Por uma comida sustentável além do discurso
Agentes da cadeia alimentar que transformam conceito em ação são os protagonistas desta edição do Fartura São Paulo
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No Tocantins, Ruth de Almeida quebrou coco de babaçu ainda criança, num trabalho que reconhece como escravo, reservado às mulheres. Hoje, homenageia o coquinho, cujo óleo tem perfume de avelã, em seu restaurante em Palmas.
Daniel Castelli largou a cidade para voltar ao campo. Habita uma pequena propriedade rural em Canela, no Rio Grande do Sul, na qual reativou uma terra improdutiva para plantar milho crioulo. Ali, o grão, triturado em moinho de pedra, vira farinha, que faz a base da polenta.
Num sítio na região serrana do Espírito Santo, Angelina Kopp Schmidt, descendente de pomeranos, repete a receita do pão brote, herdada desses imigrantes. Feito originalmente de trigo, assado em folha de bananeira num forno de barro, aqui incorporou fubá de milho branco e raízes brasileiras.
São personagens como esses que estarão presentes na quarta edição do Fartura São Paulo, que a expedição fisga pelo Brasil, em viagens nas quais busca rastrear a cadeia do alimento, com rigor e profundidade, desde 2012.
Essencialmente, o que move o Fartura, maior plataforma de cozinha brasileira, que agrega site, livros, filmes e programas de televisão e rádio, é o propósito de difundir, celebrar e compartilhar os ingredientes, os gestos e as tradições do nosso comer.
Nos festivais, arma-se um ambiente de alegria e troca entre cozinheiros, produtores e demais atores da alimentação das cinco regiões do Brasil, nas quais o projeto também realiza eventos.
Em São Paulo, mantém-se a particularidade de juntar representantes de todos os estados do país mais o Distrito Federal, de modo que se possa provar um cardápio diverso, reflexo da riqueza da cozinha partilhada pelos brasileiros.
Uma amostra: sanduíche de linguiça conservada na banha de porco, como antigamente; pizza de quatro queijos nacionais (búfala, vaca, cabra e ovelha); munguzá de caramelo, conhecido mais ao sul como canjica.
A confeiteira Lisiane Arouca, do Origem, em Salvador, agrega à estrutura clássica desse doce, com leite de coco fresco e milho branco, sorvete de coco verde e farofa de tapioca com licuri, um coquinho típico do Nordeste. Tradição lhe serve de alicerce para criar.
Eis outro território, mais fresco e inventivo, no qual o Fartura também transita, com faro e ousadia para identificar jovens expoentes, atentos aos legados da nossa cultura.
O goiano Ian Baiocchi está nesse balaio, à frente de quatro restaurantes e de um bufê em sua cidade no Centro-Oeste, depois de experiências substanciosas por casas estreladas como Maní e o catalão El Celler de Can Roca. Em aula, ele falará sobre o tempo por meio de receitas que combinam herança e modernidade, como bombom de queijo maturado na caverna e marmelada de uma comunidade quilombola.
Um espeto de bode com farofa de tapioca e creme azedo de nata sertaneja tem carimbo do sergipano Yuri Machado, hoje na liderança de seu Ca-já, no Recife.
Depois de rodar o Brasil por um ano na equipe do Cirque du Soleil, voltou-se aos valores da cultura alimentar que o cerca desde a infância.
Apoia-se constantemente em elementos como o bode, a nata, o sururu — um pequeno molusco de mangue.
Vem do norte de Minas o requeijão moreno envolto por uma broa com creme de milho doce e coxa de frango desossada, de Henrique Gilberto, do Cozinha Tupis, no Mercado Novo, em Belo Horizonte.
São de contribuição vital ao Fartura participações como as desse mineiro, cujo trabalho enriquece o tema da sustentabilidade na cozinha, discussão que a plataforma mira elevar, com exemplos inspiradores, de gente que tem transformado conceito em ação.
Ao abastecer seu cardápio com insumos do centro belo-horizontino, por exemplo, Gilberto aquece a microeconomia dessa zona. Também se preocupa em promover o uso integral dos ingredientes, missão da qual resultam farinhas de cenoura e molhos engrossados com sangue de galinha. Está às voltas com um projeto de compostar a xepa do mercado em uma favela.
O hábito de compostar resíduos orgânicos é antigo no curitibano Quintana, de Gabriela Carvalho, chef paranaense que a equipe do Fartura conheceu na última expedição, em maio. Em seu quintal, ela coleta mel de abelhas nativas, com sabores brutalmente diversos, realçados em suas receitas.
Também dedica tempo a estudar feijões, os quais trata como alimento do futuro, tema de sua aula em São Paulo.
Condutas sustentáveis, aliás, são iluminadas na programação e também praticadas nos bastidores do festival Fartura: dejeto de óleo é recolhido por associações para reprocessamento; descartáveis, feitos de bagaço de cana, são biodegradáveis; cooperativa credenciada separa e recicla o lixo do evento.
Para criar conexões reais entre a cadeia gastronômica, da origem do alimento ao prato, o projeto lança o Receita de Negócios, espaço inédito que estreita laços entre atores do setor e tende a gerar oportunidade de negócios e fomento econômico.
Vamos em frente, em favor dessa cozinha brasileira que nasce popular, anônima, com pequenos segredos; que não é só uma e não pertence a um inventor particular. É de todos nós.
Festival Fartura – Comidas do Brasil São Paulo
Sábado (3), das 12h às 22h, e domingo (4), das 12h às 20h, no Jockey Club São Paulo (av. Lineu de Paula Machado, 1.263, Cidade Jardim). R$ 25 (inteira) e R$ 12 (meia), no primeiro lote. Informações e venda de ingressos: farturabrasil.com.br/blog-festivais/fartura-sao-paulo
É curadora do Fartura
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