o baiano pouco se preocupou em entender a dura poesia concreta das esquinas paulistanas. Foi logo lavar prato e panela, limpar chão, fazer brilhar a prataria. Para o que preciso fosse, lá estava ele.

"Os baianos da minha terra iam para lá trabalhar num só lugar: a cozinha", recorda-se. "Naquela época, a gente cansava de ver placas de emprego para ajudante de restaurante espalhadas por diferentes cantos de São Paulo", lembra.

O dinheiro que juntava tinha destino certo: ia —dentro de um envelope, acompanhado de uma carta— para a família. O mensageiro era algum parente ou conhecido que regressava à cidade natal, tudo na base da confiança e da solidariedade de quem está no mesmo barco. Ninguém tinha conta bancária. Internet tampouco existia, menos ainda Pix.

Também era empenhando o fio do bigode que um conterrâneo recomendava outro para um novo emprego, mesmo sob o risco de prejudicar o próprio nome e, é claro, o posto de trabalho, caso a nomeação não fosse das melhores.

Foi graças a uma indicação de amigo que Brito chegou ao Grupo Fasano. O ano era 1990, quando o restaurante da marca ainda funcionava na rua Haddock Lobo, nos Jardins, área nobre da metrópole.

"Fasano" já era um nome familiar aos ouvidos dele. Isso porque o rapaz fora vizinho do "seu" Ático, o maître Ático Alves de Souza (1927-2022), que marcou a história do restaurante em seus 30 anos de dedicação ao grupo no qual o jovem baiano então ingressava.

Brito, à época, morava numa pensão no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo, onde dividia com três colegas de Monte Santo um quarto de beliches. Ao conhecer seu novo local de trabalho, ficou surpreso com o que viu. "Todo o mundo queria trabalhar no Fasano. Sempre foi o símbolo máximo da sofisticação", lembra.

O jovem deparou-se com o que hoje bem avalia: "Era uma gastronomia muito diferente e exigente". Ao longo do tempo, foi aprendendo muita coisa —fez carreira na "escola Fasano" de formação profissional. Trabalhou também no Gero e no Fasano Rio, que, em suas palavras, "revolucionou a gastronomia carioca".

Entre os colegas de lá e de cá, era conhecido não como Rosivaldo Neves de Brito, mas simplesmente como Bahia, o nome da terra querida.

Morou cinco anos em Ipanema, na charmosa esquina da Visconde de Pirajá com a Vinicius de Moraes, bancado pelo grupo. Fez parte da inauguração do Fasano BH, em outubro de 2018, e, no mês seguinte, estreou no Fasano Salvador, capital que ele ainda hoje está aprendendo a descobrir.

"Quando deixei Monte Santo, não conhecia nada, cidade alguma, só o povo de lá que tinha ido tentar a vida em São Paulo", conta Bahia, hoje com 54 anos. "Quem me apresentou o mundo foi o meu trabalho", diz ele, que é pai de duas filhas (uma vive em São Paulo, e a outra, no Rio).

"Seu Fabrizio sempre dizia que gostaria de abrir um restaurante Fasano na Bahia", lembra, referindo-se ao patriarca da família Fasano, Fabrizio Fasano (1935-2018). "Infelizmente, ele não viveu para ver o sonho realizado", diz. "Devo muito a ele por estar aqui. Por estar também, mais uma vez, perto do meu sertão."

Fachada do Hotel Fasano em Salvador, na Bahia
Fachada do Hotel Fasano em Salvador, na Bahia - Divulgação

Bahia fez de tudo —lavou, limpou, arrumou cozinha, mesa, talheres, ajudou outros cozinheiros, monte-santenses ou não— e, hoje, é o chef do restaurante Fasano Salvador.

Uma de suas especialidades é a moqueca baiana mista, com camarão e peixe. A tradicional feijoada, servida sempre no primeiro sábado de cada mês, é outra aposta do chef, que pode ser apreciada mesmo por quem não está hospedado no hotel. Cada prato custa, respectivamente, R$ 156 e R$ 135.

De frente para a praça Castro Alves, no coração do antigo centro, o restaurante Fasano Salvador fica no primeiro piso do histórico edifício tombado, construído na década de 1930, que funcionou como sede do jornal A Tarde por 40 anos.

Quem subir ao rooftop, onde acontece a noite de Iemanjá, em 1º de fevereiro (como é sabido, a cidade organiza a maior festa do país em homenagem à rainha do mar, celebrada no dia 2), terá a experiência de se deparar com uma vista inesquecível da baía de Todos-os-Santos.

Os santos —e os protetores de outras fés— parece que sempre estiveram nos caminhos de Bahia.

FASANO SALVADOR
Diárias a partir de R$ 2.100, casal, com café da manhã
Onde saber mais: https://www.fasano.com.br/hoteis/fasano-salvador
Tel.: (71) 2201-6300

OUTROS HOTÉIS EM SALVADOR

FERA PALACE HOTEL
Diárias a partir de R$ 995,10 por casal, com café da manhã, no site

ARAM YAMÍ HOTEL
Diárias a partir de R$ 850 por casal, com café da manhã, no site

ZANK BY TOQUE HOTEL
Diárias a partir de R$ 720 por casal, com café da manhã, no site

SOLAR DOS DEUSES
Diárias a partir de R$ 610 por casal, com café da manhã, no site

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